O Jornal da Manhã recebe o professor de Relações Internacionais e especialista em Oriente Médio, Andrew Traumann, para analisar a escalada do conflito entre Israel e Irã. Segundo ele, “o conflito está longe de ser de igual para igual”.
Baixe o app Panflix: https://www.panflix.com.br/
Inscreva-se no nosso canal: https://www.youtube.com/c/jovempannews
Siga o canal "Jovem Pan News" no WhatsApp: https://whatsapp.com/channel/0029VaAxUvrGJP8Fz9QZH93S
00:00Bom, e ainda sobre esse assunto, nós recebemos agora aqui o professor de História das Relações Internacionais, Andrew Trauman.
00:08Bom dia, Andrew. Seja bem-vindo aqui ao Jornal da Manhã.
00:13Bom dia, bom dia. É um prazer estar aqui com vocês.
00:16Professor, queria começar perguntando para o senhor como que está, nesse momento, o sistema de defesa de Israel.
00:23O domo de ferro funciona, eles têm equipamentos suficientes ou, dessa vez, é um conflito de igual para igual com o Irã?
00:33Não, não. Longe de ser um conflito de igual para igual.
00:37O que ocorre, na verdade, é que quando alguns dos mísseis iranianos conseguem cair em solo, conseguem chegar em solo, isso ocorre por quê?
00:48Porque o Irã lança mísseis em grandes quantidades, justamente para tentar, para usar uma linguagem bem simples,
00:55tentar bugar o sistema israelense, que não consegue derrubar tantos mísseis.
01:01Israel derrubou a maioria absoluta dos mísseis, e boa parte dos feridos em terra são feridos pelos destroços desses mísseis, quando esses mísseis caem.
01:11Então, não é que as pessoas, tanto é que nós temos, as informações que eu tenho, são de três mortes em Israel.
01:18Você tem 40 feridos e três mortes.
01:21Então, isso é causado muito mais pela queda dos destroços do que por qualquer outra coisa.
01:26Mas o domo de ferro, ele está agindo bem, ele está conseguindo defender bem desses ataques,
01:33até porque também, uma coisa que eu acho importante ressaltar, é que os mísseis iranianos, eles não são mísseis, assim, de ponta, de alta tecnologia, né?
01:46Eles são mísseis relativamente fáceis de você deter, até porque o Irã é um país, assim, que está sob embargo faz 40 e poucos anos,
01:54tem uma defasagem tecnológica muito grande em relação a Israel.
01:56Por isso, repito, essa coisa de lançar mísseis em grande quantidade para tentar, algum ou outro, tentar atingir algum alvo.
02:06Professor, dá para a gente fazer, rapidamente, uma cronologia de como é que desandam essas relações Israel e Irã,
02:13à medida em que já foram amigos no passado, né, até a chegada do Khomeini ao poder em 79,
02:19mas mesmo nos anos 80, quando a gente tinha Irã e Iraque, Israel também deu algum apoio ao Irã.
02:24Quando é que a coisa desanda, professor?
02:26É, exatamente, né? Nos anos 80, o grande inimigo era o Iraque, né?
02:31O inimigo do Ocidente, o inimigo de Israel, enfim, era o Iraque, era Saddam Hussein, tudo isso.
02:38O que que vai acontecer?
02:40A partir dos atentados de 11 de setembro, né?
02:43A gente vai ter a invasão norte-americana ao Iraque.
02:48E o Irã, como o Irã foi colocado pelo governo George W. Bush,
02:52como também um membro do que ele chamou na época de eixo do mal, né, era Iraque, Irã e Coreia do Norte.
02:58Como que o governo iraniano viu isso?
03:00O governo iraniano observou o seguinte, olha, eles, o Iraque havia se desarmado,
03:05eles invadiram o Iraque.
03:07A Coreia tem a bomba, ninguém mexe com a Coreia do Norte.
03:11Então, o que que a gente vai fazer? Vai ter a bomba também.
03:13Então, a partir de 2002, 2003, o Irã começa a acelerar esse projeto nuclear, né?
03:22E também, pra tentar sair do seu isolamento internacional,
03:26ele começa a usar os seus aliados regionais,
03:30na época, até dezembro do ano passado, a Síria do Bachar Al-Assad,
03:34até bem pouco tempo atrás, até a morte do Hassan Nasserallah, o Hezbollah,
03:39e tentar angariar uma popularidade internacional, digamos assim,
03:44como defensor do povo palestino.
