A Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno a PEC da Blindagem. O doutor em direito constitucional Wagner Gundim analisa a proposta e afirma que o trecho que reinstitui o voto secreto "é inconstitucional".
Assista à íntegra: https://youtube.com/live/w875e3XSu4M
Baixe o app Panflix: https://www.panflix.com.br/
Inscreva-se no nosso canal: https://www.youtube.com/c/jovempannews
Siga o canal "Jovem Pan News" no WhatsApp: https://whatsapp.com/channel/0029VaAxUvrGJP8Fz9QZH93S
00:00Eu queria falar um pouco sobre a constitucionalidade desse projeto também, eu recebo aqui o Wagner Gundim, que é doutor em Direito Constitucional.
00:07Wagner, seja muito bem-vindo, prazer recebê-lo, obrigado por nos atender.
00:11E eu quero saber a sua visão e a sua análise sobre a constitucionalidade.
00:16Isso seria possível? Essa decisão dos parlamentares, caso avançasse lá na frente, não poderia bater mais uma vez no Supremo Tribunal Federal?
00:25Bem-vindo.
00:25Obrigado, Evandro. Boa tarde. Boa tarde a todos. Sempre um privilégio estar aqui com essa bancada e, sobretudo, com o público tão qualificado da Jovem Pan.
00:34Evandro, acho que a gente tem que analisar essa questão da PEC sobre duas perspectivas.
00:40A primeira, que vocês, inclusive, estavam comentando aí, que é uma questão de retrocesso social, de conquistas democráticas que a gente teve,
00:49com modificações que foram realizadas depois de 1988, justamente em razão de manobras que eram aplicadas pelo Congresso pra se desvencilhar de processos judiciais.
01:01Então, quando a gente olha a Constituição, a gente tem tanto no artigo 2º quanto no artigo 60, parágrafo 4º, inciso 3º,
01:08a vedação, a questão do retrocesso, de você minar ou, de alguma forma, descredibilizar as cláusulas pétreas.
01:16E uma dessas previsões está atreendada justamente na questão da separação de poderes.
01:20Então, quando você cria um mecanismo constitucional que vai evitar ou, pelo menos, vai retardar ou vai dificultar a persecução penal pelo Estado,
01:30que deveria ser realizada pelo Poder Judiciário, você está criando aí uma interferência no processo judicial.
01:36Você está criando uma interferência na função do Poder Judiciário.
01:39Então, sob uma perspectiva constitucional, a gente já esbarraria no próprio artigo 60, parágrafo 4º, inciso 3º e também no artigo 2º,
01:47porque vai se criar essa ideia de uma cláusula de exceção à atividade do Poder Judicial.
01:53E eu iria além, inclusive. Além da própria inconstitucionalidade dessa proposta, que é de você condicionar a autorização da Câmara,
02:03a questão do voto secreto é ainda mais gritante do ponto de vista da inconstitucionalidade,
02:08porque o voto secreto vai impedir o controle legítimo popular e está no artigo 37,
02:14que um dos deveres da administração pública em todas as suas esferas é manter a ideia da publicidade dos atos administrativos
02:21e, dentre eles, a tomada de decisão.
02:24Então, eu vejo pelo menos duas inconstitucionalidades muito flagrantes e diria, inclusive,
02:30que existe uma terceira, que seria a violação ao supra-princípio da indisponibilidade do interesse público,
02:37porque o Legislativo estaria, neste caso, afastando a responsabilidade penal do Estado
02:42de acordo com interesses que a gente nem conseguiria descobrir, porque a votação vai ser secreta.
02:47Então, eu acho que esses três pontos são muito importantes para a gente começar a discutir
02:51essa questão da inconstitucionalidade e dos riscos que a gente corre de um retrocesso muito grave.
02:57Interessante. Doutor, vai lá, Piper, na sua pergunta.
02:59Doutor, boa tarde. É claro que, para que esse projeto se torne, de fato, algo ruim, enfim, se torne lei,
03:05há um caminho ainda muito extenso, mas vamos imaginar, doutor, que, então, esse projeto lá na frente
03:11acabe sendo aprovado. Ele já beneficiaria aqueles parlamentares que, hoje, já são objetos de investigações?
03:22Então, esse é um dos grandes pontos. Se a investigação ainda não virou uma denúncia formalizada,
03:28como é o caso, inclusive, de cinco dos quinze deputados do Maranhão que estão sendo investigados
03:33pela possibilidade aí, enfim, pelos indícios de que eles teriam desviado recursos das emendas
03:41parlamentares do orçamento secreto, eles seriam beneficiados porque a ação judicial ainda não foi
03:46apresentada. Então, é uma forma, inclusive, de blindar parlamentares que estão votando agora,
03:52que votaram favoravelmente e cuja denúncia ainda não foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal.
