No Só Vale a Verdade, Marco Antonio Villa recebe o sociólogo e cientista político, Bolívar Lamounier, para um debate crucial. Lamounier defende que o Brasil não pode manter um setor estatal do tamanho atual, apontando a falta de lideranças, problemas econômicos, a ausência de investidores e um mercado privado robusto, além da deficiente educação política da população.
Confira o programa na íntegra em: https://youtube.com/live/BI7i69yxs-o
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00:00Falando repensar o país, acho que essa é uma questão chave.
00:03Aí o senhor fez referência à questão da elite brasileira.
00:06Em certo momento da história, do século XX brasileiro,
00:09eu não sei se é um exagero, mas nós tínhamos uma elite econômica,
00:13política comprometida com o país.
00:15Por exemplo, vamos pegar um industrial, o senhor está falando de empresário,
00:18vamos pegar o Roberto Simos, alguém que tem um extremo compromisso com o país,
00:22que pensou até historicamente, escreveu até subhistória, e por aí foi.
00:26O que aconteceu, em que momento será?
00:28Eu sei que é complexo isso, em que essa elite passou a ter um comportamento,
00:35não sei se eu estou correto, é uma pergunta, é uma indagação que eu estou fazendo agora
00:38com base nas questões que o senhor falou, que lembra um pouco um personagem lá
00:42do primo Basílio, do Ésser de Queiroz, do Visconde Reinaldo,
00:45que saía de Paris e ia a Lisboa, chegava de óculos escuros porque odiava Portugal,
00:50pedia sempre um novo terremoto em Lisboa, tudo era ruim em Portugal e voltava para Paris.
00:55Só que ele vivia em Paris muito bem graças aos recursos provenientes de Portugal.
01:01Quer dizer, então havia um absoluto descumprimento dele com a vida em Portugal,
01:05e ficava muito bem lá em Paris.
01:09Em que momento essa elite, porque eu pegando um trecho do que o senhor falou,
01:12ela se descola do destino do país e opta, por exemplo, por morar nos Estados Unidos,
01:17ou morar na Europa, e não tem mais aquele compromisso de pertencimento,
01:22nessa noção de que todos nós fazemos parte desse país,
01:25desde o rico, o mais rico, o rico mais menos, até o pobre, o super pobre.
01:31Em que momento nós perdemos isso?
01:33Olha, eu aqui tenho, pegando o seu gancho e lembrar a grande figura que foi o Roberto Simonsen,
01:46mas eu tenho que fazer uma crítica a ele também.
01:50Ele queria manter um crescimento acelerado no Brasil, a industrialização do Brasil,
01:56mas ele se esqueceu de fazer uma conta muito simples.
02:02O Brasil sempre quis crescer com o capital estatal.
02:08Mercado era uma palavra, era um palavrão.
02:12Queria crescer com o capital estatal.
02:14Pois bem, acontece que nós estamos dizendo até hoje que as contas do orçamento mal fecham.
02:20Quer dizer, para dizer, essa é a arrecadação, esse é o gasto.
02:25Até hoje nós temos dificuldade em fazer essa operação tão simples.
02:31Agora me explique como é que um país pode crescer até chegar a ser um país decente,
02:38uma potênciazinha respeitável,
02:41se ele insiste em usar só capital estatal e tecnocratas
02:46e não abre para o capital estrangeiro e usa mais o capital brasileiro.
02:54Isso é pão, pão, queijo, queijo.
02:57O Edmar Bacho, nosso grande professor de economia, o pai do real,
03:02tem um estudo maravilhoso em que ele mostra que os países que desde a Segunda Guerra
03:09conseguiram pular do atraso completo para o nível de países desenvolvidos,
03:15ouvido, vamos dizer, uma Coreia do Sul, por exemplo, Austrália,
03:19esses países abriram a economia.
03:22Quer dizer, passaram a vender mais e a comprar mais.
03:26Se você não compra, você não vende.
03:29Isso é uma economia fechada.
03:30Nós sempre quisemos ter uma economia fechada.
03:33Mas se você não abre, se você não compra, você também não vende.
03:39E com isso você fica uma economia nacionalista, né?
03:43Esperando que o setor público tenha um superávit capaz de ser transformado
03:49em investimento para que a indústria cresça.
03:53Muito bem.
03:54E suposto, veja bem, a indústria brasileira chegou a representar 27% do produto total.