03:47Então, esse é um discurso muito político.
03:49Houve uma época em que o Irã também era bem próximo do Hamas, né?
03:53E aí ele vai tentar fazer esse cerco contra Israel.
03:58Então, a coisa começa a ficar, a escalar dessa forma,
04:01porque Israel tem bombas atômicas, apesar de não admitir oficialmente,
04:05todo mundo sabe disso, e não admite que outro país tenha, né?
04:09Então, o Irã busca a sua bomba atômica pra tentar se proteger de algum ataque.
04:14Exatamente, Israel atacou agora, antes que o Irã a tenha e que impeça de atacar.
04:21Professora, eu vou chamar os nossos comentaristas pra também conversar com o senhor.
04:26Henrique Kregner, sua pergunta, por favor.
04:28Bom dia, professor. Obrigado por estar aqui conosco hoje.
04:32Professor, eu queria entender um pouco mais sobre o ambiente doméstico
04:35e o impacto desses ataques e desse conflito no Irã, né?
04:40O ambiente doméstico iraniano.
04:43É bem verdade que a gente viu uma...
04:46A gente tem visto, na verdade, manifestações cada vez mais constantes contra o regime da revolução, né?
04:54Que aconteceu na revolução iraniana.
04:56A gente viu também, aí nas últimas eleições no Irã,
04:59uma abstenção recorde, quase 40% da população que realmente não foi às urnas.
05:06Esses conflitos, eles podem ser usados como uma manobra de propaganda agora,
05:11por parte do governo iraniano, pra tentar fortalecer a ideia do regime?
05:14Olha, isso já tem precedentes, viu?
05:19Quando o Iraque invadiu o Irã em 1980, ocorreu basicamente a mesma coisa.
05:25Porque houve uma tomada do poder pelos ayatollahs.
05:29Eu até gosto mais de chamar a revolução iraniana de iraniana em vez de islâmica,
05:34como outros autores chamam.
05:37Porque foi uma revolução feita pelos religiosos,
05:40mas também pela classe média, também pelos liberais,
05:43também por setores da esquerda.
05:45Foi uma revolução que uniu praticamente todo mundo
05:47contra uma ditadura que havia no Irã.
05:50Só que os ayatollahs acabaram tomando o poder pra si
05:53e excluindo as outras classes que fizeram parte da revolução.
05:59Inclusive executando ex-aliados e tudo isso.
06:03Daí quando o Iraque invade o Irã em 1980,
06:06o que acontece?
06:06A população se une.
06:08O iraniano, gente, é um povo muito nacionalista, muito patriota.
06:13Então, por mais que eles não gostem do governo,
06:16eles acabam se unindo em torno dessa nação.
06:19Então eles se uniram em torno dessa nação durante a guerra iraniana,
06:22que durou oito anos.
06:24E a gente vai ver isso agora também.
06:26Por quanto tempo?
06:27Eu não sei.
06:28Porque, de fato, o regime está muito desgastado.
06:31O Raíce, que morreu no acidente de helicóptero em 2024,
06:36era um líder extremamente impopular.
06:38Ele estava gastando milhares, talvez milhões de dólares em câmeras
06:43pelas ruas das cidades para verificar se as mulheres estavam usando o véu corretamente.
06:50Houve aqueles protestos devido ao assassinato daquela menina Amini e tal.
06:58Foi morta nas mãos dos policiais iranianos.
07:00Então o regime estava sob cheque e continua sob cheque,
07:04porque a situação econômica do Irã também é muito complexa.
07:07Os iranianos não aguentam mais esse isolamento internacional no qual o Irã vive.
07:12O embargo, tudo muito defasado, tudo que eles têm lá muito obsoleto.
07:17Mas esse vai ser o momento em que eles vão se unir,
07:20porque, claro, eles não vão jamais aceitar um bombardeio estrangeiro em sua terra.
07:26Mas temos que ver até onde vai esse apoio.
07:30A Mônica Rosenberg também está com a gente nesta manhã.
07:33A sua pergunta, Mônica, para o professor Andrew.
07:36Bom dia, professor Andrew.
07:37A minha pergunta é a respeito do Estado de Israel e da sua existência
07:41dentro de um ambiente absolutamente hostil, que é o Oriente Médio.
07:45Nós estamos falando aqui da queda na qualidade das relações entre Israel e o Irã,
07:52que inclusive já declarou que tem como objetivo exterminar o Estado de Israel.
