Alessandro Visacro, analista de segurança e Defesa, avalia as possíveis influências das facções sobre a cultura e os perigos da apologia ao crime na produção artística nacional.
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NotíciasTranscrição
00:00Eu queria que você comentasse um aspecto desse fenômeno.
00:06Você falou da elite intelectual ultrapassada.
00:09A gente poderia falar também da elite cultural,
00:13da forma com a qual cultura é usada por esses grupos para ganhar legitimidade.
00:18E outro dia eu vi uma cena que me chamou muito a atenção.
00:24É uma coisa que sempre me incomodou, mas essa cena para mim foi um símbolo.
00:27Eu vi um sujeito passando numa bicicleta com uma caixa de som,
00:32dessas que são comuns no Rio de Janeiro,
00:34a caixa de som que tem a mesma potência de um trio elétrico.
00:38E estava tocando uma música que eu acho que a gente poderia dizer
00:43que é um hino de glorificação à insurgência criminal.
00:48Inclusive parece que vários desses compositores são, entre aspas, funcionários das facções.
00:55E são essas músicas que tocam naqueles bailes no morro onde os traficantes vão com os fuzis.
01:02E esse sujeito nessa bicicleta, em pleno dia, num bairro bom do Rio de Janeiro,
01:08a música falava de crime, violência sexual, cheia de palavrão, falava de arma.
01:15Ele passava perto de um local onde estava, uma viatura com dois policiais.
01:20E eu fiquei pensando, o que se passa na cabeça, qual é o sentimento que um policial desse tem
01:27quando vê passar um sujeito desse?
01:29Que eu não sei, eu não conheço a situação, esse detalhe.
01:33Mas o fato de ele estar passando ali, tocando aquela música,
01:36poderia até ser ali em si um sinal, uma convocação por alguma coisa.
01:41Mas, sem saber de nada disso, eu como pai, como cidadão,
01:45só escutar aquilo que estava sendo tocado ali, para mim, aquilo em si já é uma violação do meu direito.
01:54E aí, só para complementar, eu vejo esse estilo musical, hoje,
02:01aceito com naturalidade pela flina flor da nossa sociedade.
02:06São músicas que, às vezes, tocam em festa de 15 anos de meninas das melhores famílias do Rio de Janeiro.
02:13E as pessoas não percebem o que tem por trás daquilo ali.
02:17Lembra que a gente falou que esses grupos armados criminais,
02:20eles combinam técnicas de coerção e cooptação para agir de forma direta e indireta na população,
02:25agindo sobre quatro eixos de esforço?
02:27O segundo eixo de esforço é a redefinição do padrão cultural, sociocultural.
02:33Então, de forma empírica, mas com muita maestria,
02:38eles identificam forças culturais importantes.
02:47Então, por exemplo, se a gente pegar no Complexo de Israel,
02:51o avanço do protestantismo é uma força muito significativa,
02:56que, na verdade, a gente, por negligência e por inépcia,
02:59nós não percebemos como isso poderia ter sido utilizado para refrear o crime.
03:04E aconteceu justamente o contrário.
03:07Determinado grupo armado identificou aquilo ali e acabou monopolizando aquilo.
03:12Então, assim, a religião, uma manifestação cultural legítima,
03:15extremamente importante,
03:17ela foi apropriada, ela foi capturada,
03:20quando a gente se refere ao Complexo de Israel.
03:22E lembrando que o Complexo de Israel, salvo o melhor juízo,
03:24são 134 mil habitantes.
03:26Agora, quando a gente pega uma outra manifestação cultural legítima e muito importante,
03:33é o funk.
03:34Funk no Rio, o pancadão aqui em São Paulo.
03:37É o funk, como eu falei, é uma manifestação cultural legítima,
03:41mas ele foi capturado por esses grupos armados, também negligência nossa.
03:45Nós permitimos com que esses atores capturassem o funk.
