00:00Francisco, você falou, definiu o Chega, esse partido do André Ventura, de várias maneiras. Você falou que é antissistema, populista, de extrema-direita e que tem essa bandeira contra a corrupção.
00:16Mas, além de tudo isso, tem alguma bandeira, alguma agenda do Chega que chega a ser preocupante, que realmente seja muito extremista?
00:30Bom, o André Ventura, só para perceberem, o líder do Chega, para as pessoas perceberem, é alguém que foi candidato pelo Partido Social-Democrata, pelo centro-direita a um município perto de Lisboa, em Lourdes, salvo erro, e nessa campanha eleitoral ele ganhou alguma proeminência pública porque teve um discurso xenófobo contra ciganos.
00:56É uma comunidade historicamente discriminada em Portugal, mas esse discurso teve imensa ressonância e deu-lhe alguma notoriedade pública.
01:06Portanto, estamos a falar de alguém que surge no Partido Social-Democrata e depois acaba por ser eleito vereador e afasta-se. Sai do Partido Social-Democrata e cria o seu próprio partido.
01:19Basta, numa fase inicial, agora chama-lhe Chega. Tu não me dizes tudo, Chega, não é? Não queremos mais, queremos algo novo.
01:28É difícil, se calhar, qualificar o Partido Chega como um partido de extrema-direita, porque se estamos a falar de um partido identitário, nacionalista,
01:39também pode ter algumas dessas características, mas eu possivelmente, eu olho para o Chega e o que vejo no essencial é um partido de direita populista.
01:52É um partido de protesto, um partido antissistema, um partido de direita radical, mas um partido que ainda assim está dentro do sistema.
01:59Não é um partido que queira, eles estão sempre a dizer que quer uma nova Constituição, porque querem um país diferente, mais funcional, menos corrupto, etc.
02:09Mas ainda dentro do quadro constitucional, aliás, é um partido que não professa nenhuma ideologia fascista.
02:16Aliás, é um dos aspectos que importa dar nota à Constituição Portuguesa, proíbe partidos que façam a apologia do fascismo,
02:23e, portanto, não é o caso do partido Chega.
02:28Agora, temos muita coisa, e muitas das coisas que eles dizem são também muito problemáticas, xenófobas também, mas é um pouco tudo, não é?
02:38E esse é um dos aspectos mais caricatos, eu recorvo.
02:46Agora, esse discurso xenófobo contra os ciganos tem consequências?
02:52Eles são, de repente, cortes de verbas sociais para atender os ciganos, alguma coisa assim?
03:00Ou tem ataques contra ciganos?
03:03Não há, propriamente, ataques contra ciganos.
03:05Os ciganos são uma minoria que está no território português há séculos.
03:10Portanto, e este tipo de discriminação sempre existiu contra a população cigana.
03:15Ainda por cima, estamos a falar, em geral, de uma população muito pobre,
03:19e este tipo de discurso é um discurso, de facto, que tem alguma ressonância a algumas pessoas
03:25que, claramente, também são xenófobas, não gostam de ciganos.
03:32E o discurso é esse, é um discurso de...
03:34Estamos aqui, por exemplo, perante populações que vivem à custa da segurança social
03:38e, portanto, não se querem integrar na nossa comunidade política
03:43e, portanto, no Estado português não pode continuar a sustentá-las.
03:48Mas este discurso é um discurso muito oportunista.
03:51Eu lembro-me de chamar a atenção para o seguinte.
03:54Recentemente estivemos em Lisboa notícias de um incêndio num bairro da Moraria.
03:59Tem havido agora imensa imigração para Portugal e muitos imigrantes vivem em condições deploráveis.
04:03E estávamos a falar de uma loja onde viviam imigrantes, creio eu, indianos,
04:10cerca de 20, e houve algumas pessoas que morreram.
04:13Ora, André Ventura vai ao Parlamento Português dizer o seguinte, isto é uma vergonha,
04:16os imigrantes têm direitos, o Estado português falhou na proteção destas pessoas.
04:21Mas, ao mesmo tempo que diz que só se os imigrantes ilegais devem ser expulsos,
04:26portanto, há aqui todo um discurso que é um discurso muito populista,
04:33muito pouco vertebrado, no que diz respeito a uma ideologia que nós possamos reputar
04:39como fascista, neofascista.
04:41Eu creio que isso seria uma enorme simplificação daquilo que é, no fundo, este partido.
04:49Há muitos partidos assim agora na Europa que têm surgido nos últimos anos
04:54e o seu apelo resulta também da circunstância de não terem uma ideologia muito definida.
05:03E o Partido Chega é um exemplo disso mesmo.
05:07E eles têm tido ótimos resultados eleitorais no sul do país, aqui em Portugal,
05:11de pessoas que costumavam votar no Partido Comunista.
05:14Portanto, votavam no Partido Comunista, especialmente aqui no Alentejo,
05:18e, aparentemente, há aqui uma transferência de voto da extrema-esquerda
05:23para a extrema-direita, se olharmos aqui para o...
05:25É o que chamamos de teoria da ferradura, as pontas da ferradura se aproximam.
05:30Pois, não sei se aí no Brasil também tiveram um fenómeno semelhante,
05:33mas aqui isto tem acontecido, especialmente porque este tipo de discurso do Chega
05:38tem alguma ressonância nas pessoas mais pobres.
05:43e que vêem uma expressa de que as coisas mudem
05:48de alguém que diz que quer mudar a situação atual.
05:53E isto é um grande problema neste momento para o sistema político português,
05:57porque já com a votação que tiveram agora,
06:01o Partido Socialista teve maioria,
06:03mas se continuam a subir nas sondagens,
06:06será muito difícil à direita ser uma oposição viável
06:09sem o Partido Chega.
06:12Uma discussão que vamos ter aqui nos próximos anos
06:15é como conseguir governar,
06:17conseguir maiorias no Parlamento Português
06:20sem o Partido Chega,
06:23ou, eventualmente, com o apoio parlamentar do Partido Chega.
06:26O Partido Socialista, aliás,
06:28consegue a maioria absoluta em janeiro,
06:30provavelmente na última semana,
06:33com o Primeiro-Ministro António Costa dizendo às pessoas,
06:36olhem, se não votarem em nós,
06:38arriscam-se a ter um governo de direita
06:40apoiado por estas pessoas,
06:42e com certeza não querem isso.
06:44Isso provavelmente terá
06:45motivar algum voto útil no Partido Socialista,