No Visão Crítica, o professor da USP e cientista político José Álvaro Moisés enfatiza a urgência de o Congresso recuperar sua imagem diante da crise institucional. Ele destaca que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), surpreendentemente conseguiu retomar sua cadeira no plenário após a obstrução da oposição.
Confira o programa na íntegra em: https://youtube.com/live/u_KHmmfSahk
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00:00Professor, é um pouco daquilo que nós tratávamos, né? Qual é a sua reflexão acerca desse discurso, as palavras de Hugo Mota?
00:08Eu acho que o presidente Hugo Mota foi muito corajoso. Até certo ponto há uma surpresa em ele ter conseguido reassumir a condução da mesa,
00:19não é? E estabelecer um clima de diálogo entre as forças que estavam em contraposição e com isso iniciar oficialmente o funcionamento da Câmara dos Deputados.
00:35Ele anuncia que amanhã a Câmara começa já a ter uma agenda própria de enfrentamento dos problemas do país.
00:43Eu acho que se isso acontecer, é muito positivo para o Congresso. O Congresso precisa recuperar a sua imagem perante a opinião pública, perante a maior parte da sociedade.
00:55Precisa recuperar de que maneira? Enfrentando problemas que são vividos pela população, não é?
01:02De alguma maneira, essa obstrução que ocorreu hoje, embora ela tenha saído da, digamos, da regra regimental, que fazia um impedimento do funcionamento da mesa, não é?
01:17Ela, de alguma maneira, está fazendo referência aos problemas relativos ao processo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
01:26Em parte, é muito importante do comportamento da oposição estar conduzido para, de alguma maneira, criar condições, criar um clima que permita recolocar a questão do processo do ex-presidente.
01:41Quer dizer, veja que, por isso que em algum momento eu fiz a relação, não é?
01:46Eu estabeleci a relação com o comportamento em escala internacional do presidente norte-americano.
01:53Se trata de um uso do poder, da força, para, de alguma maneira, ao invés de respeitar aquilo que está estabelecido na Constituição,
02:02nas leis, no processo em que o contraditório seja ouvido e seja apresentado, com provas, não é?
02:11Para chegar a alguma conclusão, ao invés de respeitar, deseja impor uma mudança desse curso de ação, que é o curso de ação da democracia.
02:21Por isso, eu acho que a capacidade que o Mota teve, não é?
02:27De, apesar da confusão que havia, retomar a presidência da mesa e, com isso, conduzir o processo para, a partir de amanhã,
02:37a Câmara responder a questões nacionais, foi muito importante.
02:41Eu quero dizer que foi, para mim, pelo menos, foi um resultado muito positivo, uma surpresa muito positiva desse...
02:53Porque estava uma situação muito tensa, não é?
02:55Agora, mas tem um aspecto que eu acho importante nós tratarmos, porque há uma insatisfação de vários parlamentares
03:01com a condução de Hugo Mota nos trabalhos da Câmara dos Deputados.
03:05Não quer dizer que há uma satisfação com a presidência de Davi Alcolumbre no Senado.
03:12Não, é que a insatisfação de Davi Alcolumbre já era previsível, por conta dos posicionamentos e da maneira como ele se coloca
03:23frente a algumas pautas defendidas pela oposição.
03:26E aí, o que se diz entre os parlamentares da oposição é que Hugo Mota teria acenado positivamente para a votação do PL da Anistia,
03:38ainda candidato, ainda quando negociava apoio de vários partidos na Câmara dos Deputados.
03:46E, segundo as informações, ele teria sinalizado positivamente para essa pauta.
03:53E as coisas mudaram de lá para cá.
03:54Pois bem, aí há um salto de tempo, estamos acompanhando esse momento e a retomada dos trabalhos.
04:02Fala-se, na oposição, em três pautas prioritárias para alcançar o que ele chama de pacificação do país, professor.
04:11Votação do PL da Anistia, fim do foro privilegiado e impedimento de ministros do Supremo.
04:19Impeachment do ministro Alexandre.
04:20Isso, naturalmente, no Senado Federal.
04:23Queria que o senhor trouxesse sua reflexão acerca dessas pautas, se entende que alguma delas é negociável,
04:32alguma tem chance de prosperar, e o que a gente pode esperar dos próximos passos com a reabertura dos trabalhos no Congresso?
04:39Eu acho que o cerne desta pauta tem relação com o processo que o ex-presidente Jair Bolsonaro está submetido.