03:48Então, o funk hoje nas comunidades, sobretudo os bailes funks,
03:51o baile funk originalmente era utilizado para a venda de droga,
03:55às vezes para a venda de produto de carga roubada,
03:58às vezes a cerveja vendida ali era carga roubada.
04:04Há uma associação daquela atividade ilícita,
04:08a venda de droga com a economia informal,
04:10ou então na porta do baile funk tem ali o churrasquinho de gato.
04:14Mas hoje, o principal papel do baile funk é fazer apologia à atividade criminosa.
04:19Então, a letra da música, aí a gente entra em outros estilos,
04:24o corte de cabelo, as somas indumentárias,
04:27a exibição da arma de forma ostensiva.
04:31Então, a menina vai para o baile funk hoje,
04:33o objetivo dela, a aspiração dela é pegar o garoto que está com um fuzil.
04:36Se não pegar o garoto que está com um fuzil,
04:38ela pega aquele que está com a pistola.
04:40E o cara que está com um fuzil, ele pega quem quiser.
04:42Então, aquilo ali faz a apologia ao crime,
04:45aquilo ali ofere um status muito relevante
04:49para aqueles membros das organizações criminosas,
04:52quem ingressou naquela hierarquia criminosa.
04:56Na América Latina, isso é vulgarmente conhecido como narcocultura.
05:01Mas eu, particularmente, prefiro um termo cunhado
05:03pelo coronel Mário Sérgio Duarte,
05:05ex-comandante-geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
05:07Eu conheço.
05:08Gente muito boa.
05:09Ele fala em ideologia de facção.
05:11Então, aquilo ali promove um senso de pertencimento
05:15que pretere até, muitas vezes, o lucro da atividade criminosa.
05:18Um senso de pertencimento, uma identidade.
05:21Não é isso?
05:22Então, isso é muito nocivo.
05:25Isso é muito nocivo.
05:27E, sobretudo, porque tem um apelo muito grande.
05:30O funk tem um apelo muito grande,
05:31sobretudo para aquelas legiões de jovens
05:35que se sentem obliteradas por sistemas socioeconômicos estagnados.
05:38Tem um autor norte-americano chamado Geoffrey Damarest.
05:42Ele tem uma citação que eu acho muito bacana.
05:43Ele fala que as crianças constituem a arma secreta das forças anti-Estado.
05:51As crianças das favelas constituem a arma secreta das forças anti-Estado.
05:57Um estudo realizado já há alguns anos,
05:59até cito esse estudo no livro Guerra Irregular,
06:03comparou um estudo feito sobre crianças em situação de violência armada organizada
06:09que não guerra.
06:11Então, levantou que no conflito entre palestinos e israelenses,
06:14entre 1987, ano de início da primeira intifada,
06:19e 2000, ano que antecedeu a segunda intifada,
06:22ou intifada de Al-Aqsa,
06:24morreram, no conflito, 467 crianças.
06:27No mesmo período, no Rio de Janeiro,
06:31no estado do Rio de Janeiro, morreram 3.937.
06:35E lá a gente admite como sendo um conflito armado,
06:37aqui não, que a gente finge que não é.
06:41Israel tem 10 milhões de habitantes,
06:42Gaza e Cisjordânia cerca de 5 milhões, 15 milhões.
06:46Rio de Janeiro tem 16, 17 milhões.
06:47Então, assim, equilibrado.
06:49Então, observa, se considerar o mesmo período,
06:52entre...
06:53E o período que estava acontecendo a intifada, né?
06:55Se a gente pegar lá, morreram 467,
06:58no Rio de Janeiro, 3.937.
07:00Então, essa questão, quando a gente entra para o lado,
07:04para esse aspecto cultural do processo de construção
07:06da territorialidade, é muito importante.
07:09E aí, quando a gente...
