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  • há 3 meses

Categoria

Pessoas
Transcrição
00:00O coveiro mais antigo do cemitério municipal de Curitiba vai bater um papo com a gente.
00:12Mais antigo e provavelmente o mais engraçado.
00:15Vocês estão brincando com a alma penada.
00:20Esperar não comer, como é que vai tudo bem? Quando que vai, né? Quando que vai?
00:25Ele foi um dos primeiros fotógrafos de Cianorte. O seu Júlio também está entre os nossos convidados desse sábado.
00:35E o padre, que dirige há mais de uma década o Asilo São Vicente de Paulo, abre as portas da casa que abriga 160 mulheres.
00:44Que bom ter você com a gente agora. O nosso programa deste sábado já está no ar.
00:55Ele trabalha num lugar que muita gente só de passar na frente se vence.
01:00Seu Sebastião Francisco da Silva, há 40 anos, trabalha aqui no cemitério municipal de Curitiba fazendo sepultamentos.
01:08É coveiro que a gente chama, não é, seu Sebastião?
01:10Certo, é coveiro.
01:11Nascido no norte pioneiro, na cidade de Japira, com um ano foi para Ibaiti, com quantos anos aqui para Curitiba?
01:24Vim para cá com 22 anos.
01:25E já veio direto trabalhar aqui?
01:27Vim direto trabalhar no Calhau e vim colocar pedra aqui no cemitério para os pedreiros, né?
01:32E acabou ficando aqui?
01:33E acabei ficando aí, daí eu tirei o alvará de construtor e fiquei fazendo sepultamento, né?
01:38E daí, quando surgiu a oportunidade do senhor trabalhar como coveiro, como que o senhor recebeu essa notícia?
01:45Ah, eu fiquei contente pela emoção de querer trabalhar, fazer sepultamento, estar no meio do povo, gostava, gostava de estar no meio do povo ali, né?
01:53Tudo chique.
01:53Mesmo assim que, mas mesmo assim que num momento mais complicado da vida?
01:57É, para eles era, para mim não, né?
02:00Para mim era bom estar no meio do povo, aprendendo a conversar com o povo, porque a gente não tem cultura, né?
02:04E o senhor veio trabalhar como coveiro, nunca teve medo de nada, assim?
02:08Não, não.
02:08Que cemitério, uma pavora e um bom tanto de gente, né?
02:12Nem lá nos matos não tinha medo de nada.
02:14Se tiver algum fantástico, porque venha falar comigo, né?
02:17Vinha de noite em casa lá, quando eu estou lá, né?
02:19Não tenho medo de morto.
02:21Tem medo do quê?
02:22Do povo e da rua, né?
02:24Tem medo dos vivos mesmo?
02:26Dos vivos, dos vivos.
02:26Tem um pouco de medo, né?
02:27Mas dos mortos não, dos mortos não dá, não prejudica ninguém, né?
02:32Eles estão no cantinho daí sossegados e não prejudica ninguém.
02:35O vivo não atrapalha no ônibus, atrapalha no trânsito, atrapalha na praia, atrapalha em tudo.
02:40Igual o morto, não é morto, tá sossegadinho ali.
02:42O senhor falou que tem um monte de gente na família também, trabalhou ou trabalha como coveiro.
02:46O seu pai também?
02:48Não, meu pai não trabalhava de coveiro, meu pai fazia caixão lá no morto pra lá, fazia pessoa quando morreram.
02:54É mesmo?
02:55Fazia caixão, media a pessoa certinha, fazia o caixão e daí nós levava no cemitério de Baitia, em carroça, e aquele bando de gente ia atrás na carroça.
03:05Isso em 1950, né?
03:07Aham.
03:08E a noite toda nós não estava boa, e lá nos tomais fazia macarrão caseiro pra se alimentar à noite, né?
03:15Olha só.
03:15Pra poder andar os 24 quilômetros indo e volta, dava 12 quilômetros.
03:19Então o senhor desde criança está muito acostumado com essa rotina, com esse trabalho?
03:22Desde pequena, de sepultar as pessoas, né?
03:26Deixe o sepultamento desde criança.
03:27E antes do senhor trabalhar aqui, o senhor trabalhava com o quê?
