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  • há 2 dias
Conheça a psicologia por trás do gosto musical – que tende a se fixar na juventude. E entenda o que realmente mudou na indústria pop dos anos 1950 até hoje.

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Para ler a reportagem completa que serviu de base para o vídeo, acesse: https://super.abril.com.br/cultura/as-musicas-de-antigamente-eram-melhores

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Diversão
Transcrição
00:00Em 1861, sete estados escravagistas do sul dos Estados Unidos se rebelaram contra o resto do país, que queria a abolição.
00:09Começava a Guerra de Secessão.
00:11O mal-estar peculiar se espalhou pelas trincheiras.
00:14Ele atingiu 5 mil soldados e matou 73.
00:17Os sintomas eram melancolia e saudade de casa.
00:20Alguns se suicidavam, outros ficavam com o sistema imunológico debilitado.
00:24Eles foram diagnosticados com um problema que o médico suíço Johannes Hoffer batizou em 1688 de dor pelo retorno.
00:33Só que em grego.
00:35Na língua de Ulisses, a volta de um herói pra casa é chamada de nostos, enquanto a palavra dor é algos.
00:41Junte os dois e temos nostalgia.
00:44E para os nostálgicos, um dos piores gatilhos sempre foi a música.
00:54Até o século XIX, a nostalgia foi tratada como doença psiquiátrica.
01:04Na Guerra dos Trinta Anos, que rolou na Europa no século XVII,
01:07rolavam punições pesadas para os soldados suíços que cantassem essa música aqui.
01:12É que os fazendeiros suíços cantavam isso na hora de ordenhar as vacas.
01:26A memória de infância dos soldados que cresceram no campo era tão pesada
01:29que eles queriam desertar e voltar pra casa.
01:32A música mudou de lá pra cá, mas a nossa relação com ela continua tão forte quanto sempre foi.
01:37Especialmente quando a gente é jovem.
01:39Em 1889, uma pesquisa determinou que as nossas músicas favoritas
01:42são as lançadas em média quando a gente tem 24 anos.
01:46A maioria de nós curte as canções da infância,
01:48é maluco pelos hits da adolescência e juventude
01:50e vai odiando cada vez mais tudo que vem depois.
01:54Esse estudo foi repetido algumas vezes de lá até aqui.
01:56A versão mais recente, publicada em 2022,
01:58teve entrevistas com pessoas entre 18 e 84 anos
02:01e concluiu que o ápice das nossas preferências rola aos 17 anos.
02:06Esse é um momento formativo em que a gente tá começando a sair de casa,
02:09fazer amizade e tendo um monte de experiências pela primeira vez.
02:13Tem até um fenômeno chamado Reminiscence Bump,
02:15que é o jeito chique de dizer que a maior parte das memórias
02:18que as pessoas consideram significativas são dessa época da vida.
02:22Você tem um componente da memória efetiva que é muito forte,
02:26o que na minha geração faz com que pessoas acreditem
02:29que certas bandas dos anos 80 eram ótimas, e não eram.
02:33Esse é o Sérgio Martins, jornalista e crítico musical
02:36que escreve na Billboard e em vários outros veículos.
02:38Ele explicou que o tempo funciona como um filtro da música pop.
02:41Você tem acesso a tudo que é lançado hoje.
02:44Já quando você vai ouvir as músicas antigas,
02:46as que eram ruins já foram esquecidas,
02:48e existe quase um consenso sobre quais são os clássicos.
02:52Na década de 90, pra cada Mamonas Assassinas,
02:55que eu particularmente gosto, acho engraçado, acho divertido,
02:59você teve, sei lá, Braulio e seus penteiros.
03:01Você teve 20 Braulio e seus penteiros.
03:03Então, assim, quando você fala
03:05Ah, porque no meu tempo era melhor,
03:09eu faço minhas palavras do Marcelo Nova, uma vez que eu conversei.
03:13Não, não era que era bom no seu tempo.
