Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais, afirma que Brasil e EUA estão no pior nível na sua relação diplomática ao longo da história. Donald Trump impôs tarifas de 50% a produtos brasileiros e aplicou a Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes (STF), com bloqueio de bens. A Casa Branca alega que o Brasil ameaça a política externa e econômica dos EUA. Poggio analisa a escalada da crise diplomática e econômica, que intensifica a tensão e incertezas no cenário internacional.
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00:00Mas no mesmo dia em que se tem essa sanção, se tem também a sanção contra o ministro Alexandre de Moraes.
00:07E para falar sobre toda essa situação, nós vamos receber aqui o professor de Relações Internacionais do Barrier College, nos Estados Unidos, Carlos Gustavo Poggio.
00:17Professor, seja muito bem-vindo. Obrigado por nos atender mais uma vez.
00:21Vamos falar primeiro sobre a situação do ministro Alexandre de Moraes.
00:25Como funciona a aplicação da lei Magnitsky na prática e de que maneira ou haveria caminho para tentar reverter essa situação?
00:35Este foi até um comentário há pouco da nossa amiga Dora Kramer, que tem essa dúvida.
00:39Dá para recorrer dessa decisão tomada pelo governo norte-americano? Bem-vindo.
00:46Olá, boa tarde. Prazer em conversar com vocês, com quem nos assiste aí pela Jovem Pan News.
00:51De fato, a primeira coisa que a gente precisa destacar é o ineditismo de se aplicar esta legislação contra um país que é considerado uma democracia e contra um país que é considerado, ou até então era, um aliado dos Estados Unidos.
01:08Historicamente, um país amigo dos Estados Unidos, com 200 anos aí, dois séculos de relação.
01:15Então, nós temos aí uma questão bastante inédita e atingindo um ministro da Suprema Corte brasileira.
01:22Então, veja que é algo que marca o ponto mais baixo, junto com essas tarifas que o Trump vem colocando.
01:30Nós estamos diante do ponto mais baixo das relações entre Brasil e Estados Unidos na história.
01:36Essa é a primeira questão que a gente tem que colocar em mente.
01:39Agora, esse tipo de legislação foi uma legislação criada para punir indivíduos que eram acusados principalmente de grandes violações aos direitos humanos
01:50ou de grandes atos de corrupção, particularmente indivíduos em países autocráticos, autoritários,
01:56que não têm um sistema judicial que funcione de forma democrática.
02:01Então, portanto, a própria pessoa que foi quem elaborou esta lei se manifestou hoje dizendo que não é exatamente esse tipo de aplicação
02:12para a qual a lei foi criada, isso aí durante ainda o governo Obama.
02:17O que acontece, portanto, é que você coloca basicamente um bloqueio econômico de empresas americanas em um indivíduo.
02:25Então, qualquer empresa americana não pode mais ter negócios com este indivíduo.
02:30E as empresas americanas têm aquilo que a gente chama de compliance.
02:34Então, elas são muito atentas a cumprir qualquer tipo de regramento que venha dos Estados Unidos.
02:42Então, o que acontece é que, por exemplo, se o ministro Alexandre Moraes usa um cartão de crédito
02:47que tem uma bandeira Mastercard, por exemplo, ou Visa, que são duas empresas americanas,
02:53ele não pode mais usar esse cartão de crédito.
02:55Ele não pode mais utilizar redes sociais que são redes sociais americanas, como a maioria das redes que nós temos no Brasil.
03:05Evidentemente, não pode ter conta em nenhum banco dos Estados Unidos.
03:10Eu estou dizendo isso porque disse-se, né?
03:12Ah, mas o Moraes não tem conta nos Estados Unidos, não tem bens nos Estados Unidos.
03:16Mas, ainda assim, ele pode ser atingido via empresas americanas que operam no Brasil, não apenas bancos.
03:22Qualquer empresa americana que opere no Brasil está proibida de ter qualquer tipo de relação com o Moraes a partir desta legislação.
03:32Agora, há sempre espaço, claro, porque isso depende de um decreto do Executivo.
03:38Veja que não é um processo que a gente fala de, ah, pode recorrer.
03:41Não é um processo judicial normal que você recorre, que aí um juiz vai avaliar.
03:46Isso não existe, a não ser que, é claro, isso seja dentro dos Estados Unidos,
03:51isso seja contestado e, de alguma forma, cabe indo para a Suprema Corte ou algo assim.
03:56Mas é muito difícil, né?
03:57A gente não tem nenhum precedente nesse sentido.
04:02O que pode acontecer é o governo americano, a administração Trump, eventualmente mudar de ideia.
04:07Essa seria a única forma possível de ter algum tipo de reversão.
04:11Pois é, né?
04:11Isso mostra efeitos muito práticos dessa lei Magnitsky, que não são só questões financeiras.
04:15Você tem uso de rede social, você tem uso de cartão, você tem a maioria das empresas ou de rede social,
04:21de filmes, Netflix, etc.
04:27Boa parte dessas empresas hoje tem acionistas americanos, são americanas.
04:31Ou seja, tudo isso impediria, de alguma forma, o ministro Alexandre de Moraes de ter acesso
04:35a essas questões que são muito básicas do nosso dia a dia.
04:38Vamos lá, Dora Kramer, qual que é a sua pergunta aí para o Pojo?
04:42Boa noite, professor.
04:43Professor, olha só, você colocou a situação como o ponto mais baixo das relações entre Brasil e Estados Unidos.
04:52Do modo como estão postas as questões, são alegações confusas, difusas, exigências impossíveis de serem cumpridas,
05:01um caráter político muito contundente.
05:04Como é que a gente pode projetar um cenário de relações entre Brasil e Estados Unidos a partir de agora?
