Pular para o playerIr para o conteúdo principal
  • há 19 horas
Transcrição
00:00E como hoje é quarta-feira, chegou a hora da nossa coluna Olhar do Amanhã.
00:17Vamos então receber doutor Álvaro Machado Dias, professor livre docente da Universidade Federal de São Paulo,
00:26do Colunista do Olhar Digital Neurocientista, também aqui no Olhar Digital News.
00:32Vamos lá, cadê o doutor Álvaro? Ah, deixa eu colocá-la aqui no nosso palco, ele não estava aqui ainda.
00:37Deixa eu só colocá-la aqui em primeiro plano. Boa noite, doutor Álvaro Machado Dias. Seja muito bem-vindo, querido.
00:44Boa noite, Marisa.
00:46Doutor Álvaro Machado.
00:48O susto que eu tomo toda vez que eu me vejo com esse cabelo maluco.
00:51Mas você está ótimo, Álvaro. Está muito bom, está muito bom.
00:57O cientista é maluco, né? É para a gente realmente estourar os limites. Vamos nessa.
01:03Não, está muito bacana. Álvaro, eu queria começar falando com você que a gente apresentou aqui
01:08uma matéria falando sobre as vacinas, não é?
01:13Aliás, falando sobre o diferencial dessas vacinas.
01:16A gente falou agora há pouco dessa vacina da dengue, que foi desenvolvida pelo Butantan.
01:20Eu queria que você comentasse qual é o diferencial e se podemos transformar esse cenário da dengue
01:25no Brasil a partir dessa notícia.
01:28Claro, falo com prazer.
01:29A vacina do Butantan, a Butantan DV, é uma vacina tetravalente, tá?
01:35O que quer dizer isso, né? Que raios de tetravalente é esse?
01:38É que existem quatro sorotipos, né?
01:42Quatro versões principais do vírus da dengue.
01:45Que é DNV 1, 2, 3, 4, qualquer coisa assim.
01:51Antes, existiam duas, ou melhor, existem duas vacinas comercializadas, tá?
01:56Em redes privadas, aliás, eu tomei uma dessas vacinas.
02:00Uma da Sanofi e uma da Taqueda, das melhores, assim.
02:04As duas também são tetravalentes.
02:06Então, que diferença faz?
02:08Só que essas vacinas são de dose dupla.
02:10A vacina do Butantan é dose única.
02:13É a primeira tetravalente de dose única para a dengue do mundo.
02:18E ela tem uma eficácia muito grande contra as formas graves da doença.
02:23Que é mais sério, tá?
02:24Porque, no final das contas, dengue não é só um baita incômodo.
02:27Para muita gente, é risco de vida.
02:30E tem um outro ponto.
02:31Olha só, Marisa.
02:33Existe, a gente fala da pessoa que é soropositiva.
02:37A soropositiva é a que já teve dengue.
02:39E tem a pessoa que é soronegativa.
02:43A soronegativa, evidentemente, nunca teve.
02:46O que acontece?
02:47As vacinas, historicamente, foram seletivas em relação à cobertura de soropositivos e soronegativos.
02:55Isso aí, evidentemente, é uma vulnerabilidade grande.
02:59Inclusive, a gente sabe que pegar dengue pela segunda vez é bem pior do que pegar pela primeira.
03:04A vacina do Butantan, ela dá cobertura tanto a soropositivos, ou seja, que já teve doença, quanto soronegativos.
03:12Então, isso daí, ou seja, pessoas que não têm nenhum anticorpo pré-existente.
03:16Então, isso daí é realmente valioso e faz a diferença.
03:19Tem uma vacina chamada Dengvaxia, que eu lembro, não sei se vai lembrar das notícias, mas que ela foi um desastre em soronegativos, porque, olha só, ela aumentava a forma grave da doença.
03:33Então, quer dizer, o negócio é realmente complicado e ter uma vacina de cobertura ampla, soropositiva, soronegativa, segura, é um feito mesmo.