03:16Era que era no seu tempo que você vivia a tua vida de uma forma mais despreocupada.
03:20Você não tinha boleto pra pagar, você não tinha aluguel, você não tinha nada.
03:24Outro problema é que o cérebro gosta da zona de conforto.
03:27Ele quer satisfazer expectativas musicais.
03:29Tipo que esse acorde aqui...
03:33Que é ir pra esse aqui.
03:38E quando a gente se acostuma com o estilo e as convenções dele,
03:41vai ficando cada vez mais incômodo ampliar os horizontes.
03:44O neurocientista Gabriel Rego explica.
03:47Eu acho que tem as questões de...
03:50Primeiro, de padrão, né?
03:52O cérebro da gente gosta de ter essa facilidade em detectar padrões, né?
03:57E os padrões sonoros, eles têm um efeito de prazer, né?
04:04É como se você consegue um efeito expectativa muito forte com a sua música.
04:08Na transição dos anos 90 para os anos 2000,
04:11o rap gerou uma mudança gigante no pop mainstream.
04:13Muitas músicas passaram a girar em torno da enunciação da letra,
04:16às vezes bem rápida.
04:20Isso fez a complexidade das melodias, em média, diminuir.
04:24E existem estudos bem completos sobre isso.
04:26Tipo esse aqui, que analisou todos os hits do top 5 da Billboard
04:30entre 1950 e 2023.
04:33Eles perceberam que os vocais passaram a trocar menos de nota
04:36e a escolher notas menos ousadas no contexto da tonalidade da música.
04:40Por outro lado, o número de notas cantadas por música aumentou.
04:44E, obviamente, as letras de um rapper são mais longas e complexas.
04:47Essas são escolhas estilísticas.
04:49Nada disso é sinônimo de qualidade.
04:51Mas, para quem se acostumou com os hits antigos,
04:53vai ficando cada vez mais difícil sentir familiaridade com os novos.
04:56Sempre foi assim.
04:57O crítico José Ramos Chinhorão,
04:59que nasceu em 1928 e era uma enciclopédia ambulante da música brasileira,
05:03dizia ter pena do Tom Jubin,
05:05porque, na visão dele, o Jubin não fazia música brasileira autêntica.
05:08Uma outra coisa que mudou, dos anos 50 até aqui,
05:11foi o papel dos produtores na composição.
05:13O site The Putting descobriu que, entre 1985 e 89,
05:18só 19% dos hits top 5 da Billboard
05:20tinham produtor nos créditos de composição.
05:23Já entre 2010 e 2014,
05:2543% dos hits tiveram mão dos produtores.
05:29O número de assinaturas por canção também aumentou.
05:31A maioria das músicas no final dos anos 80
05:33era composta por apenas duas pessoas.
05:35E só sete hits dessa época tiveram três autores.
05:39Hoje tem música com dez autores,
05:41tipo Uptown Funk, do Bruno Mars,
05:42e Havana, da Camila Cabello.
05:44Isso acontece um pouco,
05:45porque todo mundo quer compartilhar os royalties.
05:48Mas também é um sintoma de como funciona
05:50a linha de produção do pop contemporâneo.
05:52O maior hitmaker dos últimos 20 anos
05:54é o sueco Max Martin,
05:55com 27 primeiros lugares na Billboard.
05:57Você pode não conhecer o nome dele,
05:59mas você já ouviu
06:00I Wanted That Way, do Backstreet Boys,
06:02Baby One More Time, da Britney,
06:03ou Blinding Lights to the Weekend.
06:05O Martin é um camaleão.
06:07Ele se adapta a cada artista,
06:08lê o contexto cultural do momento
06:09e conjura uma música feita sob encomenda
06:12para estourar.
06:13Bem diferente da dupla Lennon e McCartney,
06:15que cantava as próprias músicas com a própria banda.
