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  • 28/06/2025
No Só Vale a Verdade, Renato Janine Ribeiro analisa a polarização política no Brasil. O ex-ministro da Educação aborda como a falta de diálogo entre direita e esquerda se acentuou desde a eleição de Dilma Rousseff, e se perpetua até os dias atuais, transformando o cenário político em um campo de batalha e narrativas.

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Transcrição
00:00Questão política, aproveitada das suas leituras, do seu estudo de décadas.
00:06É claro que é uma pergunta muito genérica, Renato.
00:10A questão da... como se avalia os últimos anos no Brasil,
00:16que eu brinco sempre que nós precisamos voltar ao estágio civilizatório,
00:19estamos numa barbárie terrível.
00:22O que aconteceu conosco? Em que momento, politicamente falando,
00:25nós perdemos o bom caminho? Aquele caminho do saudável debate,
00:27da discordância, e saber que a democracia é convivência de contrários.
00:31Isso foi quase que abandonado.
00:33Então, se criou... não tem mais aqueles conjuntos de igual a matemática e de intersecção.
00:39É sempre uma oposição radical.
00:42E a gente vê cotidianamente isso, por exemplo, no parlamento brasileiro.
00:46Essa semana tivemos cenas muito desagradáveis.
00:49O que aconteceu conosco?
00:51Olha, primeiro de tudo, quando eu fui ministro da Educação,
00:54estava em uma crise terrível já, estava em caminho à deposição,
00:58ao impeachment da presidente Dilma, que tinha acabado de ser reeleita.
01:02Mas o que eu sentia que era a educação era um dos poucos setores que tinha diálogo.
01:06Porque a educação se dividia muito grosseiramente em PT e PSDB.
01:11Grosseiramente, porque nem todo mundo era filiado, nunca fui filiado em nenhum partido,
01:15mas eu estava na cota, digamos, do PT como ministro da presidente Dilma.
01:19O que você tinha? Você tinha um pessoal do PT que queria colocar mais programas de inclusão social,
01:26queria atualizar os salários dos professores, melhorar,
01:31e um pessoal mais do PSDB que pensava numa visão mais técnica de melhorar a educação,
01:36sumarizando, simplificando muito.
01:38Mas você tinha diálogo entre os dois lados.
01:40Tanto que o Plano Nacional de Educação de 2014 tem elementos dos dois lados.
01:44E a Dilma sancionou sem nenhum veto, que eu acho que foi um ato simbólico importante em 2014.
01:51Então, o que o Congresso aprovou, ela assinou tudo embaixo.
01:55Agora, isso hoje é um espaço de guerra.
01:58E começou já naquela época, quando eu estava no Ministério, com dois factóides, duas mentiras.
02:04Primeiro, ideologia de gênero e segundo, escola sem partido.
02:07Foram duas temas que foram muito utilizados no combate político.
02:10E hoje essa coisa ficou ainda pior, porque você tem medidas que são apoiadas pela extrema-direita que são terríveis.
02:17E aí veio uma coisa que eu acho que foi uma estupidez muito grande do PSDB, especialmente do Aécio Neves,
02:24foi, em vez de esperar, de reconhecer que perdeu a eleição e esperar, começar a fazer uma turbulência.
02:31Que acabou levando um partido que era um partido democrático, PSDB,
02:35que na perna, na disputa brasileira, você poderia chamar de centro-direita e o PT de centro-esquerda.
02:42Sendo que essa alternância centro-direita e centro-esquerda foi que emplacou a República na França,
02:48depois da Guerra Franco-Prussiana, da Terceira República, 1870-1940.
02:54Período até hoje mais longo de estabilidade institucional que a França teve nos últimos dois, três séculos.
03:00Então, em vez de dizer, bom, um ganha, outro perde, eles perderam quatro eleições sucessivas, o PSDB,
03:07poderia dizer, a quinta ganha.
03:09E a eleição em 2018 estava no papo para eles, se não fosse a estupidez do Aécio,
03:15e que infelizmente dentro do PSDB não teve quem limitasse.
03:20Isso acabou levando a uma coisa muito ruim, que é, historicamente, a minha análise que eu faço é o seguinte,
03:25a direita no Brasil dificilmente ganha eleição com quadros insiders.
03:29Ela ganhou quatro eleições.
03:31Estou falando direita num sentido muito amplo e não estou pensando direita como substância,
03:36porque, para mim, direita e esquerda não são substâncias, são posições.
03:39Então, depende cada uma da relação que está com a outra.
03:43Então, por exemplo, Fernando Henrique, não dá para dizer que é uma pessoa de direita,
03:48mas na competição com o PT ele estava à direita do PT.
