A Terra gira só 1,7 milissegundo mais devagar a cada século. Mas nossa percepção subjetiva é outra história. Entenda por que os anos dão a ilusão de encurtar conforme envelhecemos – e por que o mundo contemporâneo nos faz montar cronogramas até para nossos momentos de ócio.
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00:00No comecinho do século XX, Einstein percebeu que o tempo é como uma quarta dimensão,
00:05além das três que a gente conhece, que são pra cima e pra baixo, pra frente e pra trás e pros lados.
00:12Quando você precisa se mover no espaço, pra ir pra padaria, por exemplo,
00:16você acaba obrigatoriamente se deslocando mais devagar no tempo.
00:19E aí, o relógio gira mais devagar do seu ponto de vista.
00:23Por causa disso, caso existisse uma nave capaz de alcançar uma porcentagem razoável da velocidade da luz,
00:28a maior parte do seu deslocamento ia rolar no espaço.
00:31E o tempo ia passar tão devagar que, quando você voltasse pra Terra,
00:35todo mundo que você conhece já seria vovô.
00:37Da perspectiva da própria luz, que viaja a velocidade máxima do universo, 300 mil quilômetros por segundo.
00:43É como se o tempo estivesse parado e todo o movimento ocorresse no espaço.
00:47Se o tempo é relativo, então será que é por isso que ele parece se passar cada vez mais rápido?
00:52Porque você anda repetindo muito o trajeto pro trabalho?
00:55Não. Na verdade, essas distorções, na teoria da relatividade, são insignificantes do nosso dia a dia,
01:01já que nenhuma nave chega perto de 1% dos tais 300 mil quilômetros por segundo.
01:06Mas calma, fica com a gente. Agora você vai entender de onde vem essa ilusão.
01:09Se a arquitetura do universo como um todo não explica a impressão de que a sexta-feira chegou rápido...
01:22E isso nem faz sentido. Alguém realmente já sentiu que a sexta chegou rápido?
01:26Será que o problema tem algo a ver com o planeta Terra?
01:29Bom, faria sentido. Os astrônomos sabem que a Lua está se afastando da Terra.
01:33E conforme ela se afasta, ela rouba do nosso planeta uma propriedade física chamada momento angular.
01:38Conforme a gente perde o momento angular, os nossos dias se alongam.
01:42Quando a vida surgiu, há quase 4 bilhões de anos, um dia na Terra durava só 12 horas.
01:48Pena que, na escala humana, esse alongamento dos dias é imperceptível.
01:52Coisa de 1,7 milésimo de segundo a cada século.
01:55Ou seja, acho que é hora de procurar uma explicação em uma área de pesquisa mais promissora.
02:00Tipo a biologia.
02:01Em 1962, um certo Michel Sifra, um geólogo de 23 anos, se refugiou numa caverna no sul da França durante dois meses, sem relógio.
02:11Ele entrou lá no dia 16 de julho e planejava sair dois meses depois, em 14 de setembro.
02:17No dia 20 de agosto, inesperadamente, o pessoal que monitorava o Michel mandou ele sair.
02:22Ele pensou que alguma coisa tinha dado errado lá em cima e que ele seria obrigado a encerrar o experimento mais cedo.
02:27Ler engano. Na verdade, já era mesmo 14 de setembro.
02:31O que aconteceu foi que o relógio circadiano de Michel, sem a exposição à luz solar, ficou desregulado a ponto dele achar que só 35 dias tinham se passado, num período de 60.
02:42Nosso relógio interno precisa do sol para se manter regulado.
02:46A luz que entra pelos olhos avisa-se, dia ou noite, a uma parte do sistema nervoso chamada núcleo supraquiasmático, que atua como um relógio central.
02:55Ele dá o horário de Brasília para o resto do seu corpo.
02:58Nosso metabolismo segue esse relógio natural.
03:01Sua tolerância à dor é mais alta no início da manhã, por exemplo, enquanto a melatonina informa o corpo de que é noite.
03:07Trocar o dia pela noite pode tirar seu relógio interno de sincronia com os processos básicos de manutenção do seu corpo,
03:13o que gera uma propensão maior a problemas como diabetes ou obesidade.
03:17Legal.
03:17Então, se você se trancar em uma caverna escura, seu relógio biológico pode desregular brutalmente.
03:22E você fica com a impressão de que o tempo passou mais rápido.
03:26Mas é óbvio que quase todos nós temos acesso à luz solar diariamente.
03:30E mesmo assim, o tempo ainda parece passar mais rápido conforme envelhecemos.
03:33Então, só resta um lugar para procurar a origem dessa ilusão.
03:37Dentro da cabeça.
03:38A hipótese mais difundida entre os psicólogos é a de que o tempo parece passar mais devagar
03:43quando a gente está vivendo coisas memoráveis com mais frequência.
