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  • há 2 meses
A cuia é um dos elementos simbólicos mais marcantes da identidade paraense e está presente na Amazônia brasileira há pelo menos três séculos, segundo a arqueóloga Daiana Travassos Alves. Apesar das inovações da modernidade, o modo de confecção das cuias resiste até hoje, sendo passado através de gerações, assim como o uso delas pela população ribeirinha e urbana – com utilidades diversas, desde para fins medicinais até para tomar um bom açaí e tacacá.

Reportagem: Bruno Roberto
Imagens: Ivan Duarte
Edição: Karla Pinheiro (Supervisão Tarso Sarraf)

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Transcrição
00:00A árvore da cuieira, a espécie Acrescencia curgeti, que se dispersa por várias florestas dos trópicos ao longo do mundo
00:20e principalmente aqui na Amazônia, em toda a região amazônica, ela se dispersa.
00:26E tem algumas subespécies também que se dispersam pela América Central.
00:31E essa cuieira, ela produz esse fruto, que é a cuia, e a cuia, ela é utilizada,
00:39então esse fruto da cuieira é utilizado por populações nativas aqui das Américas já há mais séculos.
00:46A gente tem registro de cuias de até 5 mil anos, por povos indígenas aqui nas Américas,
00:52na Amazônia peruana, na Amazônia equatoriana e na Amazônia brasileira.
00:56E aqui na Amazônia brasileira, a gente vê essa presença da cuia também em diferentes tributários ao longo da calha do rio Amazonas,
01:06no Madeira, no Rio Negro, no Xingu também, no Tapajós, que é essa região ali em torno de Santarém,
01:15onde tem essa presença muito grande das cuieiras associadas com os assentamentos humanos bastante antigos,
01:22inclusive também nessa região, remontando pelo menos 3 mil anos.
01:27Ela surge também associada ao consumo diário, ela tem uma diversidade de consumos.
01:34Tem alguns relatos do século XVIII, do Alexandre Ferreira, que ele diz que a cuia é o prato, o copo e a panela dos indígenas,
01:44dessa região aí de Santarém, nesse período.
01:48Então a cuia, ela é, inicialmente começa-se a processar esse fruto para fazer esses objetos,
01:56como a gente conhece, que a gente chama de cuia, que é uma espécie de tigela.
02:00Ele começa a ser processado pelos povos indígenas, pelo que a gente sabe, pelo menos há 5 mil anos,
02:09e esse conhecimento circula dentro da Amazônia e vem parar aqui no Baixo Amazonas em torno de 3 mil anos.
02:15E ela vai ser utilizada tanto como um utensílio do cotidiano para servir comida,
02:24para consumir líquidos e outros tipos de alimentos, mas também, como por exemplo, para tirar água de canoa,
02:32para algumas menorzinhas para dar remédio para as crianças,
02:36até como uma forma de brinquedo as crianças utilizam as cuias menores, pelo que a gente sabe.
02:41Então, tem esse uso cotidiano, de fato, mas a gente tem relatos de algumas cuias que são mais elaboradas,
02:51que são melhor adornadas, inclusive como iraquitãs aí nessa região de Santarém,
02:56que são cuias especiais, que são cuias que são para quando você recebe o líder na sua casa,
03:02que eles chamam de principal, quando você recebe o líder da aldeia na sua casa, você serve.
03:07Então, é uma cuia para visitas muito importantes.
03:12E ela vai, inclusive, eles mencionam que se você, se te oferece um líquido nessa cuia que é especial
03:19e você recusa, é uma grande ofensa, né?
03:22Então, tem esse uso também mais ritualístico ou especial, digamos assim, dela também.
03:31Além disso, tem diversas outras partes da cuieira que são utilizadas como medicina também.
03:38A folha da cuieira é utilizada, a própria, que eles chamam de tripa, né?
03:42Que é a parte interna da cuia, que é retirada no processo de produção do utensílio,
03:48é utilizada como medicina também.
