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00:00E vamos receber doutor Álvaro Machado Dias, professor livre docente da Universidade Federal
00:17de São Paulo e colunista aqui do Olhar Digital. Vamos lá? Olá, boa noite, doutor Álvaro Machado
00:25Dias, seja muito bem-vindo. Muito boa noite, Marisa. Doutor Álvaro, vamos falar um pouquinho
00:32sobre esse texto que foi aprovado e que não é uma unanimidade. Quais são os prós e os contras,
00:42doutor Álvaro, tanto para os parlamentares como também para o que nós mencionamos agora há pouco
00:48para o setor audiovisual? Legal. Se você me permite, vou dar uma introdução muito rápida, tá?
00:53Esse é o PL 8889, de 2017. Tu fala assim, mas como assim? Pois é, esse é um texto antigo, tá bom?
01:05Que ele vem sendo requintado e, assim, é uma discussão que toda hora aparece.
01:10A ideia é cobrar de 0,1%, que é muito pouquinho, até 4% do faturamento bruto de todas as, perdão,
01:20da receita bruta de todas as empresas do setor que não estão enquadradas no simples e usar essa grana
01:28para ajudar no cinema nacional, tá bom? Então, a tese que é verdadeira é que o cinema nacional,
01:36ele é subrepresentado nas plataformas. Isso aí ninguém discute. E o texto de base diz que 10% do catálogo
01:44deve ser composto de produções nacionais. Isso não vai ser de primeira, tá? Tem um prazo de transição
01:51de até seis anos, tá? É bastante tempo. Mas chega, né, Marisa? Ou seja, no final das contas,
01:58do que a gente está falando? A gente está falando de fomentar essa produção brasileira
02:04e equilibrar as duas. E aí, olha só que interessante. Vai existir um mecanismo de dedução
02:11de 60% da contribuição de quem investir na produção nacional.
02:18Então, eu acho que isso daí, né, que está sob o conceito de soberania cultural,
02:24que no fundo, no fundo, dita qual, o que, enfim, as avaliações de prós e contras, tá?
02:31Então, inclusive os posicionamentos ideológicos que se formam em torno disso.
02:35Se você acredita que nós devemos subsidiar essa produção cultural,
02:41então você provavelmente vai concordar com a medida.
02:44Se você acha que não, desculpa, isso é um mercado como qualquer outro
02:47e a gente tem outras prioridades no Brasil, você vai dizer, poxa, sinceramente, não.
02:53Então, eu acho que é assim que a gente tem que ver, tá bom?
02:55Então, por exemplo, um contra, tá?
02:59O projeto pode asfixiar um pouco o mercado de streaming, né,
03:03que já está mal das pernas e, eventualmente, criar as simetrias
03:09que vão tornar o setor menos competitivo.
03:13Produtores independentes, tá?
03:15Olha que curioso, produtores independentes, muitos criticaram o texto
03:19porque eles falam que, eles reclamam que uma parte grande da dedução
03:24pode ficar com as plataformas e, consequentemente, a própria captação
03:29pode ser mais difícil.
03:31Então, tem coisas assim.
03:33Então, no final das contas, a gente tem, de um lado,
03:37um pró muito grande do ponto de vista do fomento da cultura nacional
03:41e, do outro lado, questões óbvias sobre a necessidade, né,
03:48da gente subsidiar isso e gerar efeitos de redução concorrencial,
03:53por assim dizer, nesse setor.
03:55Então, tem até alguma relação até parecida com o que acontecia
03:59com os canais fechados, né?
04:00Quando nós tínhamos ali os canais internacionais,
04:03eles tinham uma proporção que deveria ser de produção nacional.
04:07Então, isso está sendo levado também agora para os streamings.
04:10É o mesmo papo, exatamente, é essa velha discussão
04:14que já foi e voltou 30 vezes.
04:16Eu posso, eu não costumo fazer isso, mas eu vou dar a minha opinião.
04:21Eu acho uma má ideia.
04:24Por que eu acho uma má ideia?
04:25Apesar de eu, obviamente, ser muito interessado
04:28no fomento da cultura nacional.
04:30Eu acho que esse tipo de mecanismo,
04:33sobretudo a ideia de que a gente vai gerar abate de imposto
04:36para quem subsidiar a produção nacional,
04:39tende a levar a efeitos que não estão alinhados
04:43à busca da produção do melhor resultado,
04:47do produto ideal, do ponto de vista desse mercado que está formado.
04:52Aí a gente fala, poxa, mas por que precisa ser um mercado?
04:55Por que a gente não pode fazer só arte?
04:58Eu gostaria, eu nem gosto da maior parte dos filmes que estão por aí,
05:02porque eu acho que eles são estúpidos
05:04e acho que não somam nada na minha vida,
05:07mas é o mercado, queira ou não queira.
