Duas mortes por consumo de bebida com metanol foram confirmadas em São Paulo, que já soma nove casos de intoxicação. Flávia Neri, farmacêutica e diretora da Sociedade Brasileira de Toxicologia, explica os riscos do metanol e alerta que os sintomas iniciais podem ser confundidos com os de uma embriaguez comum.
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NotíciasTranscrição
00:00O Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo informa que, desde junho deste ano,
00:05foram confirmados seis casos de intoxicação por metanol, dos quais dois destes casos resultaram em óbito.
00:15Um em São Bernardo do Campo e outro na capital.
00:18Atualmente, há dez casos sob investigação com suspeita de intoxicação por consumo de bebida contaminada na capital.
00:25E sobre esse assunto, a gente recebe agora uma convidada especial para falar sobre o tema.
00:32Médica toxicologista já conosco aqui, doutora Flávia Neri, diretora da Sociedade Brasileira de Toxicologia.
00:39Doutora Flávia, bem-vinda, boa tarde, é um prazer te receber.
00:42Boa tarde a todos, é um prazer estar aqui falando com os senhores.
00:47Só uma pequena correção, que eu sou farmacêutica, sou doutora toxicologista, mas sou farmacêutica.
00:53Perfeito. Mas especialista para nos explicar esse tema, né?
00:56Perdoe o equívoco, doutora Flávia.
00:59Mas nos explica aqui, para começar, do que se trata uma infecção por metanol?
01:04Quais são os riscos de uma contaminação como essa?
01:08Uma contaminação como essa, ela é muito grave,
01:12porque geralmente são pessoas que estão consumindo um produto alcoólico
01:17em que os sintomas podem ser confundidos com um efeito embriagante,
01:26porém, dependendo da concentração do metanol que está naquele produto,
01:30ele pode causar efeitos muito mais graves, inclusive o óbito do paciente em pouco tempo.
01:35Ele causa efeitos similares como a embriaguez,
01:40uma dificuldade de ambular, de andar, uma sonolência,
01:45uma movimentação de olhos involuntárias,
01:48mas o metanol, ao ser metabolizado no fígado,
01:51ele causa um produto ácido, o ácido fórmico,
01:55que pode causar a acidose metabólica, que é a acidez no sangue,
02:00que desestabiliza o corpo todo, né?
02:03Podendo ter efeito do sistema nervoso central, na visão especificamente,
02:08então, em 30 minutos a pessoa pode apresentar visão turva,
02:14uma visão com névoa, podendo até causar cegueira, tá?
02:19Efeitos gastrointestinais também, que são comuns numa embriaguez por etanol,
02:24que não causaria tudo isso.
02:27Efeitos tóxicos, podendo aumentar a glicose no sangue, né?
02:32E alterações metabólicas importantes, causando o óbito,
02:39e muitas das vezes em pouco tempo.
02:43Em 30 minutos, dependendo da concentração, já começa a ter os efeitos,
02:48e em 24 horas pode haver convulsões, efeitos metabólicos importantes e até o óbito.
02:54Doutora Flávia, eu vou trazer o Luiz Augusto Truss para essa conversa,
02:56ele vai te fazer a próxima pergunta.
02:57Boa tarde, doutora, prazer em recebê-la aqui na Jovem Pan.
03:02Eu tenho duas perguntas seguintes, mas são simples.
03:05A primeira é quanto um usuário aí do consumo da bebida teria que ingerir para ter o risco à vida?
03:12Então, se ele bebeu uma latinha, uma garrafa, ele teria que ter preocupações ou não,
03:16a depender, claro, da concentração dessa substância naquela bebida.
03:20E a segunda pergunta é por que teria metanol numa bebida?
03:23Isso tem cara de falsificação?
03:25Isso tem cara de sabotagem?
03:28Por que alguém colocaria metanol numa bebida alcoólica?
03:31Isso é realmente um procedimento normal de quando se falsifica uma bebida,
03:35ou tem mais cara de realmente uma sabotagem, um erro na produção?
03:39Como que a doutora vê essa possibilidade?
03:41E para a gente avaliar o porquê que colocaram, vou responder de trás para frente, tá?
03:51O porquê que colocaram metanol em algumas bebidas alcoólicas depende muito da situação, né?
03:59Uma situação muito comum é você ter uma bebida extremamente cara sendo vendida num estabelecimento de saúde
04:08e se coloca um produto mais barato para adulterar e você ganha dinheiro com isso.
