Cinco nacionalidades, cinco histórias nas quais Belo Horizonte é personagem, cenário e enredo principal de estrangeiros que escolheram ou foram acolhidos pela cidade.
Para o aniversário de 128 anos de BH, comemorado nesta sexta-feira (12), conversamos com moradores da capital mineira nascidos na França, Itália, Colômbia, Peru ou Haiti para ouvir como suas trajetórias se cruzaram com a cidade e mostrar como o amor, em diferentes formas, fez eles ficarem aqui.
Cheia de encantos, contradições, carências e exuberâncias – tudo ao mesmo tempo –, Belo Horizonte é para esses imigrantes uma capital muito receptiva e, na opinião de um deles, uma cidade na qual “falta só uma praia para ser perfeita”. Conheça a seguir as histórias mineiras de Fabien, Simone, Javier, Yanaki e Junior.
Reportagem e imagens: Larissa Kümpel, Layane Costa e Mannu Meg Edição: Larissa Kümpel Coordenação: Rafael Alves
00:00Eu não conhecia Belo Horizonte, mas eu ouvi falar na TV.
00:04Não existia Belo Horizonte no meu mapa do Brasil.
00:07Porque ontem na França ninguém falava de Belo Horizonte, ninguém me conhecia nessa cidade.
00:11Eu tive o convite de vir aqui para Belo Horizonte para trabalhar como assistente de direção de um diretor que eu tinha conhecido em uma oficina em Cuba.
00:22Meu pai, que ele já morou aqui em BH, ele me ensinou e falou assim, ah, em BH você pode vender nos bares e ele me deu umas dicas.
00:37Meu nome é Diana Guerreira, eu sou artista visual, eu sou peruana, nascida e criada no Peru e moro atualmente no Brasil, em Belo Horizonte.
00:47Meu nome é Fabián, eu tenho 30 anos, eu sou de Lyon, da França, e eu vim aqui em BH e eu abri um restaurante francês.
00:54Meu nome é Júnior, eu sou haitiano, estou cursando engenharia civil e eu trabalho na parte da alteraria.
01:03Meu nome é Simone Biondi, eu sou chefe de cozinha, tenho um restaurante aqui em Belo Horizonte.
01:09Eu sou Javier Galindo, eu sou colombiano de Bogotá, sou morador de Belo Horizonte desde 2004.
01:17Já são 20 anos, 21 anos, né?
01:21Tipo, eu fui visitar um amigo em Buenos Aires e lá eu encontrei uma pessoa de BH.
01:30E essa pessoa me falou da cidade e tal, e falou, ah, tem que vir, tem que conhecer, uma cidade bem legal.
01:35Então, eu fui lá direto.
01:36Eu nunca tinha vindo falar de Belo Horizonte até encontrar a minha ex-mulher, e foi ela que me apresentou a cidade antes de vir.
01:45Eu cheguei aqui, era novembro de 2011, então são 14 anos que eu moro aqui em Belo Horizonte.
01:50Eu sempre falo para os meus clientes, eu me sinto minero, porém, com sotaque italiano.
01:55Eu morei no Peru até a adolescência, até o final da adolescência.
02:01Nasci em Cusco, mas fui criada em Lima, na capital.
02:05Antes de eu vir para aqui, para o Brasil, eu estava morando na Bolívia.
02:09E daí eu vim para cá, para o Brasil, a princípio para visitar meu pai, que ele é peruano também, mas ele mora aqui no Brasil, tem muitos anos.
02:20E aí eu acabei de ficar no TEC.
02:22Eu vou voltar de 2010, depois um acontecimento lá no Haiti, que é o terremoto, né?
02:29Que o país foi destruído totalmente.
02:33Mas naquele momento também, que a gente era estudante, terminando ensino médio, e a gente estava em busca da faculdade, estudo.
02:41E as pesquisas que eu fiz, que eu vi que é possível, né?
02:44De correr atrás do meu sonho aqui no Brasil.
02:50Perdeu minha mãe, meu pai, quando eu tinha 12 anos, minha mãe, quando eu tinha 13.
03:00As minhas irmãs, a gente cresceram de uma maneira diferente, né?
03:06Como se fosse semente, né?
03:08Nas plantas.
03:10E aí cada um tinha que buscar uma alternativa, né?
