Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, Mário Frota, uma das maiores autoridades em Direito do Consumidor no mundo, fez duras críticas ao Código de Defesa do Consumidor brasileiro. Segundo ele, a legislação brasileira, que foi pioneira em sua época, está desatualizada, especialmente no que diz respeito à proteção dos consumidores no comércio eletrônico e na regulação das big techs.
O fundador e primeiro presidente da Associação Internacional de Direito do Consumo alerta que, enquanto a Europa avança na regulamentação do consumo digital, o Brasil ainda patina, deixando os consumidores vulneráveis a fraudes, obsolescência programada e práticas desleais de instituições financeiras.
Repórter: Jéssica Nascimento
Imagem: Adriano Nascimento | Especial para O Liberal
O fundador e primeiro presidente da Associação Internacional de Direito do Consumo alerta que, enquanto a Europa avança na regulamentação do consumo digital, o Brasil ainda patina, deixando os consumidores vulneráveis a fraudes, obsolescência programada e práticas desleais de instituições financeiras.
Repórter: Jéssica Nascimento
Imagem: Adriano Nascimento | Especial para O Liberal
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00:00O Código de Defesa do Consumidor do Brasil, no ano em que foi provocado, era realmente
00:10uma legislação inovadora, muitos diriam revolucionária, porque consagrou os maiores
00:22dos princípios em defesa dos consumidores, desde que o Presidente John Kennedy lançou
00:34aquele grito que consumidores somos todos nós, que não há mercado sem consumidores,
00:42mas o que se observava é que não havia efetivamente direitos dos consumidores, sendo senhores de
00:55mercado, eram efetivamente autênticos escravos, sujeitos às leis todopoderosas das grandes
01:09empresas que os subjugavam, que evitavam as suas feiras.
01:14No entanto, maiormente após o surto pandémico, Sars-CoV-2, Covid-19, nós assistimos à transição
01:32da sociedade analógica, como se afirmava, para a sociedade digital.
01:42E não podemos dizer hoje, com inteira verdade, que o Código esteja atualizado.
01:52Por exemplo, a Europa consagrou, no ano 2000, um ato, um diploma local, uma diretiva, ao comércio
02:09eletrónico, no desencariamento de todas essas guias, que transformavam de todo as relações
02:18dos consumidores, dos consumidores com os fornecedores.
02:23Conclusão.
02:25O Brasil está atrasado 25 anos.
02:29Em 2012, pretendeu, de algum modo, recuperar os atrasos.
02:35E apareceu no Senado um projeto de lei, recuperado mais tarde e atualizado, em 2015, o PL 3514.
02:47Evolvidos todos estes anos, não foi aprovado.
02:54E o comércio eletrónico continua a ser tela de ninguém no Brasil.
03:02Quer significar que os brasileiros não têm adequada proteção.
03:08Porque os dispositivos do Código de Defensas do Consumidor não chegam a tanto.
03:16E é preciso atualizar.
03:19Eu, numa conferência, numa palestra que tive na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre,
03:27aqui no Rio Grande do Sul, falei disso.
03:31E uma professora presente, que mostrou comigo, dizia que, neste momento, estavam criadas as condições
03:41para a aprovação do projeto de lei.
03:44Em 2021, e essa também vem em 2012, em relação às cautelas na concessão do crédito,
03:56já está desatualizada face à penetração da inteligência artificial e dos meios da celebração
04:07dos contratos à distância.
04:10Dizendo que, em volta a esse propósito, já tem uma nova diretiva.
04:16Ou seja, um diploma legal que os Estados hão de adaptar às suas condições em relação
04:23a esses aspectos fundamentais, que altera substancialmente uma outra de 2008.
04:34Enquanto a Europa anda efetivamente diante, o Brasil estagnou.
04:41O Brasil tem importantes inovações no domínio, por exemplo, da responsabilidade do fato do
04:53produto, do serviço do produto, com a introdução da responsabilidade objetiva, não só do produto
05:02como do serviço correndo na Europa.
05:05O serviço ficou de banda, ficou esquecido e só tinha do produto.
05:13E, portanto, há um conjunto de normas que foram realmente extraordinárias.
05:21Mas, por exemplo, hoje, porque a inteligência artificial ou integra os produtos, ou ela é em si mesma
05:30de um produto, não está coberta por um código brasileiro.