05:11Como é que ficam essas relações?
05:15É, Dora, primeiro, boa noite, prazer conversar com você.
05:18Eu acho que nós estamos, por estarmos no momento mais baixo,
05:23eu acho que os danos que vão ser feitos serão danos duradouros para as relações entre Brasil e Estados Unidos.
05:29Não se trata aqui apenas da administração Trump.
05:32Trata-se de uma percepção, como muitos outros atores no mundo inteiro estão percebendo,
05:38que eles podem, a qualquer momento, ser alvo de ações unilaterais dos Estados Unidos,
05:43a partir de um executivo que tem se mostrado muito ativo.
05:47Isso é algo que é relativamente novo na história dos Estados Unidos.
05:50Se a gente voltar lá, na formação dos Estados Unidos, o cargo de presidente,
05:54os americanos que inventaram o cargo de presidente da república,
05:57com a Constituição lá no século XVIII.
06:00Mas foi um cargo inventado para ser um cargo relativamente fraco.
06:03O presidente não era alguém que tinha muito poder, ele tinha o seu poder contrabalançado,
06:09seja pelo judiciário, seja principalmente pelo congresso,
06:12o congresso era a grande instituição com poder nos Estados Unidos,
06:16seja pelos poderes estaduais, o federalismo muito descentralizado nos Estados Unidos.
06:21A gente teve um processo crescente de centralização no executivo,
06:25que atinge agora o seu limite com a administração Trump,
06:28que vai testar todos os limites do poder do presidente americano
06:32em termos de centralizar decisões.
06:34Por exemplo, essa questão de tarifa.
06:36Podia você colocar uma tarifa X num país, outro dia outra.
06:39Isso nunca aconteceu na história dos Estados Unidos,
06:42porque antigamente precisava-se de autorização do congresso
06:44para você modificar essas tarifas.
06:47Vamos lembrar, durante o governo Clinton,
06:49negociava-se a área de livre comércio das Américas, a ALCA,
06:52e o Clinton tinha dificuldades de obter no congresso americano
06:56uma autorização para ele poder negociar de forma mais livre
07:00esses acordos com os países latino-americanos.
07:04O Donald Trump tem se aproveitado de legislações específicas
07:07que em tese dão poder ao presidente americano,
07:10por exemplo, legislações de emergência.
07:12Então, para ele poder ter esse poder,
07:13tudo ele declara que é uma emergência.
07:15Ele teve que declarar, por exemplo, para colocar as tarifas no Brasil,
07:18que o Brasil ameaça os Estados Unidos.
07:20Então, portanto, entra na lei de emergência,
07:22e, portanto, cabe ao presidente americano colocar as tarifas.
07:26Não foi para isso que essa legislação foi pensada.
07:29Foi pensada para, de fato, sanções graves e emergências
07:32que, de fato, existam e eram usadas de forma muito comedida
07:35por presidentes norte-americanos.
07:37O Trump tem utilizado isso no limite.
07:40E agora a questão que fica é o que garante
07:42que outro presidente no futuro não vai fazer o mesmo.
07:45Então, isso cria uma insegurança
07:47que me parece que perpassa a administração.
07:50O Trump é de longo prazo, não apenas com o Brasil.
07:53Os europeus também estão se sentindo da mesma forma.
07:55Aliados tradicionais dos Estados Unidos, como o Canadá.
07:58Então, a forma como o Trump tem atuado
08:00mostra que existe um caminho aí para os Estados Unidos,
08:03que é um caminho dos quais os seus aliados,
08:05Brasil, União Europeia, Canadá, Austrália,
08:08não estavam acostumados ou não esperavam
08:10que viesse dos Estados Unidos.
08:12A partir de agora, então, portanto,
08:14esses países devem esperar sempre a possibilidade desse tipo de ação.
08:18Professor, o nosso tempo está se esgotando,
08:20mas, Deise, faça sua pergunta para a gente poder arrematar, por favor.
08:23Eu ia fazer duas perguntas, então eu vou fazer só uma.
08:26Vai lá.
08:26Professor, em relação ao Alexandre de Moraes,
08:29quem que deve responder agora?
08:32Existe uma possibilidade de reverter isso?
08:34Quem que responde por ele nesse caso?
08:38Não existe.
08:39Veja, propriamente dito, é uma questão entre o governo americano
08:43e a pessoa física Alexandre de Moraes.
08:47Isso é o que diz a legislação.
08:49Agora, evidentemente, o que nós devemos ver acontecer no Brasil
08:53é uma espécie de reação de diversas instituições,
08:56incluindo o executivo, a presidência, etc.,
08:59que vão reagir contra aquilo que percebem sendo uma violação
09:04ou algum tipo de interferência em negócios domésticos do Brasil.
09:09É muito complicado você negociar com um país
09:12que exige um tipo de mudança,
09:15que é uma mudança que não está tanto dentro das prerrogativas do executivo.
09:19É algo que está nas prerrogativas do executivo.
09:22Então, portanto, além de protestos simbólicos,
09:27além de algum tipo de articulação,
09:29eventualmente internacional, que o Brasil possa fazer,
09:32fora disso, não há muito que possa ser feito,
09:34porque está totalmente na prerrogativa,
09:36na soberania e no direito dos Estados Unidos
09:39de se utilizar das legislações que eles acharem mais convenientes
09:44para lidar com os temas que eles querem lidar.
09:46Então, é uma situação que é muito complicada
09:48em termos de caminhos possíveis para se poder reagir.
09:53Carlos Gustavo Pojo, professor de Relações Internacionais,
09:56obrigado por conversar conosco nesta quarta-feira.
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