05:09Então eu acho que tratar esse mercado de maneira tão distinta dos outros
05:13pode ser problemático, sim.
05:15Então, esse é o meu ponto de vista,
05:17ainda que tantas vezes, em tantas outras questões,
05:20eu tenha pontos de vista que são muito mais alinhados
05:23a políticas com algum nível de intervencionismo.
05:26Mas nesse caso, sinceramente, não sou.
05:27Agora, doutor Alvaro, e do ponto de vista prático para os consumidores,
05:32o que pode mudar a partir disso?
05:34Bom, o mais óbvio é um leve aumento
05:38na mensalidade das plataformas de streaming, tá bom?
05:43Isso, enfim, é uma consequência natural da necessidade desse repasse.
05:50Até essa é uma discussão muito recorrente, tá?
05:52Que, assim, para os economistas está muito claro
05:55que se você aumenta o custo para o fornecedor,
06:02o fornecedor vai imediatamente passar para o consumidor.
06:04Por quê?
06:05Porque o fornecedor está dividindo os valores todos
06:10no seu planejamento financeiro em tranches,
06:12em linhas, tá bom?
06:14E aqui tem a linha do lucro
06:17que esse produto precisa dar nesse país.
06:20É claro que tem uma flexibilidade, estratégias de investimento e tudo mais,
06:23mas, no final das contas, é isso.
06:24Se esse produto não dá lucro,
06:26aquela empresa vai decidir tirar o produto do país.
06:29Simples assim.
06:30Então, não é porque a empresa foi pressionada
06:35em relação a esse valor
06:36que ela simplesmente vai reduzir a sua lucratividade.
06:39Ah, ela tem um lucro exacerbado,
06:42e isso é um absurdo.
06:43Esses são outros 500.
06:45Mas fato é que o caminho normal
06:47é o repasse para o consumidor.
06:49Então, é possível que haja alguma alta.
06:52Essa alta tende a ser linear no streaming em geral e assim por diante?
06:56Não.
06:57Mas ela pode acontecer.
06:59Uma outra coisa que vai mudar
07:00é que o catálogo vai ter mais produções nacionais.
07:04Isso daí pode ser interessante,
07:06mas vale a pena a gente pensar
07:08que uma produção nacional
07:10que surgiu não de uma inspiração
07:12para contar uma boa história,
07:14mas da necessidade de preencher cota,
07:16não necessariamente vai ser incrível
07:19do ponto de vista de qualidade, tá?
07:21Porque se existe algo que o streaming faz hoje em dia,
07:24é malemar, mas ainda faz,
07:26é juntar a produção de todas as partes do mundo.
07:29Elas surgem através de impulsos originários,
07:32criativos,
07:33e aí elas entram nas plataformas.
07:35Hoje em dia é bem menos assim, tá?
07:37Mas idealmente, esse seria o movimento.
07:40E aí, quando você tem que cumprir cota,
07:41a coisa funciona de forma muito mais industrial,
07:44não motivada pela necessidade,
07:47ou quase obrigatória de incluir
07:49uma ótima história que surgiu ali dentro,
07:51porque isso vai dar clique,
07:53vai dar assinaturas,
07:54mas simplesmente porque se essa cota
07:56não for preenchida, haverá uma multa.
07:58Então, eu acho que isso daí
07:59vai acabar sendo um efeito.
08:01Muito mais produções nacionais,
08:03não necessariamente produções incríveis,
08:05porque não necessariamente elas vão ser feitas
08:07com a paixão necessária.
08:09Eu acho que é isso.
08:10Agora, vale lembrar que são seis anos
08:12para essa medida ganhar contornos definitivos,
08:16então, no curto prazo,
08:18eu acho que a única coisa mais factível
08:22é um aumento nas mensalidades.
08:25Agora, doutor Álvaro,
08:26mesmo que nada mudasse,
08:28como você até quase, até mencionou,
08:30a gente já vem observando cancelamentos
08:33e trocas de constantes de serviço de streaming
08:36no Brasil e também no mundo.
08:39É apenas uma questão de preço
08:41ou tem a ver também com catálogo,
08:43lançamentos e produções de cada uma delas?
08:46Há uma crise do streaming.
08:48Isso é inegável.
08:50E ela transcende em muito o preço.
08:53A insatisfação do consumidor,
08:55ela vem sendo medida e ela é crescente
08:58nos mais variados países.
09:00Isso acontece por várias razões, Marisa.
09:03A primeira, mais básica de todas,
09:06é a maneira como as empresas de streaming,
09:10hoje em dia, elas medem sucesso.
