No Direto ao Ponto, o infectologista Dr. Ricardo Sobhie Diaz, pós-doutor e pesquisador da Unifesp, afirma que o preconceito ainda dificulta o acesso à prevenção do HIV no Brasil. O especialista explica avanços da PrEP injetável, medicamentos de longa duração e uma terapia celular inédita que pode reduzir a carga viral. Diaz detalha desafios para chegar à cura e alerta para erros históricos que atrasaram o combate à doença.
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00:00Até porque lá atrás esse preconceito e essa hipocrisia foram justamente as condições que fizeram com que a infecção se alastrasse de homens que faziam sexo com homens para todo o restante da sociedade, né professor?
00:14Foi assim que a gente conseguiu fazer com que se feminilizasse, com que ela se interiorizasse, com que ela se pauperizasse, foi a transmissão do HIV.
00:23E a gente errou muito na prevenção, né? A melhor forma que a gente tem de controlar uma doença transmissível é prevenindo, ou qualquer doença, é prevenindo.
00:36A prevenção é a melhor coisa. E aí, na hora que a gente fala de infecção, de doença transmissível, a melhor prevenção que a gente tem é vacina.
00:43Não temos vacina para o HIV, né?
00:47E aí a gente errou muito porque a gente tentou interferir em comportamento das pessoas.
00:52Isso daí não é certo, né? Você tentar interferir em comportamento das pessoas da forma truculenta como a gente fez.
01:01Então, a gente não desiste, a gente faz as pessoas usarem preservativos, mas se isso não funciona, a gente tem que achar outros caminhos, outras alternativas.
01:10E é o que a gente fez com uma coisa chamada de estratégias biomédicas para a prevenção do HIV.
01:17A gente inventou coisa. A gente começou a tratar as pessoas e ver que isso daí diminuía a transmissão do HIV.
01:22A gente começou a ter o modelo de anticoncepção.
01:29O modelo de anticoncepção não é o seguinte, você toma um comprimido todo dia e não engravida.
01:34Você dá um medicamento todo dia para a pessoa e não prega HIV, isso é a PrEP.
01:38Ou você tem uma relação sexual e toma a pílula do dia seguinte e não engravida.
01:44A gente faz a mesma coisa com o HIV, que chama PEP.
01:46Você tem uma exposição, você toma medicamento para não ter HIV.
01:50A gente faz circuncisão para diminuir a quantidade de vírus, a gente usa microbicidas.
01:56Então, isso daí é conhecimento que a gente foi acumulando nessas estratégias biomédicas.
02:01E a gente começa a perceber que a gente não pode errar tentando fazer com que as pessoas mudem o comportamento.
02:11Olha o que a gente fez, a gente criminalizou o HIV.
02:14É.
02:15Então, isso daí não é certo.
02:17Você quer acrescentar algo, Moura?
02:18Passa uma questão dentro desse aspecto da PrEP.
02:23Falou sobre o uso diário do medicamento.
02:27E há estudo mostrando que usando o injetável a cada seis meses pode ter um resultado mais positivo.
02:33Há um estudo recente que fala sobre isso.
02:36É isso o caminho?
02:37Sim, isso daí é fenomenal.
02:39Existem várias estratégias para a gente prevenir com medicamento.
02:42Primeiro, que a gente pegava uma parte do coquetel, não um coquetel inteiro, e tomava todo dia.
02:48Enquanto precisasse para prevenir.
02:50Depois a gente percebeu que não precisava tomar todo dia.
02:53A gente podia tomar a mesma parte do coquetel por um período mais curto.
02:58Tomava antes e dois dias depois.
03:00Prevenia também.
03:03Depois a gente começou a ter aqueles medicamentos de longa duração usando nanotecnologia.
03:08E a palavra é bonita, mas significa que você toma um medicamento e ele dura muito tempo no seu corpo.
03:14E aí a gente começou a fazer PrEP com uma injeção no músculo a cada dois meses.
03:18Que é muito melhor do que tomar os comprimidos.
03:22E agora a gente tem um medicamento que a gente faz subcutâneo a cada seis meses.
03:26Você sabe o que aconteceu na África?
03:28Na África não teve nenhuma mulher no estudo desse medicamento subcutâneo que tenha pego HIV.
03:36Sabe por que isso é importante?
03:38Porque na África mais da metade das pessoas com HIV são mulheres.
03:43E você sabe por que é importante?
03:44Porque é a mulher que transmite para a criança.
03:47Então na hora que você tem esse instrumento é para a gente não só aplaudir,
03:52mas fazer um esforço para dar esse medicamento para todo mundo na África.
03:55Todas as mulheres na África.
03:57Professor, eu tenho uma curiosidade em relação a essa questão do coquetel.
04:00Qual é a principal diferença entre o coquetel que já se tem disponível para o tratamento,
04:06de quem convive com o HIV, desse coquetel que vocês desenvolveram ao longo da pesquisa?
04:13Quais são as principais características e diferenças entre eles?
04:16O que essa junção de medicamentos e substâncias traz de diferente no caso da pesquisa que vocês conduzem?
04:24Isso é interessante porque lá em 2012 a gente começou a perceber que a gente tinha que avançar em alguns problemas que a gente tinha na pessoa com HIV.