03:45Aí tem uma outra coisa que eu acho importante a gente pensar, Marisa, que é o valor da produção nacional.
03:53Não por nenhum tipo de nacionalismo, mas porque a gente tem uma necessidade grande aqui no país de vacinas para dengue.
04:00Porque, afinal de contas, são dezenas de milhões de doses para a gente imunizar a população.
04:06Então, você ter esse acesso, ter essa produção aqui, poder aumentá-la estrategicamente, conta muito.
04:12Não é a típica vacina que, de vez em quando, vai ser usada.
04:16Não, é um negócio que você precisa imunizar a população toda, porque, evidentemente, tem muita dengue no país.
04:21Então, eu acho que, do ponto de vista de cobertura vacinal, esse aqui é um grande achievement, sabe?
04:27É um feito, é uma coisa muito bacana.
04:29Eu fiquei bastante empolgado com isso, tá?
04:33O último ponto, que é o único que eu queria ressalvar, é o seguinte.
04:37A gente tem uma tendência no Brasil a encontrar soluções parciais para problemas complexos e virar a página como se o problema deixasse de existir.
04:50Isso não pode acontecer nesse caso, senão a gente vai se dar mal.
04:53Veja bem, existem duas discussões quando se fala em dengue.
04:58Uma discussão é vacinal.
05:01A outra discussão é do controle do vetor, do mosquito, a Aedes aegypti.
05:08A gente precisa disso.
05:10Se a gente não seguir e, na verdade, acelerar as medidas de controle do mosquito, a gente não vai erradicar a doença.
05:17Até porque é impossível você cobrir 100% da população, do ponto de vista vacinal, em qualquer lugar do mundo.
05:23Então, por mais que o Brasil tenha uma ótima tradição vacinal.
05:26Então, eu acho que, assim, o único risco aqui é a gente pensar daquela forma clássica, né?
05:33Quem nunca viu no Brasil?
05:34Ai, que bom, então ótimo, vai ter uma vacina de boa, não precisa fazer mais nada.
05:38E água parada e assim por diante.
05:41Não é o caso.
05:42Então, a gente precisa seguir, talvez até acelerar aí a erradicação do vírus
05:49e a gente acabar de uma vez com a dengue no país, que vai ser, assim, libertador.
05:54Também chikungunya, tem que acabar com essas coisas todas, são doenças extremamente incômodas
05:59que não precisariam existir se a gente tivesse um controle de parasitas maior.
06:03Com certeza, teria que andar mesmo em paralelo, né?
06:06As duas soluções andarem ali em paralelo.
06:09Agora, doutora Álvaro, eu queria falar um pouquinho sobre IA.
06:12Vamos falar um pouquinho sobre inteligência artificial.
06:14Um estudo destaca que modelos de linguagem, como o CHETGPT, não representam o pensamento humano
06:22e pode até limitar o desenvolvimento da tal inteligência artificial geral.
06:28Isso quer dizer que a IA pode nunca superar o ser humano?
06:33O que você pode nos falar sobre esse estudo, doutor Álvaro?
06:36É, eu tenho uma grande divergência do Nicolelis, que eu gosto muito, nesse tema, tá?
06:46Eu acredito que, em primeiro lugar, existe uma enorme inteligência na inteligência artificial.
06:55Simples assim. Por quê?
06:57Porque o que a gente está chamando de inteligência é o resultado de avaliações sistemáticas sobre inteligência.
07:05Então, existe um conceito, o conceito está definido, existem formas de apurar a inteligência.
07:11Uma delas é o teste de QI, que é aplicado em humanos, mas também em outras espécies.
07:16Se aplica isso em macacos, se aplica isso até em cachorros, né?
07:21Não tem um ranking do cachorro.
07:22Por que se a inteligência não existe fora da espécie humana,
07:24a gente não poderia dizer que existe um cachorro mais inteligente do que outros.
07:28E isso daí é senso comum.
07:30Todo mundo sabe que existem cachorros mais inteligentes do que outros.