06:17Desde os anos 2000,
06:18a colaboração entre produtores e artistas solo
06:20tomou os rankings e jogou as bandas para escanteio.
06:23Vários gêneros que giram em torno de figuras individuais
06:25ganharam proeminência.
06:26É só pensar nas divas pop
06:28e nos MCs de rap, funk e trap.
06:30Então tá aí mais um motivo pra quem passou dos 30
06:33estranhar a música atual.
06:34Você provavelmente cresceu ouvindo bandas
06:36ou pelo menos artistas solo
06:38que davam um papel importante pra banda.
06:40Enquanto hoje é comum um DJ acompanhar um rapper
06:42ou mesmo a Madonna fazer um show inteiro sem banda.
06:45Uma outra questão é que a nossa capacidade de concentração
06:48foi pras cucuias com o feed infinito das redes sociais.
06:51Ficou mais difícil fazer um pop comprido
06:53como Tiny Dancer, do Alton John,
06:54em que o refrão só entra no terceiro minuto.
06:56Junte isso com o Spotify e o YouTube,
07:04em que as playlists são mais proeminentes
07:06e o algoritmo reina-supremo,
07:07e é natural que emplacar um disco tenha ficado mais difícil,
07:10ainda que não impossível,
07:12como provou a Olivia Rodrigo com o Sour.
07:14É claro que isso não é uma exclusividade da era do TikTok.
07:17Em 65, as rádios não queriam tocar
07:19Like a Rolling Stone, do Bob Dylan,
07:21porque ela durava 6 minutos.
07:22Mas é fato que os anos 70 tiveram muitos álbuns experimentais
07:26e megalomaníacos saindo por grandes gravadoras,
07:28o que é bem mais raro agora.
07:30O Frank Zappa falava,
07:33ele usava um termo pra se referir aos donos de gravadora dessa época,
07:37dos anos 60, dos anos 70,
07:39como I don't know guys,
07:41tipo, sei lá,
07:43os tios do sei lá.
07:44Esse é o Felipe Vassão,
07:45produtor do hit Amarelo, do Emicida,
07:48e comandante de um canal do TikTok sobre música
07:50com 300 mil seguidores.
07:51E o que ele conta é assim,
07:54pô, nessa época,
07:55os caras tinham tanta margem de lucro
07:57com a indústria filmográfica,
07:58que tava efervescendo,
08:00tava tomando forma ainda,
08:03que tudo que fosse proposto pra eles,
08:06os caras respondiam com
08:07I don't know,
08:08tipo,
08:09tipo,
08:10bora lá,
08:11vamos ver.
08:12Então assim,
08:12vamos fazer uma capa do disco,
08:14contratando o melhor fotógrafo do mundo,
08:16vamos ver,
08:17o side don't know,
08:18vamos gravar um disco
08:19com três fitas sincronizadas no estúdio,
08:22vamos ter que gastar uma...
08:22não vamos ver o que acontece.
08:24Então assim,
08:25começou a se experimentar
08:26e a dar muita liberdade criativa,
08:29porque basicamente a conta do Led Zeppelin
08:32pagava todas as outras bandas
08:34que não deram certo.
08:35Isso ajuda a explicar
08:36por que o ranking de melhores álbuns
08:38de todos os tempos da revista Rolling Stone
08:39continua tendo uma maioria esmagadora
08:41de discos dos anos 70,
08:43ainda que a primeira versão desse ranking
08:45tenha saído em 2003,
08:46e que,
08:47na versão de 2020,
08:48haja uma variedade de gênero,
08:50idade e etnia muito maior
08:51entre os críticos que votam.
08:53Os anos 70 foram um momento
08:54em que dava pra usar mais
08:56dentro das gravadoras.
08:57Hoje,
08:57tá muito mais difícil
08:58ganhar dinheiro com discos e streaming,
09:00e as apostas dos empresários
09:02precisam ser mais seguras.