09:13Olha só, hoje em dia,
09:16o sucesso é sobretudo medido
09:18pela quantidade de pessoas
09:20que assistiu alguma coisa até o fim.
09:22E isso é importante, por exemplo,
09:24quando você está falando daquela que é baseada em anúncios,
09:28a assinatura baseada em anúncios,
09:29ou seja, que o sujeito não paga mensalidade,
09:32essa é importante por causa dos anunciantes
09:34e assim por diante.
09:35Se você quer que o sujeito assista até o fim,
09:37é necessário que a histórica narrativa,
09:41ela seja grudenta, por assim dizer.
09:43Ela tem uma fórmula de retenção,
09:46um tamanho específico.
09:48Esse tamanho é curto,
09:50essa fórmula é previsível,
09:52e no final das contas,
09:53fica tudo muito igual.
09:56Outra estratégia que é importante,
09:58se é essa métrica,
09:59é lançar as séries inteiras ao mesmo tempo.
10:03E isso leva ao chamado bind-watching,
10:05esse hábito de assistir
10:08como a pessoa que é viciada em chocolate
10:11faz quando ela pega a primeira barra de toboleiro nela,
10:13vai até o fim, rapidamente abre a próxima.
10:16E o resultado, no final,
10:17é as pessoas se sentindo mal,
10:18se sentindo intoxicadas
10:20de terem ficado lá horas a fio,
10:22assistindo uma série até quatro horas da manhã,
10:24que é puro entretenimento,
10:25na qual elas não aprenderam nada,
10:27não levaram nada como legado,
10:29e assim por diante.
10:30Ou seja,
10:31aquele processo que momentaneamente funciona,
10:35e que tem a mesma dinâmica do doom scrolling,
10:39da scrollagem infinita em rede social,
10:41ou seja, tem esse aspecto viciante,
10:43dopaminérgico,
10:44no outro dia também leva a essa rebordosa,
10:47a essa ressaca moral e eventualmente energética,
10:51que é muito ruim.
10:52Finalmente, existe um ponto que é,
10:55as produções de streaming tradicionais,
10:57elas vinham aumentando o leque dos filmes,
11:01porque o streaming vem do processo de conversão das locadoras,
11:07que eram de rua em locadoras,
11:10por assinatura digital que você faz ali,
11:14e os filmes eram enviados,
11:16sobretudo na Netflix original,
11:18pelo correio,
11:20para depois um modelo de filmes digitais,
11:23e finalmente para uma cartela ampliada.
11:25Hoje em dia, os principais investimentos
11:28não estão na aquisição de filmes de qualidade,
11:32ou mesmo séries de qualidade.
11:34Eles estão na produção interna dessas coisas,
11:37porque o volume é muito maior,
11:40e contabilmente faz mais sentido,
11:41é mais barato,
11:42mas tudo,
11:43então, do ponto de vista do negócio,
11:44é melhor ter essa fabriquinha,
11:47e também,
11:48e diria,
11:48sobretudo,
11:49em eventos esportivos,
11:52shows,
11:53e assim por diante,
11:54o que lembra muito mais
11:55a televisão a cabo
11:57do que o modelo das locadoras
11:59que a gente tinha.
12:00Afinal das contas,
12:02esse setor,
12:03ele matou as locadoras,
12:05só que,
12:06ele matou as locadoras
12:07com uma promessa
12:08de que ia fazer muito melhor,
12:10de que ia permitir
12:11que a gente assistisse
12:12qualquer filme de interesse
12:14na hora que a gente quisesse,
12:15mas, na verdade,
12:16hoje em dia,
12:16o que tem é basicamente
12:18uma coisa que lembra muito
12:20rios alongados
12:22e outras formas de entretenimento
12:24que deixam muito pouco legado.
12:25Então, a insatisfação,
12:27ela cresceu no grande público
12:29e ela vem levando a processos
12:32de assinatura e cancelamento
12:34muito rápido,
12:35isso é chamado de churn,
12:36porque o sujeito vê que,
12:38por exemplo,
12:38na Amazon,
12:40ou na Netflix,
12:41ou onde for,
12:42surgiu aquele filme
12:43que ele quer ver,
12:44ela quer ver,
12:44vai lá, assina, vê
12:45e depois cancela.
12:46Então, isso também é ruim
12:48para essas empresas
12:48que estão pagando o preço
12:50por esse tratamento
12:51daquilo que deveria ser
12:53um pouco mais cuidadoso
12:54do ponto de vista artístico,
12:56do ponto de vista de experiência,
12:58como meramente
12:59um produto tecnológico
13:01à la rede social.
13:03Interessante.
13:04Agora, até em um artigo recente,
13:06doutor Álvaro,
13:06você mencionou justamente
13:08que o setor de streaming
13:10se vê mais como tecnologia
13:12do que entretenimento.