07:11O que nós deveríamos ter é um esforço orquestrado
07:14de todas as igrejas protestantes,
07:17que têm uma penetração cada vez maior nessas comunidades,
07:19servindo de anteparo moral, ético, contra o crime,
07:27você vê muitas vezes, por negligência nossa,
07:29como, repito, como aconteceu no Complexo de Israel,
07:31justamente o ator armado no estatal,
07:33capturando essa força em proveito próprio.
07:37Isso é um fenômeno...
07:38Por exemplo, o Rodrigo Pimentel fala muito sobre isso.
07:41Que eu ainda não consigo compreender direito
07:44como a religião, uma religião cristã,
07:51se associa à insurgência armada.
07:55E aí eu fiquei pensando...
07:56Bom, no Oriente Médio, a gente tem a religião muçulmana
07:59associada à insurgência.
08:02É esse o paralelo, correto?
08:03Qual é o processo?
08:04Se eu estivesse falando da insurgência jihadista,
08:07eu não ia estar falando de narcocultura
08:10nem de ideologia de facção.
08:12Eu ia estar falando de uma interpretação ultra-radical
08:14das leis islâmicas.
08:16Mas a lógica é a mesma.
08:19Como é que a...
08:20Para a gente pode parecer, assim,
08:21um troço totalmente sem sentido.
08:23Como é que a religião cristã,
08:28ela encontra uma interseção com a atividade criminosa?
08:32Isso tem a ver com a legitimidade.
08:35Essa é a questão fundamental.
08:37Porque a legitimidade nesses espaços segregados,
08:41a legitimidade do Estado,
08:42ela vem sendo corruída há décadas.
08:45Se a gente for olhar a realidade do Rio de Janeiro...
08:49Perdão.
08:50O quadro do Rio de Janeiro,
08:51se a gente for realmente fazer um histórico,
08:53a gente vai voltar ao final do século XIX.
08:55Algumas comunidades no Rio de Janeiro
08:57são remanescentes de quilombos.
08:59Tem até um livro chamado
09:00do Quilombo, a favela, não me recordo o nome do autor.
09:02Me desculpa.
09:03Então, a gente está falando de um problema
09:05que tem mais de 130 anos.
09:07Então, a legitimidade do Estado
09:09vem sendo solapada há 130 anos nesses locais.
09:13E em termos práticos,
09:15em termos práticos, o que é a legitimidade?
09:17É o morador olhar para o policial, por exemplo,
09:21e identificar no policial o certo, o bem, o correto.
09:24E olhar para o criminoso e identificar no criminoso o errado, o mal.
09:33Quando a legitimidade começa a se degradar, se deteriorar,
09:39essa distinção começa a não ficar clara na cabeça do morador.
09:43Então, para muito morador,
09:46quando a tia dele ficou doente,
09:48ele pediu, ele chegou na esquina,
09:50embora a UPA seja custeada pelo Estado,
09:53o profissional de saúde da UPA seja pago pelo Estado,
09:56a ambulância seja colocada ali com dinheiro público,
10:01mas quando a minha tia ficou doente,
10:02eu cheguei na esquina e pedi para um cara armado de fuzil.
10:05Então, quem socorreu a minha tia,
10:06quem providenciou a ambulância para a minha tia,
10:08foi aquele sujeito armado com fuzil.
10:10Muitas vezes, aquele criminoso é cria da comunidade.
10:14Então, ele chama a moradora de tia,
10:16a tia chama, a moradora chama o criminoso de menino.
10:21Então, essa distinção entre o certo e o errado,
10:24ela vai sendo degradada, vai se tornando difusa.
10:30Então, a partir desse momento, na cabeça,
10:34o que pode parecer estranho para a nossa percepção,
10:37na percepção do morador, acaba sendo uma coisa natural.
10:41Até mesmo porque, ao longo de décadas,
10:44a única presença efetiva do Estado nessas comunidades
10:47foi por meio do seu braço coercitivo,
10:50foi por meio da polícia.