04:03Hoje representa 11%.
04:06Então, esses nomes são aterradores.
04:09Por que aconteceu isso?
04:10Porque só com superávit público que não existe, você não pode crescer.
04:17Então, as figuras, as lideranças são admiráveis.
04:22Mas se você não cair na real de que o Brasil não pode manter um setor estatal do tamanho que tem,
04:30é impossível.
04:33Gostando ou não do palavrão liberal, é preciso privatizar e criar um mercado mais pujante.
04:42Sem isso é impossível.
04:44É simplesmente impossível.
04:46E nós já deveríamos estar fazendo isso como consequência do plano real do Fernando Henrique.
04:54Quando estabilizou a economia e a inflação deixou de nos atormentar, nós já devíamos ter engrenado uma terceira num programa de reestruturação da relação entre o Estado e o setor privado.
05:07Dando mais espaço para o setor privado, atrapalhando menos e dando mais incentivos.
05:16Uma estrutura tributária mais correta, adequada, etc.
05:19Se tivéssemos feito isso há 22 anos atrás, quando o Lula assumiu, nós já estaríamos em outro patamar, sem a menor dúvida.
05:33Do jeito que está, quer dizer, o Lula não passa um dia sem xingar o setor privado, nós não vamos ter lugar nenhum.
05:41Nós vamos ficar nesse lugar.
05:42Nós estamos crescendo, em média, vamos dizer, 2,5%, máximo 3%, 2,5% ao ano o produto.
05:52Bom, crescendo nesse ritmo, nós vamos levar uma geração inteira, quase 30 anos, para dobrar esse PIB per capita, o que já é uma mediocridade.
06:07O que já é uma mediocridade.
06:09Eu estou falando de uma geração inteira, entende?
06:13Nós estamos tendo essa crise agora, que é meramente orçamentária, é briga de congresso,
06:20mas daqui a 15 anos nós vamos ter uma muito mais grave, porque nós não estamos criando um mercado privado, investidores privados,
06:31que tragam tecnologia, entende que sejam, de fato, empreendedores, a gente que quer ver o país crescer rapidamente.
06:40A razão é essa, não há outra.
06:43Eu me lembrei também de uma música do Chico Buarque, Carolina.
06:49Carolina, o tempo passou na janela e só Carolina não viu, né?
06:55Então, nós não vimos.
06:59Agora, professor, nós estamos tendo uma encalacrada, uma linguagem mais popular.
07:03De um lado, nós temos uma elite que não consegue ser elite, no sentido de ser elite dirigente.
07:08Os partidos políticos não conseguem se construir ideologicamente como partidos políticos.
07:12São ajuntamentos, numa linguagem mais vulgar.
07:15Não são partidos no sentido clássico daquilo que nós aprendemos.
07:18Nós temos uma parte do eleitorado, o senhor mesmo apontou, que vive uma situação econômica gravíssima,
07:25que luta pela sobrevivência, luta pela alimentação do amanhã.
07:29E olha lá se vai conseguir.
07:31Numa escolaridade muito baixa, que leva uma baixíssima qualificação da Força de Trabalho,
07:37no momento que o mundo passa pelas mais radicais transformações do mundo do trabalho da história,
07:42no menor espaço de tempo.
07:44Bem, como é que nós ficamos, então?
07:46Olha, eu acho que há vários caminhos, mas o meu predileto é o seguinte.
07:52Em vez de política ser um palavrão, vamos tornar uma palavra séria.
07:56Eu estou começando uma espécie de pequena escola para discutir, ensinar mesmo, ensinar.
08:05Eu vou perder um pouco aqui a modéstia.
08:08Política, discutir política séria.
08:11É claro que as universidades fazem isso muito bem do ponto de vista curricular.
08:15Ah, você tem que começar em algum lugar.
08:18Então, as universidades começam, Aristóteles, Platão, etc.
08:23Ensinam a fazer pesquisa, ensinam a fazer pesquisa de opinião.
08:26Tudo bem, isso é necessário e as universidades fazem isso muito bem.
08:30Mas eu estou falando de uma coisa muito mais séria.
08:32O que é política?
08:34Por que nós nos encalacramos dessa maneira?
08:40Nós temos que ir fundo na questão.
08:42Quer dizer, cada cidadão razoavelmente alfabetizado, vamos dizer, metade do bacharelado na universidade,
08:52após graduação, e os profissionais já estabelecidos,
08:57mas que já esqueceram grande parte do que aprenderam.
