Uma frota de embarcações militares dos Estados Unidos em direção à América do Sul deve chegar a águas internacionais na costa da Venezuela neste domingo (24), aumentando a tensão entre a Casa Branca e o governo de Nicolás Maduro. O professor de relações internacionais Marcus Vinícius de Freitas analisa o assunto.
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00:006 horas e 46 minutos, a gente muda de assunto porque uma frota de embarcações militares dos Estados Unidos em direção à América do Sul
00:08deve chegar a águas internacionais na costa da Venezuela neste domingo, aumentando a tensão entre a Casa Branca e o governo de Nicolás Maduro.
00:18Para tratar desse assunto, o Jornal da Manhã recebe o professor de Relações Internacionais, Marcos Vinícius de Freitas.
00:24Professor, muito bom dia, muito obrigado por nos atender mais uma vez.
00:28Bom dia, é um prazer conversar com vocês sempre.
00:31Professor, essa movimentação americana em águas internacionais, mas muito próxima da Venezuela, principalmente depois do Trump ter dito que o Nicolás Maduro tem muita ligação com o tráfico de drogas,
00:45que comandaria esse tráfico a partir da Venezuela e que poderia estar entrando também nos Estados Unidos.
00:52É algo para a gente se preocupar ou é mais uma mensagem de alerta para o próprio Maduro?
00:59É interessante, não é, Nonato?
01:01Porque a quantidade de pessoas que foram enviadas nesse processo todo é importante na questão de combate ao narcotráfico,
01:12mas para tentar ali impedir que haja avanços ou remessas ou qualquer tipo de tráfico mesmo de drogas, mas não é suficiente para você ter uma ação militar no território venezuelano.
01:30E a gente sabe que o presidente Trump gosta muito desse tipo de atuação no sentido de querer, não é?
01:37Nós vimos ele colocando os submarinos nucleares, fazendo aquela movimentação em direção à Rússia.
01:44É uma tentativa de reenfatizar o poder dos Estados Unidos, mas o que a gente observa é que é mais uma questão de mensagem do que de ação efetiva.
01:57Até porque, embora o governo norte-americano não reconheça Maduro e já não faz desde aquele episódio com o Guaidó,
02:07pouco se conseguiu de fato alterar o cenário.
02:11E o que a gente nota, e aqui é uma coisa muito importante a enfatizar também,
02:15isso é resultado muito da cabeça do secretário de Estado, o Marco Rubio,
02:22que foi, que cresceu filho de cubanos com essa mentalidade de combate a qualquer regime e principalmente se apoiar Cuba.
02:32Então, tudo faz parte deste pacote de tentativa de criar uma situação difícil para Maduro
02:40e tentar criar uma insurreição doméstica e, claro, apoiado pelos venezuelanos e cubanos e outros que vivem particularmente na Fórida.
02:50Agora, professor, bom dia. Olhando como um todo, volta e meia os Estados Unidos, eles interferem aqui na América Latina.
02:58Isso faz parte da história? Qual que é o interesse maior disso?
03:02E desde quando que faz parte, aproveitando a sua experiência aí como professor de relações internacionais?
03:06O que a gente nota, Paula, bom dia, é justamente essa tentativa que os Estados Unidos tiveram
03:13de sempre tratar a América Latina como seu quintal.
03:17Nós temos ali até uma doutrina estabelecida pelo presidente Monroe nos Estados Unidos
03:22de que a América, o continente americano, não deveria sofrer aí a interferência ou intervenção de outros
03:29que não fossem os Estados Unidos. Então, uma tentativa de vetar a ação externa.
03:34O que nós notamos nesse processo todo é que essas atuações, a exceção de países como Panamá,
03:42México e alguns países da América Central, que necessariamente sempre terão uma proximidade maior com os Estados Unidos,
03:53como, por exemplo, a Costa Rica, que é o grande resort dos Estados Unidos,
03:58e Porto Rico, que é o estado associado, o que a gente nota é que essas ações dos Estados Unidos na região
04:05têm sido, de fato, ao longo do prazo, uma das razões pelas quais os partidários dos Estados Unidos
04:14venham perdendo espaço politicamente e você nota como resultado disso um avanço da China
04:21como parceiro mais importante da região.
04:24Então, este tipo de situação, ele não consolida a influência norte-americana,
04:32que de fato deteriora ainda mais.
04:35Porque mesmo que os Estados Unidos sejam um nível opositor na Venezuela,
04:40o Maduro continua sendo presidente da Venezuela,
04:42e mesmo com o embargo norte-americano a Cuba por várias décadas,
04:47a família Castro e o regime implantado por Fidel Castro ainda continuam prevalecendo em Cuba.
04:54Então, o que a gente nota é que este tipo de atuação,
04:58embora tenha este efeito de amedrontar, de querer criar um impacto maior,
05:04ao longo do prazo tem, de fato, deteriorado a relevância dos Estados Unidos na região.
05:13Agora, professor, o governo Trump tem uma preocupação muito grande com a questão das drogas.
05:17Citou isso relacionado a cartéis na Venezuela,
05:20tem a preocupação também ali com a região do México,
05:24que faz fronteira com os Estados Unidos.
05:26E nos últimos dias, quinta e ontem, a gente acompanhou alguns atentados ocorrendo na Colômbia.
05:30Colômbia que, de triste memória, de anos 80 e 90,
05:33que travou muitas guerras contra o narcotráfico.
05:37E aí a gente lembra muito da figura do Pablo Escobar.
05:39Mas também o México, o Departamento de Narcóticos Americanos,
05:44a agência DEA, chegou a perder até integrantes nessa luta contra o narcotráfico.
05:49E o Trump tem muita atenção em relação a isso.