07:32rankings de inteligência, o gato versus o cachorro versus o chimpanzé.
07:37Quem é mais inteligente?
07:38É o chimpanzé.
07:39Então, existe um conceito e o conceito está aplicado.
07:42A inteligência artificial, do ponto de vista das métricas da inteligência,
07:47ela vem gerando uma explosão de capacidade.
07:51Isso é indiscutível.
07:52Então, no ano passado, por exemplo, usando o teste de QI,
07:55a inteligência artificial mais poderosa tinha um QI abaixo de 100,
08:00100 é a média humana.
08:02Neste ano, o QI das IAs mais avançadas, como o Opus 4.5,
08:07que acabou de ser lançado pela Antropic, é 140 pontos,
08:12acima de quase todo mundo.
08:14Então, de acordo com as métricas que a gente usa no dia a dia
08:18para a inteligência, a inteligência sim.
08:20Outra discussão é se essa inteligência supera os humanos
08:27em todas as suas manifestações.
08:30Percebe a questão?
08:31Porque se eu estou dizendo que existe uma métrica de inteligência,
08:34todo mundo aceita que ela é válida para algumas coisas, pelo menos.
08:38A gente entende que o Einstein tinha provavelmente um QI
08:43maior do que uma pessoa qualquer que você pegar por aí.
08:46A gente entende isso.
08:47Não é só que ele descobriu coisas incríveis.
08:49É que isso tende a ser um fato, mesmo que a gente não tenha aplicado
08:54esse teste no Einstein, comparado com outras pessoas e assim por diante.
08:56Então, existe um padrão.
08:58Neste padrão de inteligência, a IA já está num caminho
09:03de superação dos humanos e ponto final.
09:06Agora, essa inteligência justamente é limitada pelo fato
09:11de que se trata de tratamento simbólico.
09:12Tudo ali são símbolos numa tela, pixels, que representam números, letras e assim por diante.
09:20E é naquele processamento informacional que a gente vê a IA explodindo em capacidade.
09:26Existem outras formas de inteligência.
09:29Em algumas delas, está bem claro que a inteligência artificial não vai superar os humanos
09:35a partir do modelo dos chatbots e outras variantes disso.
09:41Ou seja, transforma essa arquitetura básica por razões muito fundamentais.
09:46Porque muitas das nossas formas de manifestação da inteligência são corporificadas.
09:52Não porque elas acontecem no corpo.
09:53Não é porque você é inteligente com o joelho ou com a ponta do pé.
09:56Jogador de futebol, bom é.
09:57Mas não todo mundo.
09:59Não é isso.
09:59A grande questão é que existem intuições e entendimentos sobre estar no mundo,
10:06se relacionando com as pessoas, se manifestando expressivamente,
10:10convencendo através da empatia e tudo mais,
10:12que você não consegue replicar se você é simplesmente através de uma abstração
10:17que existe eletricamente no servidor.
10:20Esse é o grande ponto.
10:21Dito isso, eu vou parar com essa resposta longa.
10:24O paper em si diz, na verdade, ele traz uma questão muito profunda
10:29que não é exatamente essa, que é a seguinte, esse paper da Nature,
10:32que a linguagem não reduz, ou seja, ela não compreende a totalidade do pensamento.
10:42Essa é uma discussão que remonta a um filósofo da linguagem muito famoso,
10:47que é o Wittgenstein.
10:48Wittgenstein tem uma obra dividida em duas partes.
10:50O primeiro Wittgenstein e o segundo Wittgenstein.
10:53No segundo Wittgenstein, ele vai dizer exatamente isso,
10:56que é o contrário do que ele diz no seu primeiro momento,
10:59na sua obra mais famosa, que é o Tratado Lógicos Filosóficos.
11:02Então, no final das contas, a gente está discutindo um aspecto que é muito mais humano.
11:07Existe uma irredutibilidade do pensamento e da inteligência humana
11:12ao componente linguístico?
11:15Não, não existe.