03:51Então, a gente tem esse uso medicinal.
03:54Há relatos de que alguns povos indígenas tomam um líquido também, como uma espécie de suco,
03:58o líquido que está dentro da cuia.
04:01Então, a gente tem essa diversidade de usos para além dela como utensílio,
04:06que é o que chega para a gente na atualidade.
04:08A gente tem, sim, uma produção mais antiga e indígena.
04:14Em diversos lugares, no Alto Xingu, inclusive, hoje ainda se produzem essas cuias
04:18com esses grafismos que têm um significado simbólico para aquele povo.
04:23No Alto Rio Negro, a gente vê isso também.
04:27Para a região de Santarém, a gente tem os relatos de cuias que já eram pintadas anteriormente,
04:35antes dos portugueses.
04:37Mas a gente não tem nenhum objeto com esses grafismos mais antigos.
04:42Os objetos que a gente tem, a partir do século XVIII, que foram essas coleções feitas pelo Alexandre Ferreira,
04:49já são objetos que são pintados com uma inspiração mais europeia,
04:54de uma inspiração estética mesmo, artística, barroca.
05:00O que, para a gente, os arqueólogos que olham para essa cultura material entendem
05:06que é uma expressão do domínio da técnica da pintura dessas mulheres indígenas
05:12que faziam essas cuias, muito grande, porque elas absorvem essa outra inspiração,
05:19essa outra forma de fazer esses grafismos, que é distinta do que elas faziam anteriormente
05:25e elas dominam essa técnica, são cuias lindíssimas, as decorações,
05:30essas de inspiração europeia e também de inspiração, inclusive, na porcelana asiática, se considera.
05:36A produção de cuias com a inspiração mais regional, que a gente vê com aves e com árvores
05:43e com outros elementos da fauna amazônica, são fenômenos já do século XX,
05:49nessa região de Santarém, que começam a se reproduzir nessas cuias,
05:53essas imagens de inspiração regional mesmo e de natureza, de paisagem,
06:00não necessariamente amazônicas, porque a gente vê algumas outras paisagens também sendo pintadas nessas cuias.
06:06E, mais recente ainda, a reprodução dos grafismos inspirados na cerâmica arqueológica,
06:13que a gente vai ver algo como a década de 1950, a gente vai ver a inclusão desses grafismos
06:23e isso vai sendo passado, dos grafismos inspirados na cerâmica tapajônica e marajoara principalmente,
06:30isso vai sendo aplicado nas cuias e começa a ser passado de mãe para filha.
06:35Em algum momento ali, em torno dos anos 2000, isso já estava um pouco perdido,
06:40porque a produção de cuias não estava mais sendo tão valorizada, então isso estava sendo um pouco perdido.
06:46E aí tem um movimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o IFAM,
06:52junto às comunidades do Aritapé, lá na região de Santarém,
06:55que passa a organizar esses grafismos em uma espécie de apostila, que as artesãs chamam,
07:04para elas entenderem, para elas retomarem.
07:07E aí elas se lembram, ah, minha avó fazia, mas esse conhecimento tinha sido perdido.
07:12Então a gente tem assim, é uma história dinâmica também essa da produção das cuias,
07:17que a gente vai e volta e interage com essa outra cultura material do passado na cerâmica,
07:23mas a gente não tem preservado de antes do período colonial.
07:28É a questão que a gente tem de ação desse encontro com a estética europeia e asiática.
07:35A questão é que essa produção, em diferentes momentos, a gente vê uma valorização
07:40ou uma desvalorização dentro da nossa própria sociedade,
07:43e isso vai desestimulando um pouco as artesãs que têm esse conhecimento.
07:48Ali em torno dos anos 2000 até 2015, 2017 mais ou menos,
07:54teve um movimento muito forte nessa região de Santarém,
07:57de fortalecimento, de organização da Associação de Artesãs Ribeirinhas de lá de Santarém,
08:03para que o modo de fazer cuias do Baixo Amazonas fosse listado como um patrimônio imaterial brasileiro.