03:31Carpino café e plantando café e arroz e feijão lá em Dupicogudo e Baitia.
03:37É no tempo da enxada, né?
03:38Porque hoje não faz esse trabalho.
03:40Tentei fazer um trabalho uma vez, mas não deu certo.
03:43Vendei cachorroqueno e tiradento.
03:44Tentou?
03:45É.
03:45Ficou quanto tempo?
03:46Ficou irritado, ele fica dois anos, fica irritado com aquele povo, né?
03:49Como que é a rotina de trabalho aqui?
03:51O que que faz aqui e como é a rotina do coveiro aqui no cemitério?
03:57Ah, a rotina dele tem uma semana em cada oito, tem que chegar às sete horas e sair de cinco e meia daqui.
04:02Então o senhor trabalha uma semana direto.
04:04E fica às sete sem fazer sepultamento.
04:07E fica às sete semanas sem fazer sepultamento?
04:09Daí eu fico fazendo construção, né?
04:13Colocando pedra, mármore, fazendo gaveta.
04:15E o senhor vai fazendo outras obras?
04:16Outras obras.
04:18E daí, em cada semana tem um coveiro?
04:20Cada semana de segunda domingo é um coveiro.
04:23E ele tem que ter um ajudante.
04:26Tem que ter um ajudante.
04:27Conforme o dia tem que pegar dois para ajudar.
04:30Tem dia que tem seis sepultamentos, certo?
04:33Algum sepultamento aqui que para o senhor foi emocionante de acompanhar?
04:38Foi o sepultamento do Niel Bedarmini.
04:42Cantor?
04:43É, foi em 84.
04:44Das mocinhas da cidade?
04:45Exatamente, é.
04:46Foi o Niel Bedarmini, que nós era fã dele desde pequeno lá no sítio.
04:49É, o senhor ouvia as músicas dele?
04:51Eu escutava as músicas dele e jamais saberia que um dia ajudasse a sepultar ele, né?
04:56E o senhor estava aqui nesse dia?
04:57Estava aí trabalhando.
04:58Foi em 1984.
05:00E veio bastante gente, né?
05:02Uma média de cinco mil pessoas tinha no cemitério aqui.
05:05Você não podia andar aqui dentro, tanta gente.
05:08Gente de toda a classe, né?
05:11Foi em terra bonita, né?
05:12O senhor já construiu muito túmulo aqui, né?
05:18Já fiz vários túmulos.
05:19E não foi só isso, de obra, o senhor lá na cidade de Baiti também ajudou a construir, né?
05:23Ajudei a fazer igreja de Baiti.
05:25Ajudei a fazer igreja de Osia Moura em 88, ali na Brasília, Tibiria, Caduário Coilha.
05:30Todo aquele granito de estacionamento foi tudo.
05:32Fiquei dois anos para fazer todo aquele trabalho lá.
05:36E aqui fiz várias sepulturas.
05:38Fiz a do Fraber, Suplicy de Lacerda.
05:42Um homem famoso, foi ministro, reitor da universidade, essas coisas aradas, né?
05:46E aqui, tem algum canto aqui desse cemitério que o senhor apreciei bastante?
05:54Tem algum...
05:54Tem a capela do Muzilo lá, que eu acho linda.
05:58Feita há 140 anos atrás.
06:00É essa aqui, a capela que o senhor acha mais bonita aqui no cemitério?
06:09Essa é a capela mais bonita do cemitério, pessoal.
06:12E eu já subi nela em cima, para ajudar a lavar uma vez.
06:15O senhor anda bastante aqui dentro, né?
06:17Tem dia que eu ando 10 quilômetros aqui por dia.
06:20Num dia só.
06:21Do barraco nosso, na portaria, dá 700 metros.
06:24A gente vai e vem, vai e vem, buscar material, fazer sepultamento e passa o dia andando.
06:28E dá 10 quilômetros.
06:30E isso carregando material?
06:31Carregando 50 tijolos, cada carrinho que desce.
06:34Eu sempre fui alegre mesmo.
06:37Mesmo quando estava passando fome, dormindo na rua, quando eu deixei casa e criança, né?