03:58Eu lembro, inclusive, que no histórico da nossa Constituição, de 1988 até 2001, que foi quando se teve
04:05essa mudança, né, de se afastar a autorização prévia do Legislativo, a gente teve quase trezentas ações
04:13criminais que foram distribuídas no Supremo e o Supremo não teve a capacidade institucional de
04:19prosseguir com o andamento da ação penal justamente porque o Legislativo não concedeu a autorização que
04:25era necessária. Então, isso é um risco, né, e, de novo, é uma violação muito clara na minha visão
04:31pra moralidade administrativa de pessoas que serão beneficiadas com essa blindagem, com essa impunidade
04:40e que estão lá no Congresso Nacional votando favoravelmente pra criar essa cláusula de exceção
04:45e evitar a responsabilidade criminal.
04:48Isso é muito relevante. Vai lá, Alangani.
04:50Doutor Wagner, boa tarde. Uma forma, né, de corrigir essa suposta disfunção do Supremo com o Poder Legislativo
04:59em vez dessa PEC da blindagem seria acabar com o foro privilegiado de deputados e senadores.
05:06Como é que o senhor, como constitucionalista, especialista nessa área, o senhor vê esta possibilidade?
05:12Hoje seria uma boa? Quais são os riscos e benefícios deles serem julgados pela justiça comum e se é viável?
05:20Perfeito. Alangani, inclusive, quando você estava comentando sobre isso, eu estava aqui pensando
05:25como é hipócrita, digamos assim, do Legislativo usar o discurso de que eles estão atuando como forma de garantir o mandato
05:34contra abusos do Supremo, mas eles criaram uma regra que, inclusive, nunca foi prevista em nenhum lugar do mundo
05:41em que o presidente do partido político, como o Evandro comentou, ele também vai ser julgado pelo Supremo.
05:47Então, assim, ao mesmo tempo em que eles criticam o foro privilegiado ou foro prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal,
05:54eles criam uma nova cláusula que vai criar uma nova prerrogativa de foro para os integrantes do partido político.
06:01Então, assim, o que me parece é que o problema do Legislativo não é necessariamente com o foro no Supremo.
06:09O problema é com a ausência de controle das decisões no Supremo Tribunal Federal.
06:15Porque, de novo, a gente tem fases no Brasil.
06:18Então, antes do Mensalão, o Legislativo, ele, digamos, tinha um certo controle sobre a atividade
06:24porque o Supremo, ele não julgava tantos casos como julgou no Mensalão no que diz respeito à competência criminal.
06:31Então, quando existe esse alargamento no Supremo, os partidos políticos começam,
06:36assim como os deputados e senadores, a questionar a interferência do Supremo.
06:40E aí vejam que agora, ao invés de, por exemplo, como você colocou,
06:43criar uma regra para se subtrair do Supremo a competência do julgamento desses processos,
06:49eles criam uma nova regra que reforça o foro privilegiado
06:53para colocar também o presidente dos partidos políticos.
06:56E aí, partindo especificamente para a sua pergunta,
06:59quais são os riscos de se retirar do Supremo Tribunal Federal
07:03o julgamento de deputados e senadores?
07:05O risco é, sobretudo, um risco de influência no processo de formação de responsabilidade criminal.
07:13Por quê?
07:14Porque imagine um deputado federal que tem conhecimento em todo o território nacional,
07:17uma pessoa conhecida, que tem influência,
07:19e que vai ser julgado por um juiz de uma comarca do interior.
07:24E aí, é óbvio que a gente não está menosprezando o juiz de primeira instância,
07:29que são essenciais e são excepcionais,
07:31mas o fato é que vai existir uma pressão política muito grande,
07:36uma pressão social muito grande sobre a figura desse juiz,
07:40que, inclusive, no âmbito do judiciário brasileiro,
07:43ele vai estar atrelado ao julgamento de dezenas de milhares de outros processos.
07:47Então, na realidade brasileira, colocar esse tipo de processo na primeira instância
07:53atrairia esse tipo de problema.
07:56De outro lado, seria também uma válvula de escape dos deputados e senadores
08:00que entendem que o Supremo tem sido ativista em muitas das suas decisões.
08:04E aí, de novo, o contrassenso.
08:07Então, ao invés de partir para uma proposta de modificação da Constituição,
08:10para mudar o artigo 52 e dizer que os deputados e senadores serão julgados
08:15pela Justiça Federal ou pela Justiça Estadual de primeira instância
08:19no caso do cometimento de crimes, eles criam uma nova competência para o Supremo.
08:23Então, de novo, me parece que o problema do Legislativo não é com o fato do Supremo julgar,
08:28mas é com a ausência hoje de um controle sobre como o Supremo pauta
08:33ou como o Supremo julga essas ações.
08:36E aí é o problema que a gente tem no Brasil, que a gente precisa discutir para aprimorar.
08:41Então, se a gente quer aprimorar, vamos discutir medidas relevantes.