08:16E elas conseguiram, em 2015, o modo de fazer foi considerado um patrimônio imaterial,
08:22então a cuia é considerada um patrimônio imaterial brasileiro
08:25e o modo de fazer é considerado um patrimônio imaterial.
08:28E nesse momento, então, toma um fôlego essa produção de cuia, principalmente no Baixo Amazonas,
08:35com pessoas interessadas em aprender a fazer,
08:38mas é justamente porque tem interesse de pessoas em comprar,
08:41principalmente essas mais ornamentadas, porque elas têm um valor simbólico maior
08:46e têm um valor econômico maior para sustentar essas artesãs.
08:51E, atualmente, isso não está precisando de um fortalecimento, novamente.
08:58É muito bom, inclusive, que esteja fazendo essa reportagem para chamar a atenção
09:01desse patrimônio e da valorização das pessoas que conhecem esse modo de fazer.
09:08Então, tem esses diferentes momentos.
09:12Quando a gente vai olhar a documentação histórica, século XVIII, século XIX,
09:16a produção de cuias era muito valorizada.
09:19Ali, nessa região de Monte Alegre e Santarém, tinha produção de 5, 6 mil cuias.
09:26E as cuias eram como uma moeda de troca, trocava por farinha, trocava por galinha.
09:31Então, elas tinham um valor econômico, além do valor simbólico,
09:36elas tinham um valor econômico muito importante nessa região.
09:39Isso vai se perdendo ao longo do século XX, principalmente,
09:42e agora foi retomado.
09:46E aí, esse valor dessas cuias que as próprias artesãs consideram melhor acabadas
09:54por causa dessa ornamentação, elas são valorizadas como objeto artístico,
09:59para decoração também, mas também como...
10:04para servir comida em restaurantes mais regionais,
10:08que querem trazer essa inspiração regional.
10:11Isso tem essa demanda, que a gente vê crescendo por aqui.
10:18Mas, para além disso, a produção de cuias é um negócio que,
10:22enquanto uma coisa comercializada, ela tem essas idas e vindas.
10:30Mas, enquanto um utensílio doméstico, ela perde, de fato, esse espaço
10:37a partir do momento que objetos de plástico, principalmente, vão sendo incorporados
10:41nas comunidades amazônicas.
10:43Mas esse é um conhecimento que diversas comunidades ao longo da Amazônia
10:47vão mantendo e passando.
10:50Em geral, vai passando na família, né?
10:52Da avó para a mãe para a neta.
10:53Aqui no Pará, a gente tem, tanto no Baixo Amazonas, que é muito forte,
10:58as comunidades, as artesãs do Baixo Amazonas,
11:01mas tem também em Abaitetuba, tem também...
11:05Eu sou de Orem, né?
11:06Sou de uma vila chamada Tupinambala, em Orem.
11:09E na vila onde eu cresci, tinham mulheres que faziam.
11:12Então, eu mesma experimentei fazer cuia quando era criança, assim,
11:14de... aquela coisa, quando a gente é criança, a gente está brincando, né?
11:18Mas, brincando, a gente vai aprendendo essas técnicas.
11:21Então, isso é algo que vai sendo passado ali,
11:26mas vai ficando em uma escala pequena, né?
11:28No cotidiano, as pessoas utilizam em menor...
11:32Isso todos os estudos apontam que tem sido utilizado
11:35nesse cotidiano das famílias ribeirinhas, por exemplo,
11:39que era um lugar onde era muito presente, tem diminuído.
11:44Enquanto isso, a gente vê sendo incorporado mais nos lugares urbanos,
11:47principalmente associado à venda de comidas típicas.
11:51E comidas típicas
11:56E comidas típicas
11:59Website que é um lugar nesse diferencial, né?
12:00C Capítulo de 52
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