04:53A pauta está organizada, de alguma maneira, para fazer um enfrentamento com as regras constitucionais do país.
05:02Isso não é bom. Isso não ajuda a democracia.
05:06Quer dizer, veja que a anistia não é papel do Congresso tomar decisões sobre a anistia.
05:13Então, num certo sentido, a imposição dessa pauta, como se tentou fazer hoje,
05:23ao invés de ajudar, ela aumenta a tensão entre os poderes republicanos.
05:30Há questões que, votadas no Congresso fora da Constituição, vão acabar caindo no Supremo Tribunal Federal,
05:37e aí é evidente, a corte tem que se pronunciar dentro dos termos da Constituição.
05:42Uma vez provocada.
05:44Provocada ou, de alguma maneira, pressionada, porque nesse caso é uma tentativa de ameaça,
05:51de dizer, vamos modificar aspectos do funcionamento.
05:55O próprio Supremo Tribunal Federal, quando assumiu a presidente anterior,
06:02agora me escapa o... não, foi a presidente do Carmem Lúcia, né?
06:07Quando assumiu a presidência do Supremo, ela mesmo propôs uma mudança em que a decisão monocrática diminuiu muito.
06:16E o regimento do Supremo recebeu modificações para trazer para o plenário as questões mais...
06:26Sensíveis, né?
06:27É, de maior dificuldade.
06:29Então, num certo sentido, o processo já vinha caminhando na direção de uma modificação,
06:38de uma renovação, para que o Supremo pudesse ser mais ágil e responder de maneira mais, digamos, cabível nas questões.
06:47Agora, como se insiste muito, inclusive os partidos, e aí não são apenas os partidos da oposição,
06:55não só da esquerda, não só da... todos, de alguma maneira, quando tem um conflito que não se resolve no parlamento,
07:02imediatamente leva para o Supremo.
07:04O que acaba, de alguma maneira, reforçando, enfatizando o que você...
07:10O excesso da judicialização.
07:11Chamou da judicialização.
07:13Então, você tem uma tendência que, ao invés de ajudar a maneira de decidir e de estabelecer o papel de cada um dos poderes republicanos a exercer a sua função,
07:29há uma invasão de áreas, né?
07:31Essa invasão de áreas não ajuda a consolidar o sistema.
07:35E eu digo consolidar, porque a coisa mais importante da democracia é responder às suas promessas,
07:44às promessas da democracia, de criar melhores condições de vida para a população.
07:49As pessoas se revoltam, rejeitam, ficam indignadas, desconfiam das instituições,
07:55quando o funcionamento dessas instituições não passa a imagem, não passa a informação de que estão cuidando das questões da população.
08:04Você veja que todo o debate sobre as emendas, as emendas parlamentares e o aumento do poder da Câmara,
08:12a sociedade não participou disso.
08:15A Câmara foi tomando as suas decisões, a Câmara e, em parte, o Senado também, e impôs isso à sociedade brasileira.
08:24Alguém já disse algumas vezes que se trata de uma mudança do regime de governo,
08:29no sentido de que não é mais o presidencialismo estabelecido na Constituição,
08:34mas seria uma espécie de um congresso governativo.
08:42Quase que uma semi-presidencialismo ou semi-parlamentarismo.
08:49Quer dizer, no entanto, não houve esse debate na sociedade.
08:53No seu conjunto, a sociedade foi recebendo essas mudanças que o parlamento fez,
09:00sem entender bem e, muitas vezes, revoltada, por exemplo, com o modo como se utiliza as emendas parlamentares.
09:08Então, eu acho que nós estamos precisando botar, digamos assim, botar na mesa esse conjunto de questões
09:15e buscar um caminho pelo qual aperfeiçoe, melhore o funcionamento dessas instituições.
09:24Você veja que nós passamos por um desafio, eu acho que nós, é o meu ponto de vista,
09:30nós passamos por um desafio muito grande em 2022.
09:36Havia uma tentativa de golpe de Estado.
09:39Apesar de toda a confusão que houve, inclusive em 8 de janeiro de 2023,
09:44o país conseguiu resistir e, de alguma maneira, manter a democracia.
09:49Mas isso não quer dizer que não haja problemas a serem enfrentados, resolvidos e renovados,
09:55para que a democracia funcione melhor.
09:58E esse eu acho que é um ponto muito importante para resolver a crise atual.
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