Em entrevista exclusiva ao Jornal da Manhã, o professor de Direito Penal, Ivan Araujo, avaliou que a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) é uma "medida mais política do que jurídica".
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00:00Muito bem, nós estamos acompanhando, então, a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro e vamos receber agora o professor de Direito Penal Ivan Araújo
00:09para nos falar justamente sobre as questões legais que envolvem essa prisão. Seja bem-vindo, professor.
00:16Olá, bom dia, muito obrigado. Estou à disposição aqui para os esclarecimentos necessários.
00:22Professor, o que chama atenção, né, aquilo que o Piperno colocava há pouco, né, nós imaginávamos que após a condenação da primeira turma do Supremo Tribunal Federal
00:32os recursos seriam vencidos aí, a última etapa, neste domingo e havia uma expectativa que ele pudesse cumprir a prisão.
00:39Ontem a defesa pediu, né, para que ele pudesse cumprir na sua residência, como já estava desde agosto, com as cautelares, evidentemente,
00:46mas agora chama atenção essa questão preventiva.
00:49Queria que o senhor explicasse, dentro do direito, o que motivou.
00:53Claro que nós estamos acompanhando esse processo, começou às seis horas da manhã, as informações estão chegando,
00:59mas o que o senhor avalia? De fato, há um fato jurídico que levasse essa decisão ou não, professor?
01:06Olha, é muito importante pensar no Supremo Tribunal Federal como uma corte de justiça.
01:14E como corte de justiça, ela tem que se pautar pela legislação, tanto processual penal, nesse caso, como pela Constituição Federal.
01:24E é tradição do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal considerar apenas as situações objetivas.
01:35A garantia da ordem pública, ela não pode ser fundada numa situação abstrata.
01:42Então, teríamos que ter uma situação objetiva que levasse a uma questão da garantia da ordem pública,
01:52para que se pudesse estabelecer essa prisão.
01:55Uma convocação que não do próprio Jair Bolsonaro, que não dele próprio, mas de terceiras pessoas,
02:06no sentido de uma vigília religiosa e política, ela pode, abstratamente, gerar uma ideia de risco ou até de inconveniente político.
02:18Agora, do ponto de vista legal e da própria doutrina correspondente, como da jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal,
02:29esse fundamento, ele é um fundamento talvez insuficiente para essa medida.
02:36Essa medida tomada fica mais uma impressão de uma medida mais política do que jurídica.
02:44Porque o trânsito julgado está para ocorrer logo na sequência.
02:49E nós temos ali, ele está cumprindo prisão.
02:54A Polícia Federal, ela já está ali na casa do Jair Bolsonaro.
02:59Ela já está no entorno.
03:02Poder-se pensar até no reforço da segurança no entorno.
03:06A chance de fuga, por exemplo, já mencionada, ela é quase insignificante.
03:15Então, esse posicionamento, essa decisão hoje, que não guarda, não tem apoio na jurisprudência e nem na doutrina,
03:27porque ela é baseada numa possibilidade, numa situação abstrata,
03:33eu entendo que isto efetivamente não tem o apoio direto do artigo 312 do Corpo de Processo Penal,
03:41que é a regra que permitiria a prisão nesses casos para a garantia da ordem pública.
03:48E como que o senhor acredita que devem ser os próximos passos em relação à defesa de Jair Bolsonaro?
03:53A defesa do Jair Bolsonaro, certamente, ela vai, ela pode até apresentar um habeas corpus,
04:04porque a prisão, se ela for considerada ilegal, caberia habeas corpus.
04:11Então, e portanto, o habeas corpus não pode ser dirigida à autoridade que concedeu, que determinou a prisão.
04:20Então, se a defesa pensar no habeas corpus, a autoridade que concede a prisão é considerada autoridade coatora.
04:29Então, aí, neste caso, teria que ter uma decisão agora da turma julgadora,
04:39e se a turma julgadora mantivesse essa prisão baseada nisso, aí caberia recurso para o pleno.
04:46Essa é a minha opinião, assim, nesse primeiro momento.
04:50Professor, agora a pergunta da nossa comentarista, Ana Beatriz Hirsch.
04:54Professor, traz alguma fragilidade o fato de que um dos elementos utilizados para essa decisão
05:01tenha origem em uma outra ação penal?
05:05Pois, me parece que existe aí uma confusão entre as ações, os inquéritos.
05:11Muitas pessoas sequer sabem de onde vem cada uma dessas ordens.
05:15Isso faz alguma diferença, juridicamente falando, para, por exemplo, a defesa do ex-presidente se utilizar disso?
05:23Olha, não é proibida a utilização de, por exemplo, prova emprestada de outros processos, de outros autos.
05:33Mas, isso tem que estar muito bem definido.
05:37Não pode ser simplesmente baseado em procedimentos que, talvez, a defesa desse próprio caso, desse processo,
05:46não tenha acesso no momento, ou não tenha tido.
05:50Mas, de qualquer maneira, o fundamento tem que estar integralmente colocado nesses autos.
05:56Se os fundamentos foram colocados nesses autos e são provas suficientes para ter constatado a necessidade da garantia da ordem pública,
06:09aí poderia pensar que seria uma decisão devidamente fundamentada.
06:16Mas, a questão, eu ainda não tive tempo de ver a decisão completa, não é?
06:22Mas, o que pareceu, no primeiro momento, me pareceu no primeiro momento,
06:28é que o fundamento foi essa convocação dessa vigília, feita por terceira pessoa.
06:35É uma questão que não há certeza de que houvesse um impacto,
06:42não há certeza que isso fosse gerar uma comoção social ou um problema efetivo para a garantia da ordem pública.