03:46E, em geral, os acontecimentos memoráveis se concentram na adolescência e na juventude.
03:51Entrevistas com voluntários comprovam que as lembranças tidas como mais importantes
03:55para adultos com mais de 40 anos normalmente são as que aconteceram na faixa que eles tinham 20.
04:01Depois que você cresce, tem uma rotina de trabalho, filhos, exercícios, pós-graduação, etc.,
04:07o tempo se torna uma maçaroca indistinta.
04:10Alguns pontos de referência do ano de uma criança ou adolescente,
04:13como o Natal, as férias ou a Páscoa, perdem importância.
04:17Os adultos não têm tantos acontecimentos dignos de nota para orientar o seu senso de duração.
04:23Ou, pelo menos, se importam menos com esses acontecimentos.
04:26E é por isso, em linhas gerais, que os homo sapiens crescidos acabam achando que tudo passa rápido.
04:31Mas é claro, nem toda vida se torna menos memorável com o passar da idade.
04:36E nem todo jovem sente necessariamente que tem mais tempo.
04:39Existem até alguns resultados de experimentos indicando que, no mundo atual,
04:43todas as faixas etárias compartilham a sensação de que o tempo voa.
04:46A primeira razão é que o tempo parece passar mais rápido quando uma pessoa se sente mais atarefada.
04:52Um experimento do psicólogo Steve Baum mostrou isso entrevistando 300 idosos
04:56entre 62 e 94 anos no Canadá.
04:5960% deles disseram que o tempo passava mais rápido agora.
05:03Esses eram os indivíduos mais ativos do grupo, se sentiam joviais e com propósito na vida.
05:08Já os 13% que sentiam o tempo passar mais lentamente também eram os que tinham maior propensão à depressão.
05:14Uma segunda razão é ele mesmo, o celular.
05:17A hipótese psicológica da densidade de eventos explica que, quanto mais acontecimentos nossos sentidos percebem,
05:24mais rápido fica nosso ritmo interno.
05:26O celular que não para de vibrar com notificações, então, funciona como uma ferramenta de aceleração do tempo
05:32na nossa percepção subjetiva.
05:34Enquanto isso, pesquisas dirigidas pelo psicólogo Peter Tse, na Universidade de Dartmouth, nos Estados Unidos,
05:41mostram que uma atividade parece durar mais tempo quando a gente presta atenção nela.
05:46Agora é só juntar essas duas afirmações.
05:48No feed infinito de uma rede social, a nossa atenção está sendo disputada por vários posts em uma sequência rápida.
05:53A gente não presta atenção em nada direito.
05:55E aí, o tempo voa.
05:57Nessa altura, já deu para deduzir que um antídoto contra a passagem do tempo é o ócio.
06:02Quanto menos coisas você espreme no seu dia, maior a correspondência entre os ponteiros do relógio
06:07e a sua percepção subjetiva da passagem do tempo.
06:10O problema óbvio é que o ócio é um privilégio para poucos.
06:14Em 1931, o economista John Maynard Keynes publicou um ensaio chamado
06:18Possibilidades Econômicas para Nossos Netos, imaginando o mundo um século depois.
06:23Com base no progresso econômico das décadas anteriores, ele previu que o padrão de vida seria tão melhor no futuro
06:29que ninguém ia precisar trabalhar mais do que três horas por dia.
06:33Quase cem anos depois, o sonho de Keynes não parece estar nem no horizonte.
06:37O horário comercial de muitos trabalhadores de escritório se estendeu informalmente, graças a mensagens de WhatsApp.
06:43Para não falar nos autônomos, que prestam serviços via aplicativos de carona ou delivery.
06:47E precisam se submeter a longas jornadas para extrair uma remuneração razoável das tarifas baixas.
06:52Alguns países desenvolvidos já estão passando leis para limitar o alcance do trabalho fora do horário de serviço,
06:58proibindo mensagens fora do expediente.
07:01Muito tempo antes disso, em 1871, alguns revolucionários na França já pareciam sonhar com essa possibilidade.
07:07Nos primeiros dias da revolta que se tornou a Comuna de Paris, eles começaram a atirar contra os relógios públicos.
07:13Era o jeito dos operários dizerem que eles queriam ser donos do próprio tempo.
07:17Todos queremos.
07:18No fim, a verdade é que o tempo não está passando mais rápido.
07:20Ele só está saindo do nosso controle.
07:22Recuperar assédios do relógio é a chave para uma vida melhor.
07:25É difícil, porque a sua correria não é culpa sua, nem de ninguém em específico.
07:29É o sintoma de um mundo rápido demais, que nossos corpos e mentes não evoluíram para aguentar.
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