06:42Fui morar na rua, fiquei dois anos na rua.
06:44Para mim, é, está tudo bom.
06:46Porque eu não ligo para casa, casa, comida, isso que eu não dou bola, né?
06:49Já que eu dormi dentro dos túmulos, eu durmo também do mesmo jeito.
06:52Para mim, tanto faz, né?
06:53O que você precisa nessa vida?
06:55Agora, nada mais. Está tudo completo, né?
06:57Tem onde morar, tem carro, tem comida, tem tudo.
07:00Quando o senhor fala para as pessoas que o senhor é coveiro, como que elas reagem?
07:04Muitas pessoas se assustam.
07:05É?
07:06Até se afasta de mim no ônibus.
07:08E quando eu não estou de plantão, eu venho de ônibus, eu não fago passagem, né?
07:12Então, eu venho de ônibus, eu venho de Colômbia, venho com esperança, para lá,
07:15pego o senhor João, para no Cabral, pego o Osório, para aqui do lado do cemitério.
07:19Tem muita gente que se afasta, né?
07:22De medo?
07:23E eu faço o meu comentário lá dentro, né?
07:27O que o senhor fala?
07:28Eu conto as histórias de cemitérios.
07:31Que história?
07:32Não, porque a gente trabalha aqui.
07:32Conta o amor para mim.
07:33Porque a gente trabalha aqui, convive com os mortos, né?
07:37É a história que eu conto.
07:38O senhor tem um carro...
07:41Um carro laranja.
07:42Ahn.
07:43E uma vez, o que aconteceu?
07:44Não, eu vim indo lá para o Cotolengo, uma moça deu camona às sete da manhã, eu parei
07:50o carro e...
07:51Deu uma carona para ela?
07:53Deu uma carona.
07:53Ela ia para onde?
07:54Ia lá para o Hospital Evangelho.
07:56Quando soube que o senhor era corveiro?
07:58Ela se assustou um pouco, queria descer do carro, falei, não, eu te deixo, vou lá para
08:01o Cotolengo, né?
08:03E o senhor se diverte um pouco com medo das pessoas?
08:05Bastante mesmo.
08:06Ah, bastante?
08:07Um pouco não.
08:08Bastante, bastante.
08:11Porque todo mundo tem medo da morte.
08:12É pesado, mas é bom.
08:27Mas é para poucos, não é?
08:29Não é para poucos, tem que ter saúde boa e força, né?
08:32E coragem.
08:33E coragem.
08:34Enfrentar esse sol, chuva, gelo.
08:37E os fantasmas?
08:39Não, não tem.
08:41Fantasma não tem.
08:41Obrigada, bom trabalho para o senhor.
08:43Quantos aeroportos tem em Curitiba?
08:44Em Curitiba tem, ou em Bacaxiri?
08:46Em Bacaxiri.
08:48E quanto seu Sebastião tem em Curitiba, assim, simpático igual o senhor, com esse bom humor?
08:53Tem?
08:54Deve ter uns 10 ou 12, porque uma vez eu fui para a Cipró, sem saber, sem entrar na loja,
08:58né?
08:59Fiquei 14, Sebastião, Francisco, a minha mãe que comprovou que não era eu que estava devendo
09:04a loja.
09:05Eu estava super nova, porque a minha mãe ainda ali na loja de Jesus.
09:09Eu sou neto de Deus, porque a minha mãe é a loja de Jesus.
09:15Muito obrigada.
09:16Se precisar de alguma coisa, chega aí e fala.
09:18Olha, eu espero não precisar do senhor tão cedo, tá?
09:21A funerária eu não cumprimento.
09:23Agradeço muito.
09:24A funerária eu não cumprimento.
09:25Quando, como é que vai, tudo bem?
09:27Quando que vai, né?
09:28Quando que vai, né?
09:30Mas é assim, né?
09:34Espero rever o senhor em outras situações.
09:36E depois do intervalo, vamos para a Cianote conversar com o seu Júlio.
09:43Ele trabalhou muitas décadas como fotógrafo, num tempo em que revelar uma foto não era nada
09:49instantâneo como hoje.
09:50Até já.
09:51Tchau.
09:52Tchau.

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