06:52Então, isto me deixa um pouco preocupado, porque nós temos que pensar que o judiciário sempre decide tecnicamente,
07:02sempre decide de acordo com a lei e nunca pensando num inconveniente político
07:08ou mesmo num fundamento que não esteja lastreado em uma situação concreta
07:16sobre a efetividade da ofensa à ordem pública.
07:22Professor Fábio Piperno também se junta aqui a nós e faz uma pergunta para o senhor.
07:27Professor, bom dia.
07:28Sobre até essa última parte que o senhor citou, é claro que, e o senhor inicialmente também,
07:34enfim, reforçou que o STF é uma corte a quem cabe exatamente decidir preservar tudo o que diz,
07:44tudo o que reza a Constituição.
07:45Mas, o senhor não acha também, professor, que diante de um caso tão ruidoso como esse,
07:54algumas percepções que não estão exatamente descritas na lei acabam, de alguma forma,
08:01influenciando certas decisões?
08:04E aí, eu faço alusão ao que aconteceu ao deputado Alexandre Ramagem,
08:11somando-se isso à questão da vigília.
08:15E, professor, quando o senhor fala, por exemplo, que não está claro se houve, por exemplo,
08:23a anuência, a ciência do presidente Bolsonaro em relação à convocação desse ato
08:29e também ao fato de que ele poderia provocar algum tipo de comoção,
08:35mas o senhor não acha que, também, por ser o autor dessa convocação,
08:43filho do presidente, não dá pra se estabelecer algum tipo de relação de conhecimento sobre esse fato?
08:54Iperno, eu penso o seguinte, toda a fundamentação de decisões que implicam o cerceamento da liberdade de uma pessoa,
09:08seja ela quem for, sempre tem que ser com fundamento numa situação concreta, com base na lei.
09:18Essa percepção social, nós já vimos até alguns ministros fazendo em suas apresentações públicas
09:28menções de que o judiciário não pode se curvar à posição pública, à opinião pública.
09:36Então, o judiciário não pode sofrer esse tipo de contaminação.
09:40Porque quando ele sofre esse tipo de contaminação e decide que não seja baseado ali na própria legislação,
09:50isto leva a uma insegurança jurídica e aí nós temos que pensar que se o judiciário,
09:59ele aplica uma regra que não seja exatamente a legal, ele está criando uma regra.
10:05E não compete ao judiciário criar regras, o judiciário tem por obrigação constitucional
10:13aplicar a legislação vigente que parte do legislativo.
10:18Então, na medida em que o judiciário vai além de uma interpretação normal
10:24e determina a perda da liberdade de qualquer pessoa com fundamento abstrato,
10:32com fundamento numa possibilidade genérica e que se baseia, como você mesmo mencionou,
10:40numa situação anterior do deputado, o Estado tem que ter competência e estrutura
10:49para garantia da aplicação da lei penal e para isso pode muito bem colocar a Polícia Federal
10:55no entorno, como já estar, ampliar a segurança de maneira a evitar qualquer risco que fosse hipotético de fuga,
11:05mas nunca levar a constituição da liberdade de uma pessoa baseada numa questão puramente abstrata.
11:14O judiciário, o judiciário compete à aplicação da lei, à aplicação da Constituição
11:21e não pensando na opinião pública, pensando num eventual inconveniente para a própria corte.
11:33As decisões têm que ser motivadas na lei e não abstratamente.
11:38Professor Ivan, agora a pergunta do nosso comentarista Jesualdo de Almeida.
11:45Professor Ivan, bom dia.
11:47Professor, um dos fundamentos para a decretação dessa prisão foi a tentativa, ou eventual tentativa,
11:52de rompimento da tornozeleira.
11:54Mas num caso semelhante agora com o Fernando Collor de Mello,
11:57a tornozeleira dele deixou de funcionar durante um período
12:01e ele foi apenas intimado para se manifestar sobre isso.
12:04A primeira pergunta, seria um tratamento desproporcional?
12:07E a segunda, o segundo fundamento para a decretação dessa prisão
12:11foi exatamente essa vigília, que não ocorreu.
12:14Portanto, não existe mais o fundamento para a decretação da prisão.
12:18Seria o caso de revogá-la?
12:22Olha, a sua observação é bem sagaz e adequada.
12:27Primeiro, a falha na tornozeleira ou não poderia ser avaliada tecnicamente
12:38e também ele poderia ter sido convocado para prestar, sim, esses esclarecimentos.
12:45Agora, simplesmente decretar a prisão, que fosse baseado nisso, seria sim desproporcional
12:53em relação ao que ocorreu com o senador Collor, como mencionado por você.
13:01E considerando que essa vigília efetivamente não ocorreu,
13:05era tão abstrata essa possibilidade de ofensa à ordem pública
13:13que, de fato, ela não ocorreu.
13:16Então, concretamente, se opõe ao próprio fundamento da decisão.
13:22Então, por isso, é perfeitamente possível a revogação dessa medida
13:29que poderia ser de ofício, considerando a inexistência dessa movimentação,
13:36dessa vigília, a autoridade, que foi o ministro relator que proferiu essa decisão,
13:45ele pode perfeitamente voltar atrás sem ser instado por quem.
13:50Tendo tomado conhecimento da inexistência do movimento efetivo,
13:54que era uma expectativa e, portanto, a decisão foi baseada
13:59num aspecto puramente abstrato.
14:02E aí, não tendo havido a confirmação da inadequação da decisão
14:07e sendo inadequada a decisão de ofício, pode voltar atrás.
14:11É lógico que a defesa imediatamente vai apresentar esse requerimento
14:14e, se o juiz, o ministro não voltar atrás, caberá o habeas corpus, na minha opinião.
14:24Conversamos com o professor de Direito Penal, Ivan Araújo.
14:28Professor, muito obrigado pelos seus esclarecimentos aqui na Jovem Pão.
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