11:16Ou seja, existe mesmo uma certa independência,
11:18ou algum nível de independência entre linguagem e pensamento.
11:21É isso que foi reafirmado.
11:23E isso eu acho que está completamente certo.
11:25E esse paper simplesmente reafirma uma longa tradição
11:27que, do ponto de vista moderno, começa com um sujeito chamado Jerry Fodor,
11:31que criou o conceito de mentalese.
11:33Ou seja, para além da linguagem, há um mentalese.
11:36E o mentalese é aquilo que vai guiar as nossas diferentes ramificações
11:40na produção intelectual.
11:42E a inteligência artificial não tem mentalese.
11:44Para ela, de fato, o elemento produtivo da capacidade informacional,
11:49intelectual e assim por diante, do trabalho,
11:53é diretamente o token representativo do símbolo.
11:55Em outras palavras, a IA trabalha diretamente no nível da linguagem.
12:00Então, tá bom.
12:00Do ponto de vista processual, é muito diferente.
12:02Agora, do ponto de vista intelectual,
12:04eu posso ter uma IA que tenha que ir 200 e, sei lá, 200 e tantos,
12:08e daqui a pouco, simplesmente, ela seja mais inteligente que todo mundo
12:11do ponto de vista das coisas que você consegue formalizar numa tela.
12:13Agora, doutora Álvaro, então essas conclusões, elas indicam
12:17que a capacidade, por exemplo, de dominar a linguagem
12:21não significa exatamente, então, um nível de inteligência.
12:25É isso?
12:26Não.
12:27Ela diz que a linguagem é só uma das manifestações da inteligência,
12:31porque o pensar, que é a base para todas essas manifestações,
12:36não se reduz à linguagem.
12:38Por trás da linguagem, existe um código do pensamento.
12:41Veja, não tem símbolo nenhum no neurônio, não tem letra,
12:45não tem nada desse tipo de coisa, tá?
12:47Existem formas de conexão entre áreas, ou seja, uma topologia,
12:52pensa numa geometria das ligações cerebrais,
12:56e é essa maneira de ligar as coisas que gera o resultado informacional e inteligente.
13:02Linguagem é uma coisa que vem a posteriori.
13:05Primeiro você tem a arquitetura do cérebro funcionando,
13:07depois você tem a injeção da linguagem em cima.
13:10Isso difere profundamente da inteligência artificial generativa,
13:13e há lá chatbot, porque no chatbot não tem essa separação.
13:18A rede neural está diretamente trabalhando com o token,
13:21com a representação matemática do token.
13:24Então, acabou.
13:25Você está separado pelo nascimento, humanos e máquinas.
13:30Mas isso não quer dizer que a máquina não possa ter uma performance
13:33num teste de inteligência humano fenomenal.
13:35E aí a gente tem que considerar para todos os efeitos,
13:38que do ponto de vista daquele teste,
13:39ela é inteligente ou até genial.
13:42Interessante.
13:43Está aí uma grande participação de doutor Álvaro Machado Dias aqui conosco,
13:48nesse tema tão curioso e interessantíssimo.
13:51Temos muito mais que falar sobre isso.
13:53Eu tenho uma dúvida, eu tenho uma dúvida.
13:56Será que existe qualquer outro programa no Brasil
14:00que traga uma discussão desse nível?
14:02Olha, doutor Álvaro, vou ser sincera,
14:04eu não estou querendo puxar o peixe para o nosso lado aqui não,
14:06mas eu não conheço.
14:07Acho que somos os únicos mesmo.
14:09Então, quem tem interesse nesse assunto tem que correr para cá, né?
14:13É isso aí.
14:14Doutor Álvaro Machado Dias, excelente novamente, como sempre.
14:17Nos encontraremos novamente na próxima semana.
14:20Muito obrigada e uma excelente semana para você.
14:23Eu que agradeço até lá.
14:24Até.
Seja a primeira pessoa a comentar
Adicionar seu comentário

Recomendado