05:36A Europa tem já um regulamento da inteligência artificial.
05:41Tem na Força um modo sobre, ou por outro, uma diretiva, que é diferente, sobre responsabilidade
05:50civil resultante dos danos provocados pelos sistemas de inteligência artificial.
05:56O Brasil tem um mero projeto de lei, decalcado das leis europeias e já a responsabilidade do
06:10fato do produto evoluiu na Europa, já temos um outro digo.
06:15Em relação à obsuficiência programada, o Brasil nada tem consignado a esse respeito.
06:24Há agora umas iniciativas, tendo em vista a criminalização dos contratos de crédito
06:34consignado no Brasil, o que é de aplaudir.
06:38Porque os desacertos que as instituições de crédito e as sociedades financeiras provocam
06:46no equilíbrio dos orçamentos familiares, é qualquer coisa de extraordinário.
06:54Além disso, era preciso que todos os contratos celebrados com a banca dos consumidores se submetessem
07:04ao Código de Defesa do Consumidor.
07:07Por que é que se protege a banca?
07:09Por que é que se protegem as instituições de crédito e se deixa a míngua de tutela ao
07:15consumidor?
07:16É uma coisa inacreditável.
07:19Há uma súmula do Superior Tribunal de Justiça, ou do Supremo Tribunal Federal.
07:25Nesse sentido, prejudicando os consumidores e dando uma proteção acrescida aos bancos.
07:36Porquê?
07:37Porque os bancos têm um poderio maior, mas o Código veio exatamente nivelar pretensamente
07:44essas relações.
07:46Veio repor equilíbrios que antes estavam comprometidos.
07:51Mas o Brasil parece que fechou os olhos a isso e os consumidores continuam órfãos de
07:58uma proteção de vida nas suas relações com os grupos financeiros que, de tão poderosos,
08:07conseguem espesenhar direitos.
08:10E isso não é de bom tom.
08:13O modelo ideal neste momento é aquele que a Europa traça.
08:19Nós temos dois regulamentos que vieram a lume em 2022.
08:27Um sobre as Big Tech, a saber, sobre o mercado que deve ser um mercado saudável, com uma competitividade,
08:41uma concorrência equitativa, equânime, em condições de igualdade, para que não haja
08:51empresas que, pelo seu poderio, possam esmagar as outras, e todo o conjunto de proteções em
09:02favor do consumidor, que, de algum modo, como interpretação de névoa, já vinha da lei de
09:10comércio eletrónico de 2000, a lei europeia, que em Portugal só surgiu em 2004.
09:21Portanto, aí, o Brasil pouco ou nada tem, porque o marco civil da internet não chega a
09:31tanto.
09:32E a Europa tem, quando a Europa faz um regulamento, publica um regulamento, põe em vigor um regulamento,
09:41esse regulamento tem direito uniforme, deve ser observado, do mesmo modo, em qualquer um
09:50dos Estados-membros, da Finlândia, de Alcíntia, capital da Finlândia, lá à Norte, até às
09:59mais remotas cidades das Ilhas dos Açores, que são integrantes de Portugal.
10:08Portanto, o importante é que haja um avanço significativo nesse ponto, para que os consumidores,
10:19no seio da sociedade digital, estejam efetivamente protegidos.
10:26Nós afiguramos que é um instrumento ainda assim posto, quer dizer, há necessidade de
10:35reforçar todos esses aspectos, seguindo, se for o caso, o exemplo europeu, com toda a
10:44sorte, com toda a espécie de diplomas legais, que surgiram posteriormente e, por isso, há
10:55necessidade, como na Europa se observa, de uma atualização constante, de uma atualização
11:06em função de novos métodos que surgem de liberdade.
11:10Porque, se o direito parar, e o direito vem sempre atrás dos factos, então há um hiato,
11:20há um fosso muito grande entre a realidade e as normas que devem, na realidade, combater
11:31tudo aquilo que, de pernicioso, de nefasto, de nocivo, de ruim, se quisermos, vai acontecer.
11:41Porque a maldade dos homens leva a que as coisas sejam subvertidas e as pessoas sejam,
11:50afinal, alvo de artifícios, de sugestões, de embustes.