09:03Só para te dar um exemplo.
09:05É uma conta muito interessante que eu gosto de fazer.
09:08Você se lembra daqueles quatro anos fatídicos,
09:13quando os militares queriam vetar a posse do Jango?
09:18Sim.
09:18Tentaram, aí ficou um vai ou não vai.
09:25Só para lembrar quem nos acompanha, foi em 1961.
09:29Ah, 64.
09:30É, foi a crise de renúncia de 25 de agosto do presidente Jânio Quadros,
09:35o vice-presidente, ele estava no exterior numa viagem oficial.
09:39Legitimamente eleito, embora não pertencesse a uma mesma chapa,
09:44porque assim era a Constituição.
09:45Lembrar quem nos acompanha, foi a característica da Constituição de 46,
09:50você votava para prefeito e para vice, separado, não tinha chapa,
09:54governador e vice, presidente e vice,
09:57porque na composição do presidente João Aguilar,
10:01o candidato a vice pela segunda vez, se ia ser o vice de Juscelino Kubitschek,
10:05era o Marechal Lotte, né?
10:06Era o candidato.
10:07Então só lembrar, e aí começamos uma grave crise,
10:10que foi até o final de março, abril de 1964,
10:13uma crise política gravíssima.
10:15Quase nos levou a uma guerra civil.
10:17Perfeito.
10:18Veja, então, quando o Jango, que era o vice legitimamente eleito,
10:24dentro das regras da época,
10:26que não o obrigavam a estar no partido do presidente eleito,
10:30ele estava em viagem oficial à China.
10:33Quando o Jânio renunciou,
10:37imaginando que o povo ia levá-lo de volta nos ombros ao palácio,
10:42os militares, então, os três comandos militares,
10:45disseram, ele será preso no momento em que pisar no solo brasileiro.
10:50Bom, nós estamos falando de uma coisa séria, né?
10:53Muito séria.
10:55Então, conversa para lá, conversa para cá.
11:00Mesmo os militares, embora percebendo que aquilo podia nos levar a uma guerra civil muito séria.
11:08O Brizola, lá no Rio Grande do Sul, levantou a brigada militar do Rio Grande do Sul,
11:12que era muito forte.
11:14Então, aquilo foi indo e o Jango não tinha como assumir o poder.
11:21E, finalmente, o Jango aceitou assumir
11:25numa fórmula supostamente parlamentarista,
11:30que de parlamentarismo não tinha nada, só para assumir.
11:33Olha lá.
11:34Até a pedra da minha rua sabe que o Jango assumiu já com o plano
11:40de, no dia seguinte, começar a sabotar o sistema
11:43para, uma hora qualquer, antecipar o plebiscito previsto para 1965.
11:52E aí, então, assumir a presidência na plenitude dos poderes.
11:57Bem, você está falando de um momento absolutamente crucial na história do Brasil.
12:04Eu vou concluir a minha peroração.
12:08Uma pessoa que, naquela época, tivesse...
12:12Uma pessoa que tenha hoje 30 anos, não sabe desses acontecimentos.
12:17Não era nascida ainda.
12:19Não era nascida.
12:21O que tinha 80 anos, sabe.
12:24Mas já esqueceu o que foi, quem falou.
12:28Sabe por que deu aquela confusão toda?
12:30Por que não foram no feijão com arroz, como diz o Maílson?
12:36Cumpre o que está escrito, como no Jogo do Bicho.
12:40Cumpre o que está escrito.
12:42Põe o sujeito da presidência e estamos conversados.
12:45Aquilo não teria acontecido.
12:47O resultado daquilo foi uma quase guerra civil.
12:50Entende?
12:51E, no final do período Jango, uma inflação de 80% ao mês,
12:58sem correção monetária.
12:59Coisa que é impensável, né?
13:03Ou seja, foi um trauma terrível que as pessoas no Brasil desconhecem,
13:08porque os muito jovens não sabem, os muito velhos já se esqueceram.
13:13Então, quando eu falo, eu quero ensinar,
13:17eu quero, na verdade, lembrar as pessoas coisas que elas, de fato, sabem,
13:22mas precisam ter aquecida a memória
13:25para que elas vejam que uma crise política,
13:30uma pancadaria, uma guerra em alguma região
13:33acontece muito mais facilmente do que elas imaginam.