03:51A gente pode discutir se o PT é esquerda, centro-esquerda, o que for,
03:54mas ele está à esquerda dos outros partidos com tantos votos quanto eles ou próximos.
04:00Então, a direita ganhou eleições no Brasil com Jânio, Collor, Fernando Henrique,
04:06nesse sentido, uma direita totalmente democrática, e com Bolsonaro.
04:11Nenhum dos quatro era um insider da direita, alguém que foi formado dentro da direita.
04:15Fernando Henrique consta até que teria sido comunista na juventude, ou quando jovem professor.
04:20Mas, enfim, nenhum deles era um homem de... ele não era um homem de direita,
04:24mas nenhum deles pertenceu ao Partido Tradicional da Direita ou era um protagonista
04:29do Partido Tradicional da Direita, fosse qual fosse.
04:33Jânio não era da UDN, etc.
04:35Então, três desses nomes são nomes irresponsáveis, para não dizer coisa pior.
04:40Quer dizer, o Fernando Henrique é o único responsável deles,
04:42e que teve um trabalho fantástico na construção dos costumes políticos do Brasil.
04:47Faço questão de frisar isso.
04:49Agora, o problema é que, na hora que vem o enfrentamento à Dilma reeleita,
04:56em vez de esperar a eleição, fazer campanha, fazê-la sangrar,
05:01como dizia o senador Aluísio Nunes Ferreira, que era legítimo,
05:04ele tornar difícil a vida dela, exigir que ela fizesse concessões, etc.
05:10Em vez de fazerem isso, eles partiram para a solução aparentemente mais fácil.
05:14Isso desarticulou a institucionalidade brasileira,
05:17sobretudo porque levou a uma espécie de subordinação da direita,
05:21primeiro ao Eduardo Punha, e depois ao próprio Bolsonaro.
05:26Isso trouxe um resultado lamentável.
05:28Você vê, tem um eleitorado que, bem ou mal,
05:32votava no PSDB, que era uma oposição absolutamente adequada, justa, meritória, etc.
05:38Eu não votava neles, mas respeitava muito.
05:42Agora, esse eleitorado passou a votar na extrema-direita.
05:45É assustador isso.
05:47E, para mim, esse negócio da extrema-direita, Trump, Bolsonaro,
05:51é um pouco como aqueles incertos que picam a pessoa e depois não tem cura.
05:54Entende?
05:55Quer dizer, a pessoa fica com isso para sempre.
05:57Eu acho que isso deixou a nossa situação muito complicada.
06:00E esse diálogo, essa possibilidade de debate, chegar a acordos,
06:06eu acho que o último quadrado em que tinha isso era a educação.
06:09E isso também se tornou muito problemático.
06:12A gente não vê hoje uma possibilidade de diálogo bom nem mesmo na educação.
06:17Porque o antagonismo entre, vamos dizer, esquerda, entre aspas, centro-esquerda,
06:22porque inclui o vice-presidente Alckmin, inclui o ministro Tebet,
06:26que não são pessoas de esquerda, eu vou dizer o mínimo, mas são democratas.
06:29Esse antagonismo criou também um problema sério, que é o seguinte.
06:33Para você ter democracia, eu estou convencido que os dois finalistas
06:38numa disputa política tenham valores democráticos.
06:42Trump não tem, Bolsonaro não tem.
06:44E cada um deles leva metade, mais ou menos, da sua população.
06:48Então, ficou muito difícil.
06:50Quem sobrou de direita democrática no mundo?
06:53Talvez Angela Merkel, mas mesmo ela está fora do jogo.
06:56E o atual primeiro-ministro da Alemanha não gosta dela.
07:00É uma linha oposta.
07:01Então, eu tenho a impressão de que não é um problema só brasileiro.
07:05E você estava conversando comigo antes,
07:07do pessoal de relações internacionais que tem vindo para cá.
07:11O Brasil estuda muito, se interessa muito pouco pela política internacional.
07:15É um traço nosso.
07:16A gente é muito fechado no Brasil.
07:18Mas o que estamos vivendo aqui no Brasil é parecido com o que acontece nos Estados Unidos.
07:23muito parecido, parecido com a Itália, parecido com a Europa Ocidental inteira.
07:28Então, eu acho que a gente precisa recompor um espaço de diálogo.
07:32Mas para você ter diálogo, você tem duas condições.
07:35Primeira, compromisso com a verdade factual.
07:38Eu não posso sair dizendo que a Terra é plana, ou que o Sol gira em torno da Terra.
