00:00Com 18 anos, ele viajou para fazer serviço voluntário na África.
00:08Quando voltou para casa, tinha uma certeza, jamais seria o mesmo garoto de antes daquela viagem.
00:30Meu nome é Zé Celene, eu tenho 25 anos e meu envolvimento com o Quênia começou em 2011, quando eu tinha 18 anos.
01:00Eu estava na faculdade de relações internacionais e fui fazer uma viagem voluntária para o país, realmente com a curiosidade cultural de descobrir uma nova cultura, visitar a África, ver uma coisa diferente do que a gente está acostumado a ver aqui.
01:15Então era bem a curiosidade do internacionalista e também porque a minha tia avó havia começado um projeto no país em 2009 e ela atuava com uma comunidade em situação de vulnerabilidade.
01:26Então eu fui fazer um trabalho voluntário especificamente nesse projeto, mas foi quando eu encontrei realmente a situação precária da educação no país.
01:36A questão das crianças não terem a oportunidade de se desenvolverem e quebrarem o famoso ciclo vicioso da pobreza pela falta de oportunidade.
01:45E isso te tocou de que forma?
01:48Bom, é porque eu sempre me considerei uma pessoa muito privilegiada.
01:51Então desde sempre minha família, meu pai e minha mãe valorizaram muito a educação.
01:56Então eu tive a oportunidade de frequentar boas escolas, escolas particulares, cursos de idiomas, atividades em contraturno que me ajudaram a formar meu caráter e, digamos assim, também me deram as oportunidades na vida e que aquelas crianças não tinham.
02:12E isso realmente mexeu comigo justamente por muitas vezes, digamos assim, aqui em Curitiba, no frio, no inverno, você reclama de ter que acordar cedo e com calça de pijama por baixo do uniforme porque tá frio, pra aquele professor que é chato, aquela aula.
02:26E você se acostuma a reclamar mesmo tendo tudo.
02:30E você chega lá e vê uma criança que passa dois dias sem comer, caminha 20 quilômetros pra ir pra uma escola e a única coisa que ela te diz que ela quer é a oportunidade de estudar.
02:40Então eu digo assim, foi meio que um tapa na cara, né?
02:43Você se posicionar, ver, nossa, eu tenho tudo que essa criança morreria pra ter e eu não valorizo.
02:50Você começou a fazer o quê depois de se sensibilizar?
02:52Bom, então, lá no Quênia a situação é que a educação primária, ela por lei é garantida como gratuita pelo governo, mesmo que de maneira precária.
03:01Ou seja, sem recursos pra pagar os professores adequados, sem infraestrutura, material, mas ela é gratuita.
03:07O que acontece é que no ensino secundário, que é o equivalente ao nosso ensino médio aqui, ela se torna paga mesmo nas escolas públicas.
03:14Então os alunos é...
03:15Ali faz uma peneirada, né?
03:17Exatamente, porque além de ter que ter a nota pra você se classificar pra poder estudar, nada adianta você ter o desempenho, mas não ter o recurso.
03:24Então é realmente só pros que podem, continuam estudando.
03:29Então você gera aquele ciclo de quem é rico, continua rico e quem é pobre não vai ter a oportunidade.
03:34Então a gente começou em 2012 com um programa de apadrinhamento, que era justamente buscar esses alunos com bom desempenho acadêmico,
03:41mas que não tinham recurso pra continuar estudando e com padrinhos aqui do Brasil, a gente tinha um esquema de um a um.
03:48Então um padrinho aqui no Brasil pagava pra um aluno estudar lá no Quênia.
03:51E o equivalente a quanto se pagava por criança?
03:54Naquela época, em 2012, olha só, eram internatos que eles estudavam, então com café da manhã, almoço, jantar, de domingo a domingo,
04:01eles ficavam na escola durante todo o período acadêmico, só saíam nas férias e custava o equivalente a 70 reais por mês, por aluno.
04:08Então você alimentava com refeições completas, você dava uma chance de estar num ambiente propício pra se desenvolverem e terem a oportunidade de estudar,
04:17pelo que muita gente pagava num jantar, numa noite de festa aqui no Brasil.
04:21Então foi isso também que nos sensibilizou ver que o nosso recurso aqui poderia gerar um impacto muito grande lá.
04:27Mas aí você tá falando de um projeto lá na África, você morando aqui em Curitiba.
04:33Isso.
04:34Como realizar isso?
04:35É, na verdade, exige muita força de vontade de querer fazer acontecer.
04:40A gente também, eu conheci as pessoas certas lá que possibilitaram a gente desde o início trabalhar com uma equipe local.