10:52Então, é o Estado entrando e resultando em troca de tiro,
10:56enviando o morador que passa, ele quer tranquilidade.
10:59E ele não está muito preocupado
11:01se quem vai oferecer aquela tranquilidade
11:03é a polícia ou é um ator não estatal.
11:07Então, ele tem demandas sociais legítimas.
11:10De uma forma que ele quer a justiça.
11:11Ele não está muito preocupado
11:12se quem vai oferecer para ele a justiça
11:14é o Estado ou um ator não estatal.
11:17O que ele quer, no final das contas, é a justiça.
11:19Eu acho que esse é um grande perigo para o Estado,
11:21porque, à medida que a situação de criminalidade piora,
11:26esse sentimento de que não me interessa
11:30quem vai fazer a justiça.
11:31É lógico, é lógico.
11:32Eu só quero justiça.
11:33É lógico.
11:34Isso vai se espalhando, né?
11:35É lógico.
11:35Porque o nível de indignação, de insegurança,
11:40fica tão grande.
11:41Agora, deixa a gente, já encaminhando para o final,
11:44deixa ele fazer uma pergunta difícil.
11:47Qual é o papel das Forças Armadas
11:50nesse cenário que a gente está descrevendo?
11:55Vamos lá.
11:55Se a gente observar, na América Latina como um todo,
11:58o emprego das Forças Armadas na luta contra o crime organizado
12:03tem sido inócuo.
12:05Por que isso?
12:07Porque eu volto àquela estrutura conceitual.
12:10A gente tem duas caixinhas,
12:12a da Segurança Pública e a da Segurança Nacional.
12:15A minha estrutura conceitual só oferece isso.
12:17Então, sempre que as Forças Armadas são requeridas,
12:20ou têm sido requeridas,
12:21se a gente pegar a história recente do Rio de Janeiro,
12:23desde 1994...
12:24O senhor está se referindo às GLOs.
12:27Às operações de GLO.
12:29Você pega as Forças Armadas dentro da caixinha de segurança nacional,
12:35os seus ativos, o seu soldadinho, o seu tanquinho,
12:37o seu helicópterozinho,
12:39e joga dentro da Segurança Pública.
12:41Então, na verdade, você está empregando as Forças Armadas
12:43como uma reserva das Forças de Segurança Pública.
12:48O problema é, eu repito,
12:50a gente tem que ter uma concepção de segurança multidimensional.
12:52E aí, as Forças Armadas...
12:55Segurança dimensional envolve segurança pública,
12:57segurança nacional, segurança comum,
12:59aquela articulação...
13:00O melhor exemplo de segurança comum é a OTAN.
13:03Porque vários países compartilham um problema comum de segurança.
13:06E é o caso do crime organizado transnacional
13:08na América Latina, especificamente na América do Sul.
13:10E também uma perspectiva de segurança humana,
13:13com suas sete vertentes.
13:15Então, esse tem sido, vamos dizer assim,
13:20uma forma de que as Forças Armadas,
13:24por essa limitação conceitual,
13:26ela tem sido invariavelmente empregada de forma errada.
13:30Então, se o Estado brasileiro tiver uma concepção
13:33multidimensional, sistêmica,
13:36orquestrada de todas as suas capacidades,
13:38não tem dúvida que vai.
13:40Tem merenda para todo mundo, né?
13:43Inclusive para as Forças Armadas.
13:45Mas aí, elas vão ser empregadas
13:48naquilo que elas vão obter mais eficácia.
13:52Enquanto a gente estiver tratando esse problema
13:54tão somente como um problema de segurança pública,
13:56ou seja, um problema de polícia,
13:58a gente vai continuar numa situação...
14:00Não vou nem dizer patinando ou marcando o passo,
14:02porque senão a gente não estaria saindo do lugar.
14:04Não, a gente está caminhando para o precipício
14:06a passos muito largos, né?
14:07Então, vamos lá.