03:15Lá no Haiti mesmo, se cada um for para uma região, para eu poder sobreviver.
03:21Acabei de perder minha irmã, que é a maior, que é a mais, como diria, mais velha, né?
03:29Porque era o que foi a cabeça da família, né?
03:32Todos nós gostamos de estudar.
03:34E a gente perderam nossos pais tão cedo assim.
03:37E depois o seguinte, com essa questão de terremoto que aconteceu lá no Haiti, piorou, né?
03:44A situação quebrou total.
03:46Meu pai mora no litoral de São Paulo, né?
03:49Então, quando eu cheguei, a primeira cidade foi lá no litoral de São Paulo.
03:52Quando eu cheguei no Brasil, meu primeiro trabalho foi de garçonete.
03:57Eu trabalhava num hotel lá no litoral.
03:59E depois eu queria muito fazer faculdade.
04:02Pedi demissão do trabalho de garçonete.
04:05Aí eu falei, vou me virar trabalhando igual meus pais, com artesanato.
04:10Vendendo na rua.
04:13Eu consegui também uma barraca, um lugar pequeno assim, no Mineirão.
04:18Mineirão, Mineirinho.
04:20Consegui me custear a minha vida e meus estudos durante o cursinho.
04:25Até eu fazer o ENEM, e aí eu passei em artes visuais, na UFMG.
04:29E aí eu comecei a estudar mesmo, a graduação.
04:33Lá em Porto Alegre, quando eu fui buscar um emprego lá,
04:37pra só me deixar desconfortável, como se fosse o trabalho que você deveria ser feito,
04:45seria ser o trabalho laboral.
04:47Que na verdade eu trabalhava com rádio, professor de inglês,
04:51que eu sou professor de inglês lá, lá no Haiti.
04:53Aí cheguei aqui, teria que fazer outra coisa.
04:55E aí é como se fosse seu conhecimento foi descartado.
04:59A gente tem conhecimento, a gente tem que usar o seu conhecimento.
05:03E nesse contexto, nesse tempo que eu estive trabalhando aqui em Belo Horizonte,
05:09conheci o Grupo Galpão.
05:11E como eu tenho uma formação de artes cênicas, de ator,
05:15então eu me interessei em fazer esse curso KC, depois de um tempo, com brasileira.
05:21E fui criando outros projetos.
05:23Formei uma orquestra de música latina, que se chama União Latina.
05:27Formei também um grupo de teatro, que se chama Teatro 171.
05:31Tem um restaurante aqui em Belo Horizonte, que se chama Estes Tresta,
05:36uma casa italiana à raiz.
05:38E foi uma das coisas que fez que eu ficasse aqui em Belo Horizonte, no Brasil.
05:43Eu morei muitos anos na Espanha, e me mudei para Belo Horizonte, porque casei com uma brasileira.
05:58Eu apaixonei por uma mineira na Espanha, a gente morou junto lá há muito tempo.
06:03Cheguei aqui com a ideia de existir uma praia, e fiquei sabendo que a praia estava bem longe.
06:08E eu adorei.
06:10Apaixonei com a cidade, apaixonei com o povo mineiro.
06:13E eu já tinha a vontade de abrir um negócio fora da França.
06:17Então eu falei, ah, eu tenho que escolher um lugar.
06:19Apaixonei com BH.
06:21Aí, vamos.
06:22Eu tinha 26 anos na época, então eu falei, ah, tem que sair agora.
06:26E então eu voltei na França, trabalhei um pouco, economizei dinheiro.
06:28E eu cheguei aqui, abri direto, acho que demorou seis meses.
06:34E aí eu abri, fiquei aqui, minha família estava meio preocupada, porque tipo, todo mundo está da França.
06:42Eu estou aqui sozinho.
06:44Mas deu certo.
06:45Em 2020, que foi o ano que meu filho nasceu, eu não podia mais trabalhar em feiras ou vendendo nas ruas,
06:55assim como eu sempre fiz, justamente pela pandemia, né?
07:00E aí eu lembro que eu escrevi um projeto que era sobre maternidade, pandemia e situação migratória.
07:08E meu projeto era debater os três temas a partir de pinturas.
07:14Tive a minha primeira exposição individual e pude levar vários trabalhos, que inclusive um deles foi essa série que se chama Fora do Lar.