13:13Explica para a gente,
13:14é por isso essa tecnologia
13:16ao invés do entretenimento?
13:19A visão do setor
13:20de que ele é de tecnologia
13:22e não de entretenimento
13:23tem tudo a ver
13:24com o uso de algoritmos
13:25de recomendação.
13:27É uma questão muito próxima
13:28dessa que eu falei,
13:29mas ligeiramente distinta.
13:31Olha só,
13:32na medida em que
13:33eu vou colocar na plataforma
13:35aquilo que vai gerar mais cliques
13:37e vou fazer ofertas
13:38customizadas para as pessoas,
13:40eu naturalmente vou aumentar
13:43o tempo de tela,
13:44tá bom?
13:44Porque, afinal de contas,
13:46as pessoas vão,
13:46essa alocação eficiente
13:48vai acontecer,
13:48as pessoas vão encontrar
13:50o que elas estavam esperando
13:51e aí, consequentemente,
13:52elas vão assistir
13:54e assim por diante.
13:55Mas, por outro lado,
13:57os efeitos transformadores
13:59do audiovisual,
14:01do cinema,
14:01não vão acontecer,
14:03ou vão acontecer
14:03numa escala muito menor.
14:05porque boa parte
14:06dos filmes
14:07que marcaram a nossa vida
14:08marcaram,
14:09entre outras coisas,
14:10porque a gente não esperava
14:11tamanho impacto.
14:12Então, isso desaparece.
14:14E na medida em que
14:15essa coisa desaparece
14:16e a empresa passa
14:19a pensar como recomendação,
14:22é natural que ela também pense
14:24a partir do paradigma
14:25do crescimento
14:26e não exatamente
14:27do paradigma do lucro.
14:29O que isso significa?
14:30Significa que a lógica
14:32vai ser muito mais
14:33de fazer captações
14:34com investimentos
14:35de maneira sequenciada.
14:37Foi assim que as grandes
14:38plataformas de streaming
14:39explodiram.
14:41E se elas estão lidando
14:42dessa maneira
14:43com o capital
14:44e tudo mais,
14:45definitivamente
14:46a busca não é
14:49a da retenção
14:51daquele sujeito
14:53que está lá,
14:54que, por exemplo,
14:54que era o cliente
14:56falando em São Paulo
14:57da 2001,
14:58que alugava os filmes
14:59e voltava
15:00e discutia
15:01com o atendente
15:03se esse filme
15:04era melhor do que aquele
15:05e assim por diante.
15:05Não.
15:06O que importa
15:07são esses grandes números.
15:09E esses grandes números,
15:11seguindo uma lógica
15:12das redes sociais,
15:14também significam
15:15angústia,
15:16insatisfação,
15:17churn,
15:18que é a gente cancelando
15:19o tempo todo
15:20e uma lógica
15:21que, no final das contas,
15:22faz disso muito mais
15:24uma continuidade
15:26das outras experiências
15:28que geram
15:28algoritimização
15:29do pensamento
15:30do que um espaço
15:31de transformação
15:33ou, pelo menos,
15:34de refrescar a mente.
15:36Como sempre,
15:37uma análise
15:38interessantíssima,
15:39doutor Álvaro Machado Dias.
15:42Bom,
15:42por hoje,
15:43ficamos por aqui.
15:44Mas, semana que vem,
15:45voltamos com mais
15:46assuntos interessantes
15:47aqui na nossa coluna
15:48Olhar da Manhã.
15:49Muito obrigada,
15:50doutor Álvaro,
15:51e tenha uma excelente semana.
15:53Agradeço,
15:54agradeço a todo mundo
15:55que nos acompanhou.
15:56Até semana que vem.
15:57Até.
15:58Um beijo.
15:58Boa noite.
16:00Tá aí, pessoal,
16:01doutor Álvaro Machado Dias,
16:03neurocientista,
16:04futurista,
16:05professor,
16:05livre docente
16:06da Universidade Federal
16:07de São Paulo.
16:08Como vocês já sabem,
16:09semana que vem,
16:10quarta-feira,
16:11tem mais
16:12Olhar do Amanhã
16:13para vocês.
16:14Obrigada.
16:15Obrigada.
16:16Obrigada.
16:17Obrigada.
16:18Obrigada.
16:19Obrigada.
16:20Obrigada.
16:21Obrigada.
16:22Obrigada.
16:23Obrigada.
16:24Obrigada.
16:25Obrigada.
16:26Obrigada.
16:27Obrigada.
16:27Obrigada.
16:27Obrigada.
16:27Obrigada.
16:27Obrigada.
16:27Obrigada.
16:27Obrigada.
16:27Obrigada.
16:28Obrigada.
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