04:47Então apesar de, digamos, eu estar aqui, nós temos pessoas que estão lá, mas naquela época era muito mais uma questão do contato direto com as escolas,
04:55porque elas que faziam todo o gerenciamento, a educação, era uma questão da transferência de recursos.
04:59Então o nosso papel aqui era angariar os fundos pra enviar pra lá pra eles poderem estudar.
05:04Não exige um acompanhamento mais fixo da nossa parte, porque é a escola que desempenhava esse papel.
05:10Hoje já é diferente.
05:11É, hoje já é diferente.
05:13Depois de sete anos indo pro Quênia, todos os anos, a gente identificou que o problema, na verdade, na transição ele existe.
05:21Mas ele é muito maior na base, porque, como eu falei, apesar de ser gratuito por lei, na prática...
05:27É de quase que de qualquer jeito, do jeito que dá.
05:29Então a gente viu que fazia a transição daqueles alunos, só que eles não conseguiam acompanhar, porque a formação deles já era muito quebrada.
05:38Então a gente mudou um pouco o foco da Endelesa agora pra investir na formação da base, mas através de um modelo sustentável.
05:45Então nós chamamos de escola primária sustentável, que busca a identificação do potencial local daquela escola e daquela comunidade,
05:53que atividade geradora de recursos pode ser feita pra que aquela escola com o investimento certo, com, digamos, a orientação correta,
06:02ela possa com o tempo se gerar autônoma, exatamente.
06:15Como que é a tua rotina quando você vai pra lá? Quanto tempo você fica? Como é?
06:29Então, quando eu dividia o trabalho com a faculdade, eu ficava um mês, um mês e meio, que era o período das férias.
06:35Esse ano foi por um período mais longo, então fiquei quatro meses lá.
06:41E a ideia é de acordo com a necessidade, a demanda mesmo, ver caso a caso.
06:46Então, eu tenho uma casa lá já, que me foi presenteada por uma das escolas que nós somos parceiros.
06:52Então, é um dos internatos que a gente começou a parceria em 2012.
06:56E por ser internato, existiu casas de diversos professores.
07:00E uma dessas casas foi dada pra eu poder me acomodar e ficar lá.
07:05Então, mesmo quando eu não tô lá, ela fica com as minhas coisas, trancada.
07:09É realmente uma casa pra chamar de minha.
07:12Então, é uma casa bem confortável, com três quartos, sala, cozinha, banheiro.
07:17Inclusive, onde a gente hospeda os voluntários que vão pra lá.
07:20Que a gente teve a primeira viagem agora em julho.
07:23E então, o pessoal, ele fica acomodado nessa mesma casa, onde eu também fico.
07:28Eu fui pro Kenya sem a expectativa.
07:30Como eu falei, foi muito mais por curiosidade, por eu querer uma experiência diferente.
07:34E lá eu senti que eu encontrei um propósito.
07:38Então, não foi muito bem uma escolha.
07:41Eu acho que foi uma consequência das oportunidades que eu tive.
07:45Em nenhum momento te pareceu uma ilusão?
07:48Uma grande ilusão, todo esse sonho?
07:51Ah, eu não vou mentir e dizer que nunca.
07:53Porque eu acho que faz parte, assim, até da vida do empreendedor.
07:56Às vezes, você desacreditar, você questionar muitas coisas.
08:01Mas eu acho que o que faz diferenciar o empreendedor social é você realmente acreditar que não.
08:06Que não é uma ilusão e que é possível.
08:08E quando você vê que tudo começou como uma ideia na minha cabeça, em 2012, pequeno.
08:14E a gente ajudava 30 crianças.
08:17Agora a gente atende mais de 350.
08:19E não tô mais sozinho.
08:20Temos uma equipe.
08:21Então, você vê que o pessoal vai agregando.
08:24Às vezes, não num ritmo que você gostaria de crescimento.
08:27Por saber o tamanho da necessidade que existe do lado de lá.
08:30Mas você vê que a coisa vai evoluindo.
08:32E isso vai te mantendo com fé.
08:35De que as coisas vão se encaixando e vão dando certo.
08:37É uma questão, realmente, de paciência.
08:39De resiliência.
08:41E de acreditar que as coisas vão dar certo.
08:44E de acreditar que as coisas vão dar certo.
09:14E depois do intervalo, um chute para o futuro.
09:26Por seis anos, eu fui o mantenedor desse projeto.
09:30Seis anos.
09:31Trabalhava em dois empregos para poder manter esse projeto.