05:52Preocupa o senhor esse retorno dessa violência na Colômbia nesse momento também
05:59e que parece estar relacionado ao narcotráfico,
06:02pelo menos é aquilo que o governo diz?
06:05Ou seja, a gente pode ter um cenário mais perigoso para os colombianos também?
06:09São duas coisas importantes, viu, Nonato, que você traz aqui à discussão.
06:17Qual é o mecanismo mais efetivo de combate ao narcotráfico?
06:22Se nós lembrarmos, já nos anos Reagan,
06:26a ideia de você combater o narcotráfico na origem,
06:32a gente nota que a política até hoje não funcionou efetivamente.
06:35O que você nota, e a história tem mostrado, por exemplo,
06:40como o caso chinês, ou outros, ou Singapura mesmo,
06:44que você precisa combater na distribuição.
06:49Então você precisa impedir nos Estados Unidos
06:52que grupos distribuam essa droga.
06:55Então nós observamos que essa tentativa é válida
06:59de querer reduzir ali a questão do tráfico na origem,
07:04mas o problema todo é que existe um mercado consumidor
07:07e este mercado consumidor tem os seus distribuidores locais
07:11e estes é que deveriam ser combatidos efetivamente
07:15para que a ação tenha aí uma maior validade.
07:18Então eu sempre comento que valeria muito mais a pena
07:22gastar muito mais esforço no combate doméstico do que no externo,
07:26porque o externo tem outros tipos de situação
07:30que não levam aí a uma efetividade concreta
07:36diante do cenário doméstico.
07:39Em segundo lugar, e aqui vale a pena enfatizar isso,
07:43é que o narcotráfico ele encontra na América Latina
07:47e em outros países também
07:48um terreno muito fértil para o seu crescimento,
07:52porque ele tem aí nos últimos anos aumentado a sua influência política
07:58de uma maneira muito perceptível pela população.
08:04Então se na Colômbia eles elegeram Escobar
08:07e rejeitaram ele, a participação dele no Senado,
08:11isso foi fazendo, o narcotráfico criou outras alternativas
08:18e outros meios de dominar politicamente a agenda desses países.
08:23Então o problema é isso,
08:24quando o tráfico de drogas se torna aí
08:28uma necessidade para a existência de vários atores políticos entre o Estado.
08:36Então talvez aí pudesse ter uma atuação mais importante
08:40nos Estados Unidos no sentido de fazer com que politicamente
08:44o narcotráfico perdesse um pouco da sua importância.
08:48Mas enquanto houver, e aqui é importante enfatizar novamente,
08:53as redes domésticas de distribuição,
08:55isso faz com que o narcotráfico sempre encontre alternativas
08:59para chegar no consumidor final.
09:02Agora professor, como que fica onde entra o Brasil,
09:06porque há uma preocupação também,
09:07como que a gente fica nessa tensão entre Estados Unidos e Venezuela?
09:11Nós temos aí uma proximidade política com a Venezuela
09:17desde o governo Fernando Henrique,
09:21não é uma política nova esse tipo de situação,
09:24e os venezuelanos ressentem muito o fato de que o Brasil foi ali
09:29desde o início um apoiador de primeira hora do Chaves e depois do Maduro.
09:34Isso se deve ao fato de que, equivocadamente,
09:37nós acreditamos que nós ganharíamos o mercado venezuelano
09:43como um mercado consumidor e não levamos em consideração
09:47que o crescimento do Brasil e a sua presença econômica na Venezuela
09:52se deveu muito mais ao fato de que o Chaves tinha problema com o Uribe
09:57quando presidente da Colômbia do que efetivamente uma busca
10:00de uma ampliação do relacionamento bilateral com o Brasil.
10:04Então, os venezuelanos ressentem muito este apoio que o Brasil tem dado à Venezuela,
10:10porque tem criado justamente aquele impacto econômico
10:14que a gente observa na questão de fronteiras e no número de migrantes venezuelanos
10:19vindo para o Brasil, mas efetivamente buscando, a partir do Brasil,
10:23migrar para os Estados Unidos.
10:25Mas o que a gente nota, e aqui é muito importante enfatizar,
10:28é que a política norte-americana contra o narcotráfico
10:32e essa tentativa de equiparar ao terrorismo é muito importante,
10:39porque o que nós observamos, e isso é uma realidade em muitos países,
10:46é que o narcotráfico tem aí assumido uma presença política cada vez mais intensa
10:53e uma presença econômica cada vez maior.
10:57Eu sempre me recordo de um aluno meu que trabalhava numa empresa de automóveis
11:02dizendo que na Colômbia, por exemplo, você não consegue abrir concessionárias
11:08se você não quiser que haja que os empresários relacionados ao setor
11:13tenham ali qualquer tipo de relacionamento com o narcotráfico.
11:17ele consegue se misturar na sociedade de tal maneira que todos os negócios
11:23passam a ser afetados por isso.
11:25E no Brasil não tem sido diferente.
11:27Nós temos observado aí o crescimento do narcotráfico, do crime organizado
11:33com a sua presença na política brasileira, no judiciário, em todas as instâncias do Estado.
11:40E isso é muito perigoso porque você passa a ter um Estado paralelo
11:44que vai se tornando efetivamente a realidade governamental de um país.
11:49Isso é uma tragédia no longo prazo, porque uma vez instaurados no poder
11:55diante da fraqueza dos agentes democráticos, eles tendem a se perpetuar
12:01e aí você passa a ter uma situação de enorme instabilidade doméstica.
12:06E o grande problema é que, infelizmente, o narcotráfico paga muito melhor
12:11os seus agentes do que efetivamente as políticas governamentais
12:17ou os agentes privados sérios poderiam fazer.
12:20Professor Marcos Vinícius de Freitas, muito obrigado pela gentileza da entrevista.
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