09:03Discos experimentais,
09:05que nem os Songs in the Key of Life
09:06do Steve Wonder,
09:07acabam sendo mais uma coisa
09:09da cena independente.
09:10Cena independente que,
09:11é claro,
09:12ainda olha com devoção
09:13pra essa época.
09:14Assim,
09:14tem muita coisa que envelheceu mal,
09:16mas boa parte das coisas
09:17envelheceu bem,
09:18assim,
09:18em termos de atitude,
09:20de visual,
09:21de androginia,
09:22de sexualidade,
09:24é...
09:25tudo parecia muito progressista.
09:28Essa é a jornalista cultural
09:29Dora Guerra,
09:30do G1,
09:30do podcast Queijo Quente
09:32e autora da newsletter
09:33semi-brego.
09:34É...
09:35Assim,
09:35pode ser uma visão romantizada,
09:37amiga,
09:37eu não tava lá pra saber.
09:39Mas eu acho que,
09:40me parece que o negócio
09:41tava mais solto mesmo.
09:43E se você for pegar
09:44dos anos 80 pra frente,
09:46essas coisas todas
09:47que eu citei,
09:48começam a ser freadas.
09:50A gente pode passar
09:51mais meia hora listando
09:53todas as outras diferenças
09:54na composição,
09:55gravação e distribuição
09:56de música
09:57dos anos 50 até aqui,
09:58que passam até
09:59pela importância
10:00da aparência do artista
10:01desde a era MTV.
10:02nas palavras do Vassão.
10:04Se você olhar
10:05a cara dos artistas
10:06dos anos 60,
10:07dos anos 70
10:08até 80,
10:10as pessoas bizarras
10:11de feio,
10:12os caras com os dentes
10:12tortos,
10:13fudidos,
10:14os malucos
10:15meio gordinhos,
10:16sabe assim?
10:17E...
10:17tudo certo,
10:18o cara canta pra caralho,
10:20manda brasa,
10:20brasa.
10:21Hoje em dia não,
10:22todo mundo é super...
10:23tipo,
10:24modelete,
10:25gostoso,
10:26sempre mostrando pele
10:27pra cacete,
10:28tem uma exigência
10:29de ser um pedaço
10:30de carne,
10:31assim,
10:31sabe?
10:31O grau em que
10:32essas diferenças importam
10:33sempre será discutível.
10:35Será que os paletós
10:36dos Beatles
10:36já não eram
10:37uma exigência estética?
10:38Sempre vão existir
10:39semelhanças e diferenças
10:40entre o presente
10:41e o passado,
10:42e gente construindo
10:43argumentos a partir delas.
10:44Só não dá pra discordar
10:45de uma coisa,
10:46o mundo seria triste
10:47se a música
10:47tivesse parado no Chopin.
10:49Tudo que você gosta
10:50existe porque alguém
10:51fez algo diferente
10:51em algum ponto da história,
10:53e ouviu dos mais velhos
10:54que aquilo não prestava.
10:55Cada música
10:56é um retrato
10:56da sua época,
10:57filtrado pelos olhos
10:58de um compositor
10:59em um canto específico
11:00do tempo e do espaço.
11:01Da próxima vez
11:02que você abriu o Spotify,
11:03então,
11:03não pense nele
11:04como uma bagunça
11:05de faixas
11:05esperando a sua aprovação.
11:07Ele é mais próximo
11:08de um Aleph.
11:09Esse é um objeto mágico
11:10imaginado pelo escritor
11:11Jorge Luiz Borges,
11:12que permite ver
11:13ao mesmo tempo
11:13tudo que existe,
11:15existiu e existirá.
11:16A coleção de músicas
11:17que existe no mundo
11:18é isso,
11:19uma janela
11:20ao que estava passando
11:20na cabeça
11:21de um montão
11:21de compositores
11:22de vários tempos e lugares,
11:24e uma chance
11:24de entender como
11:25cada um deles
11:26viu o mundo,
11:26sem preconceitos.
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