07:44Não posso.
07:45Isso me tira do espaço do diálogo possível.
07:48E os segundos certos valores, como o compromisso com a verdade, como a solidariedade,
07:54como, enfim, a repulsa ao uso da violência.
07:58E hoje a gente está com esses dois pontos muito precarizados.
08:02Você falou de olhar o Brasil, olhar para o próprio umbigo.
08:05Lembrar que no dia 9 de novembro de 1989, o mundo inteiro falava queda do muro de Berlim.
08:12No Brasil, a manchete era Silvio Santos não será mais candidato à presidência.
08:16Não lembrava disso.
08:19A diferença absoluta.
08:22Agora, por fim, temos ainda alguns minutinhos, professor.
08:27E 2026?
08:29Como é que é?
08:29Porque a gente precisa encontrar uma saída.
08:31Não podemos ficar de eterno nessa situação.
08:33Que tem reflexos econômicos e sociais também danosos.
08:37O país fica paralisado.
08:38Não enfrenta os grandes problemas nacionais.
08:4126, vai ser uma repetição de 22?
08:43Parece que sim, né?
08:45Com uma mudança que o inelegível estará inelegível e talvez até preso.
08:51Mas, enfim, eu penso que não tem muita mudança.
08:54O fato é que o Lula teve habilidade, em 22, de fazer aliança com o Alckmin.
09:00Foi uma coisa muito inteligente, talvez com o dedo de outras pessoas também, do centro e da esquerda.
09:07Mas foi uma coisa muito inteligente, porque havia um certo movimento para o Lula pegar uma pessoa mais radical que ele como candidato à vice.
09:16Ele sabia que isso ia tirar voto, não ia trazer voto.
09:19Então, conseguir aliança com o Alckmin, o Alckmin ter a grandeza também de se aliar com alguém que foi seu adversário em 2006.
09:27E, na verdade, o Alckmin foi mais agressivo com o Lula do que com o Lula com ele.
09:31Mas, assim, os dois terem essa grandeza foi uma coisa boa.
09:35O fato da Simone Tebbit ter aceitado ser ministra também abre esse ponto.
09:40Mas é muito difícil.
09:41Porque, veja, hoje a gente tem duas divisões que são diferentes.
09:46Uma divisão de política econômica em que a esquerda, vamos chamar assim, tem uma visão mais determinada.
09:54E os outros setores, direita, centro-direita, tem uma visão mais liberal.
10:00Essa é uma divisão que aproximaria uma parte do centro-direita dos atuantes do governo Bolsonaro.
10:08E, do ponto de vista político, a divisão é diferente.
10:11Para a sorte do Brasil, prevaleceu a divisão política sobre a econômica.
10:15Porque, se não fosse assim, talvez Alckmin e Simone Tebbit, mais de 2, 3 milhões de votos,
10:20tivessem ido para Bolsonaro e ele ganhasse a reeleição.
10:23Mas é preciso fortalecer isso para o ano que vem.
10:26Porque, se não, nós corremos o risco de voltar a esse desastre.
10:30E é terrível você ver que no Congresso você tem pessoas que não têm nenhum pudor.
10:36Quer dizer, as ofensas feitas por dois deputados da extrema-direita,
10:41na semana, o ministro da Fazenda, são chocantes.
10:45Isso não tem espaço num lugar civilizado.
10:48E isso, eu concordo com você.
10:51Acho que a gente tem que promover o diálogo entre pessoas que veem as coisas de maneira diferente.
10:56Você tem recebido aqui pessoas como Beluso e Maílson.
10:59São visões totalmente opostas.
11:01O Samuel Pessoa e Guido Mantega.
11:03São pessoas opostas.
11:04Mas são pessoas que podem dialogar e discordar.
11:07E, mesmo assim, tentar construir alguma coisa em conjunto.
11:11Eu continuo achando que educação é um ponto interessante para você aproximar.
11:17Porque todo mundo, com alguns neurônios, concorda que educação é fundamental para o desenvolvimento.
11:23Mas, quando você tem o pessoal da fake news, o pessoal da mentira, o pessoal do ódio indo contra isso,
11:29eles não querem educação.
11:31É, eu acho que essa é uma questão chave, né?
11:35Então, veja, deixa de ser uma oposição, digamos, uma oposição bem tosca seria.
11:39Talvez a esquerda querer mais educação para a cidadania e a direita querer mais educação para o empreendedorismo.
11:45Digamos, para simplificar as coisas.
11:47Mas, quando você tem um pessoal que simplesmente não quer educação, é complicado, né?
11:52É muito complicado.

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