07:58E o Hamas, que tem lá no seu estatuto, por escrito, o objetivo de eliminar o Estado de Israel
08:04e de ter de água a água, do rio ao mar, Palestina inteiramente árabe.
08:10Não é a Palestina livre, como dizem, mas sim é a Palestina toda árabe.
08:14E aí a minha pergunta é, existe algum outro Estado no mundo inteiro
08:18que tenha inimigos declaradamente que querem eliminar o país inteiro?
08:24Até a gente citou aí a Coreia.
08:26A Coreia do Norte não quer eliminar a Coreia do Sul.
08:29Ela quer incorporar a Coreia do Sul, mas que seja uma só Coreia.
08:32Mas é possível, como é possível um Estado soberano democrático
08:37que convive com outros Estados, cujo objetivo é acabar com a sua existência?
08:43E como nós podemos pensar numa coexistência pacífica de Israel com os seus vizinhos?
08:50Hoje ele coexiste muito bem com o Egito, que antigamente foi um inimigo.
08:53Mas como construir isso com Estados que declaram que querem mais
08:57é que Israel seja eliminado do mapa?
08:59Não, fica muito difícil, de fato fica muito difícil
09:04você ter uma coexistência dessa forma, não tem como.
09:09Agora, o que eu acho interessante a gente mencionar
09:12é que isso tem muito mais a ver com uma retórica
09:16do que com uma capacidade de fato.
09:18O Irã não tem a menor capacidade de eliminar Israel
09:22e tampouco o Hamas tem essa capacidade.
09:25Então eu vejo muito mais como um discurso interno.
09:28Por quê? Agora eu vou pegar o ponto de vista deles, tá?
09:32Do ponto de vista dos palestinos, Israel foi uma criação colonialista,
09:37foi uma invenção, sabe?
09:39Trouxeram vários judeus que vieram fugidos das perseguições,
09:43especialmente na Alemanha nazista,
09:45que chegaram lá, lembrando, estou falando da visão árabe, tá?
09:48Invadiram as suas terras, expulsavam as pessoas de lá,
09:52expulsavam 700 mil palestinos entre 48 e 67,
09:56e eles não veem o porquê que Israel existe,
09:59eles não veem o porquê que Israel tem que estar lá.
10:01E é óbvio, você não vai usar um argumento bíblico com essas pessoas,
10:05até porque a maioria delas são muçulmanas,
10:07o argumento bíblico não vai funcionar, né?
10:09Então, eu vejo muito mais como uma retórica, tá?
10:12O Hezbollah também tinha isso,
10:14o Hezbollah tinha, por exemplo, na sua carta de fundação
10:18de fazer do Líbano um Estado Islâmico.
10:21Existe ainda isso, só que na prática não vai ser colocado.
10:24Então, o Hamas fala isso, o Irã fala isso,
10:27mas na prática você não tem uma capacidade
10:30de realmente executar uma questão dessas.
10:34Eu entendo perfeitamente as preocupações de segurança de Israel
10:38sobre o fato de o Irã ter uma bomba,
10:40eu entendo o fato de que eles realmente acham
10:43que se o Irã tivesse a bomba, o Irã usaria
10:46essa bomba contra Israel, eu entendo isso,
10:49eu não estou dizendo que é uma coisa absurda,
10:54mas eu estou alinhado também com o que o Sr. Marcos Vinícius falou,
10:58eu acho que também tem muito a ver com o timing político.
11:02Ele bem sublinhou de que desde 1999,
11:05o Netanyahu fala que falta duas semanas para o Irã ter a bomba,
11:09e eu acho que esse timing político do governo quase caiu quinta-feira passada,
11:15e ele quer prolongar a guerra para evitar o seu processo de impeachment,
11:19e ele quer unir o país em torno de si.
11:21Então, assim, se a gente falou agora há pouco,
11:23de que o Irã quer unir o povo em torno de si com uma guerra,
11:27eu vejo o Netanyahu fazendo exatamente a mesma coisa.
11:30Então, a gente tem que ter uma noção do que é um discurso para o público interno,
11:34tipo, ah, nós somos fortes, nós podemos bater em Israel,
11:38do que uma coisa verdadeira do dia a dia,
11:40que realmente não tem a menor capacidade de acontecer.
11:44Nós conversamos com o professor de História das Relações Internacionais,
11:48Andrew Trauman.
11:49Professor, obrigada por conversar aqui com a gente.