04:36Esses problemas eram o fato de que a gente tratava, a pessoa tinha uma expectativa de vida que poderia ser até maior do que quem não tem HIV,
04:44mas ela continuava com um ambiente ruim no corpo, porque ela continuava inflamada.
04:50E a gente sabia que além disso a gente teria que tentar curar as pessoas.
04:54Por que eu falei desses dois problemas?
04:56Porque a causa é a mesma.
04:58A causa da inflamação que as pessoas têm com o tratamento
05:02e o fato de elas não se curarem está no fato de que elas têm uma quantidade de vírus no corpo
05:08que está dormindo, que está latente, e isso daí vai produzindo um ambiente ruim no corpo da pessoa
05:17e é uma barreira para a gente curar.
05:20E aí a gente começou a entender que a gente tinha que diminuir a quantidade de células.
05:25Se você diminui a quantidade de vírus que está lá dormindo no corpo da pessoa,
05:30primeiro ela vai inflamar menos e vai ter esse processo de lesão do corpo dela mitigado.
05:36e segundo ela fica perto da cura e pode se curar.
05:43Mas tem um preço.
05:45O preço é que você tem que tomar um monte de medicamento por enquanto.
05:49Não temos uma penicilina que elimine o HIV ainda.
05:55Então a gente associa várias estratégias.
05:58E a gente começou a entender que as pessoas não se curam
06:01porque o vírus continua se multiplicando às vezes um pouquinho no corpo
06:05e aí a gente fortaleceu o esquema de tratamento, um coquetel mais fortalecido.
06:11A gente viu que a gente tem que acordar esses vírus que estão dormindo.
06:15Então a gente começou a usar medicamentos que acordam o vírus.
06:18Como é que é? É como se o senhor expusesse o vírus para que os anticorpos o atacassem?
06:24Isso daí é uma outra coisa.
06:25Mas olha que interessante.
06:26Você sabe que a gente trata as pessoas com HIV e na hora que você para o tratamento o vírus volta.
06:33Ela não está curada.
06:35Às vezes demora, às vezes é rápido, mas o vírus volta.
06:38Sabe por que ele volta?
06:39Porque tem uma quantidade de vírus dormindo e eles vão acordando.
06:43E na hora que ele acorda, começa tudo de novo.
06:46E aí os modelos matemáticos mostraram que se você tratar essa pessoa direitinho
06:53todos esses vírus dormindo e eles vão acordando.
06:56É como se você tivesse um balão de vírus dormindo ali.
07:00E esse balão vai diminuindo ao longo do tempo
07:03porque os vírus vão acordando.
07:05E o modelo matemático mostrou que ele pode zerar
07:07e a pessoa pode ficar curada e demora 80 anos.
07:10E aí a ideia é a gente acelerar esse processo
07:15acordando os vírus mais rápido.
07:16Fazer 80 anos virar um, dois.
07:19E tem medicamento que faz isso.
07:21Todo mundo estuda isso daí.
07:24Nosso estudo inovou porque foi o primeiro que usou nas pessoas
07:26não um, mas dois medicamentos que acordam o vírus.
07:30E aí a gente também tem que aprender
07:32com o que acontece, por exemplo, no tratamento do câncer.
07:38O HIV de quem está tratando com o coquetel
07:43fica parecendo um câncer das células do sangue.
07:48Leve, que não vai matar as pessoas.
07:50E você sabe como você combate o câncer?
07:54Você mata a célula cancerosa.
07:56E aí a gente também percebeu que tem que ter medicamentos
08:00para matar essas células e a gente testou um deles,
08:03juntou um deles nisso daí.
08:05Que seria qual?
08:06Isso é uma oranofina.
08:07O oranofina é um sal de ouro que simplesmente mata essas células
08:10que tem o HIV com a vida longa, dormindo, nesse tipo.
08:15E a gente percebeu também que a gente precisa da imunidade
08:18porque tem lugar que o coquetel não chega.
08:21E aí você teria que eliminar de acordo com a tua imunidade.
08:24É aí que a gente fez essa vacina, que na verdade é uma terapia celular.
08:27E aí a gente, é uma vacina complexa, é porque você tem que tirar.
08:34A gente tira o sangue da pessoa, pega uma celulazinha dela,
08:37vai lá no nosso laboratório, muda essa célula.
08:40Meu Deus.
08:40Pega o perfil do vírus que a pessoa tem, desenha pedacinhos para estimular essa célula.
08:47Cada pedacinho vai depender do HLA, do contingente genético daquela pessoa.
08:53E aí a gente coloca ali e injeta como se fosse uma terapia celular.
08:57É complicado, mas tem tanta coisa complicada na medicina
09:00que isso daí não é o pior obstáculo.
09:04A gente já venceu complicação em oncologia, em hematologia, em reumatologia.
09:09Então se der certo, vai dar certo para algumas pessoas.
09:12É o que a gente precisa.
09:14Para a gente viver num mundo sem AIDS, sem HIV,
09:19a gente não pode mais ter transmissão para criança.
09:22A gente tem que diminuir a transmissão de pessoa para pessoa.
09:26A gente vai ter que ter, em algum momento, uma vacina.
09:29E a gente vai ter que curar as pessoas.
09:30Então não dá para a gente sair disso.
09:33Então é a nossa obrigação procurar isso também.
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