07:23Depois dessa exposição, eu tenho participado de outras exposições, feiras de arte.
07:31No ano passado, eu participei da Abinal de Veneza e foi também uma experiência muito marcante, assim.
07:39Tanto para a minha carreira, quanto para a minha vida pessoal também.
07:42Eu tenho um amigo meu, ele tinha uma namorada aqui, em Minas Gerais.
07:49E aí que optou para ele vir aqui em Minas Gerais.
07:54Aí naquele hotel que o meu amigo trabalha lá, tem alguém exatamente que falou,
07:59ah, fala aqui, estou precisando de alguém igual você, que fala tantas línguas.
08:04Aí eu consigo aquele emprego de utilitaria.
08:07E até hoje, desde 2018 até hoje, estou trabalhando naquela empresa.
08:12Até o momento, eu fui promovido como supervisor.
08:18Na época que eu saí da Colômbia em 2005, não existiam tantos apoios, concursos editais, como já naquela época tinha aqui.
08:28Então isso já me chamava a atenção aqui no Brasil.
08:31Acredito que Belo Horizonte tem uma questão cultural, uma efervescência artística que me pegou desde o início.
08:40Eu já me adaptei tanto à cidade, à cultura brasileira, à cultura mineira.
08:47Essa coisa de brasileiro, mineiro, é muito semelhante ao italiano.
08:52Essa cultura de família, de abraçar, de calor.
08:56Tanto que eu não senti muita diferença da passagem da Europa para o Brasil.
09:02Esse amor que tem na rua, que o povo te dá assim, de graça.
09:08Essa energia humana, assim.
09:11Eu não senti em nenhum lugar, exceto aqui.
09:14Mas eu senti que foi, iria ser fácil de ser feliz aqui.
09:17Não tem estresse, não tem nada, não tem pressão aqui.
09:21Não é igual, tipo, São Paulo, todo mundo está correndo lá.
09:23Aqui está bem devagar, o tempo está mais devagar também.
09:27Então é, eu estou bem, bem confortável.
09:30Belo Horizonte, por exemplo, tem uma questão que é a cidade dos bares, né?
09:34Então, um lugar de contato, de convívio com os amigos, com conhecer pessoas.
09:41E o contexto, maioritariamente, é um lugar de boteco.
09:45Eu percibo esse lugar de comunhão, de agregação, de todos juntos, de alguma maneira, né?
09:51Curtir um boteco do centro.
09:56Desde cedo, sei lá, às 18 horas, né?
09:59Porque aqui fecha cedo e é uma coisa que eu gosto muito, começar a beber mais cedo,
10:04aprender a morar cedo.
10:06Tenho aprendido a amar, assim, absolutamente um torresmo.
10:11Comida mineira, comida de boteco, assim, é uma alma de paixão.
10:15Tomar uma beija gelada na mesa do bar com as amizades e falar e hablar muito, assim.
10:26O Belo Horizonte, o estado de Minas Gerais, é um povo que tem o coração aberto.
10:31Sorrisão, né?
10:32Estar sempre pronto para ajudar.
10:35Essa segregação que a gente sente lá em Porto Alegre, então aqui em Belo Horizonte estava diferente.
10:43Aonde que você não valoriza, você não está bem vendo.
10:47Então, por isso que eu destaquei o Belo Horizonte como cidade de coração.
10:51Eu gosto muito daqui mesmo, gosto bastante.
10:54E eu tenho um filho aqui e minha esposa também está aqui.
10:58A minha vida aqui, a minha casa aqui, as minhas amizades.
11:03Volto para a Itália muito, então tenho essa possibilidade de poder matar a saudade da família.
11:10Mas, ao mesmo tempo, quando volto aqui em Belo Horizonte, chego no aeroporto e eu me sinto de ter voltado em casa.
11:17Tenho, né? E alimento um carinho, assim, muito forte.
11:20Por ser a terra onde meu filho nasceu e onde eu comecei e venho vivenciando essa experiência intensa de ser mãe.
11:38Já fui para Rio, é perigoso. São Paulo é estressante.
11:42O norte é muito quente. O sul é frio.
11:45Tipo, BH tem entre tudo isso.
11:47O clima está perfeito, a comida é boa, o povo é muito gentil.
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