08:45Vamos estabelecer limites para decisões monocráticas,
08:48vamos modificar a questão do foro por prerrogativa de função,
08:52limitar ainda mais, fazer algum tipo de correlação,
08:55mas não criar uma blindagem que, inclusive, não tem também nenhuma relação
09:01com inviolabilidade parlamentar, porque o número de processos criminais
09:05que envolvem eventuais abusos da imunidade parlamentar no Supremo,
09:10ele é extremamente diminuto em comparação com outros crimes,
09:14com os crimes comuns, com crimes de corrupção,
09:16como, inclusive, a gente tem visto recentemente.
09:19Doutor, rapidamente, uma última pergunta do Bruno Musa,
09:21que está conectado conosco. Vai lá, Musa.
09:23Doutor, muito boa tarde. Obrigado pelo seu tempo.
09:26Bom, eu gostei muito dessa sua frase, voto secreto é inconstitucional.
09:30E eu faço aqui uma pergunta direta.
09:33Eu tenho na minha família pessoas próximas aqui, clientes de investimento,
09:36são advogados e relatam cada vez mais uma dificuldade e tristeza
09:41e até mesmo decepção com a profissão.
09:44Afinal de contas, o que é inconstitucional se torna muito claro,
09:46mas não temos a quem recorrer.
09:48Como atuarmos enquanto civis para mostrarmos a indignação
09:52dessa inconstitucionalidade com o nosso dinheiro
09:55e nós não termos a quem recorrer.
09:57Afinal de contas, há uma grande arquitetura contra nós,
10:01que financiamos tudo isso.
10:04Obrigado, Bruno.
10:05Bom, acho que assim, o primeiro ponto fundamental
10:07é que hoje a gente tem as redes sociais, a internet,
10:11que apesar de vários problemas que a gente vê enfrentado,
10:14também servem como um canal específico de cobrança.
10:16A gente tem um canal aberto com deputados e senadores,
10:19inclusive dos respectivos estados.
10:21A gente já descobriu, já identificou quem votou de determinada forma.
10:24Então, eu acho que a população, inclusive,
10:27tem que se mobilizar contra esse tipo de proposta,
10:30que é, na verdade, um escárnio.
10:33É uma falta de respeito com controle cidadão
10:36que se vê cada vez mais colocado diante de um legislativo
10:40que está discutindo voto secreto e mudança de regras
10:45com relação ao foro, quando a gente tem outras pautas sociais e econômicas
10:48muito mais relevantes que são deixadas de lado.
10:51Um segundo ponto, que é o que a gente está fazendo aqui,
10:55que é discutir, que é evidenciar e que é mostrar para as pessoas
10:59como esse tipo de decisão é um abuso das prerrogativas.
11:03De novo, eu comentei isso mais cedo,
11:06até escrevi um artigo de opinião sobre esse tema.
11:08O Legislativo fica o tempo inteiro pedindo por autocontenção do Poder Judiciário.
11:16Mas o próprio Legislativo não faz uma autocontenção.
11:20E eu espero que o Senado, que é quem vai fazer o controle
11:23dessa decisão da Câmara dos Deputados e vai analisar a PEC,
11:28eu espero ainda que o Senado coloque a mão na cabeça,
11:31entenda que existe uma inconscionalidade flagrante
11:34e rejeite essa proposta.
11:35E agora, já que a proposta já foi aprovada,
11:39inclusive com a possibilidade do voto secreto na Câmara dos Deputados,
11:43nos resta discutir isso pela via institucional no Senado.
11:47E tem mais um ponto que a gente sempre discute,
11:50que é que a nossa Constituição não previu a possibilidade
11:54de uma proposta de emenda à Constituição partindo dos cidadãos.
11:57Então a gente também tem que começar a aclamar
11:59por esse tipo de participação popular numa sociedade hoje
12:03em que a gente tem um acesso à informação cada vez mais profícuo
12:08e que, consequentemente, vai nos permitir levar essas pautas adiante.
12:12Acho que esses são os caminhos.
12:14E, sobretudo, a gente tem que lembrar que o Judiciário faz o controle
12:18da constitucionalidade, mas antes do Judiciário,
12:21o próprio Legislativo faz isso com a Comissão de Constituição e Justiça.
12:25E, para mim, de novo, é um absurdo uma Comissão de Constituição e Justiça
12:29que não tenha identificado e que não tenha rejeitado uma proposta como essa
12:33desde a origem, porque a gente não precisava nem estar discutindo isso agora.
12:36Então, o próprio Legislativo gosta de jogar temas como esse para a torcida,
12:42porque isso vai para o Poder Judiciário,
12:44aí o STF fala que é inconstitucional e eles vão reclamar depois,
12:47nas redes, falando que o Supremo está sendo ativista,
12:50quando, na verdade, de novo, eles poderiam estar fazendo essa autocontenção.
12:54Doutor Wagner Gundim, muito obrigado por conversar conosco.
12:57As portas estão sempre abertas por aqui. Um grande abraço.
Seja a primeira pessoa a comentar