11:57E o Brasil conhece, realmente, uma vaga enorme no mínimo da cibersegurança, porque todos
12:06os dias há trocas, como vocês dizem, há golpes.
12:11E isso precisa ser levado às últimas consequências para que, de modo exemplar, haja um basta nesse
12:21movimento todo, porque, nesta visão micaísta do mundo entre os bons e os maus, é preciso,
12:30de algum modo, parar para refletir.
12:33Ora, desde logo, é preciso que os aspectos mais atuais dos contratos de crédito figurem no
12:46copo.
12:47Por outro lado, há todo um conjunto de normas, como nós as entendemos na Europa, que envolvem
12:56os serviços públicos essenciais, do fornecimento da água até às comunicações eletrónicas,
13:05as telecomunicações, que importa, na realidade, considerar, porque esses são os aspectos básicos
13:14da vida, que muitas vezes não têm uma tutela adequada.
13:19Por outro lado, ainda, há que pensar na responsabilidade do fato do produto, que tem já uma evolução
13:29muito grande.
13:31Por outro lado, ainda, há que tomarem atenção que a sustentabilidade é hoje uma forma de se
13:41prolongar a vida dos produtos para que se prolongue a nossa própria vida com os equilíbrios que
13:49se demandam em todos os domingos.
13:52Para além de mais, há ainda que ver, por exemplo, que o Brasil não resolveu o problema.
14:02E da garantia, se nós perguntarmos a um fornecedor, a um empresário, se perguntarmos a um jurista,
14:13qual é a garantia dos bens duráveis e de ilusão de 90 dias?
14:23No entanto, o Código fala de garantia legal, fala de garantia contratual.
14:32Mas se nós perguntarmos, por exemplo, a um ministro do Superior Tribunal de Justiça, que tenha
14:39sido chamado já a pronunciar-se sobre um caso dessa natureza, ele dirá, como diz o desembargador
14:47Marcos da Costa Ferreira, que a garantia é a ferida em função da vida útil do produto.
14:57E agora, qual é a vida útil do produto?
15:00Quem é que define isso?
15:02É o julgador?
15:04Ele diz que sim.
15:05Mas, no IAPOC, perante um micro-ondas, um forno elétrico, de uma dada marca, de um dado modelo,
15:16porque dentro de cada uma das marcas há vários modelos, ele vai considerar que a vida útil
15:22daquele produto é a mesma no Rio Grande do Sul, no Jui?
15:27Ou seja, que a vida útil daquele produto é de 20, 30 anos, ou é de 7 ou 8.
15:35Além disso, o Brasil não considerou ainda, parece que há um PL na Câmara, sobre o direito
15:44ao reparo, que nós lá falamos de reparação.
15:48Ora, isso é importante, desde logo para libertar os consumidores dos concessionários de marca
15:55que a regime de monopólio fazem esses reparos por valores avocados.
16:00E, por outro lado, para que tenhamos a possibilidade de dar mais vida às coisas, para, como se disse,
16:11dar mais vida à vida.
16:13Portanto, todos estes aspectos estão fora do âmbito do Código de Defesa do Consumidor do Brasil.
16:21É preciso atualizar.
16:23Eu até hoje tenho uma ideia, mesmo, que pode servir para a Europa.
16:29Ao lado do Código de Defesa do Consumidor do Brasil, ou ao Código de Consumo,
16:35em França, ou na Itália, ou em Malta, ou na Polónia,
16:41que são os países que têm códigos, nós não temos, nós temos uma legislação avulsa,
16:47porque se perdeu uma grande oportunidade quando se deu a um professor de Coimbra
16:51a possibilidade de dirigir uma comissão e ele levou 10, mais 4 anos a apresentar um projeto
16:58que era tão aberrante, tão aberrante, que foi rechassado, que foi recusado,
17:04o governo usou um veto de gaveta e nós temos a legislação avulsa.
17:10E, portanto, eu entendo que deve haver, ao lado do Código de Defesa do Consumidor,
17:15um Código de Contratos de Consumo em que todas estas matérias se decidiram.
17:20Perguntar-me-ão, isso hoje, mesmo o próprio Código que passaria no Congresso,
17:27se houver uma vontade política forte, se não forem os grupos económicos mais preponderantes
17:34a mandar no poder político, tudo isso é possível e há que fazer com essa tentativa.