04:16Uma outra situação é tentar matar aquela pessoa, tá?
04:22Então, sabendo dos efeitos tóxicos, sabendo que podem causar uma morte muito rápida
04:32e que pode ser confundido com uma intoxicação alcoólica,
04:36a pessoa que é criminosa pode utilizar desse subterfúgio.
04:41A concentração, 10 ml de metanol puro sendo colocado já é o suficiente para causar cegueira, né?
04:49E num tempo de 24 horas já causaria a morte da pessoa facilmente.
04:56E essa cegueira, ela ocorreria em 30 minutos.
05:01Doutora Flávia, eu vou pedir licença, pedir para que a senhora continue conosco aqui.
05:06A gente só vai passar uma reportagem do Mateus Dias que traz mais detalhes, inclusive,
05:10sobre esses últimos casos de intoxicação por metanol.
05:14E depois a gente vai tirar mais algumas dúvidas com a doutora Flávia Nery,
05:17que está nos ajudando aqui a entender todos os riscos e os detalhes de uma contaminação
05:21que tem se multiplicado nos últimos dias.
05:24Vamos conferir a reportagem do Mateus Dias.
05:27Nessa sexta-feira, a Secretaria Nacional de Política sobre Drogas e Gestão de Ativos
05:31recebeu a informação de que nove pessoas foram intoxicadas após ingerirem bebidas adulteradas.
05:38Segundo informações, elas ingeriram metanol, uma substância completamente nociva
05:43e que estava presente em bebidas como uísque, vodka, gin, entre outros.
05:48Os casos são extremamente preocupantes, já que essas intoxicações podem gerar surtos epidêmicos.
05:54Como o caso de Belo Horizonte, em 2020, quando a capital de Minas Gerais teve um surto após uma doença
06:01que até então era desconhecida pela Polícia Civil.
06:04Eles examinavam, investigavam ali, pessoas que estavam adoecendo por conta de bebidas adulteradas.
06:12A intoxicação aconteceu após essas pessoas ingerirem uma cerveja chamada Bacher.
06:16Essa cerveja continha duas substâncias extremamente nocivas, que são dietilone glicol e monoetilone glicol.
06:25Substâncias essas que contaminaram a cerveja após um vazamento no tanque de produção da bebida.
06:31Na ocasião, dez pessoas morreram e outras dezenas de pessoas ficaram com sequelas que constam até hoje,
06:38como problemas de visão, problemas de audição, insuficiência renal e até alguns quadros
06:44que posteriormente se desenvolveram como câncer no fígado.
06:48A doutora Flávia Nery, que é farmacêutica toxicologista, está conosco aqui,
06:52inclusive diretora da Sociedade Brasileira de Toxicologia,
06:54está nos ajudando a entender melhor esse cenário todo que agora tem repercutido tanto, né, doutora Flávia?
06:59A pergunta é, qual que a pessoa deve identificar que tem algo errado depois de uma ingestão de uma bebida alcoólica
07:06para procurar ali os primeiros atendimentos?
07:09Porque eu tenho certeza que esse número de nove casos deve ser um número que não corresponda à realidade, né?
07:15Esses são os computados, né? Aqueles que, de fato, viraram ali, de alguma maneira, um expediente, uma investigação.
07:22Explica pra gente, doutora Flávia.
07:23Então, a partir do momento que você ingere um produto e que você tem, além do efeito de embriaguez que normalmente se tem,
07:36mas um efeito muito mais exercebado e uma dificuldade de enxergar uma visão turva, uma névoa,
07:45já é o primeiro sinal e um sinal muito claro de que aquela bebida está adulterada,
07:50porque o etanol em si não faz isso, né?
07:55E não é um efeito colateral do metanol.
08:00Então, isso é um alerta que a gente faz em estabelecimentos que se costumam vender bebidas,
08:07às vezes bebidas caras, e vocês observam isso,
08:11se alguma pessoa reclamar desse sintoma específico,
08:16e aí, além disso, um ataque cardíaco, um mal-estar exercebado,
08:23porque o etanol abaixa a glicose, o etanol aumenta a glicose, né?
08:28Já é sinal que a gente tem que preocupar,
08:31que tem que levar aquele paciente imediatamente para a unidade de saúde,
08:34e existe antídoto que é possível ser administrado naquele paciente rapidamente, né?
08:40Antídotos, dois específicos, um mais apropriados para crianças,
08:46para todo mundo, na verdade,
08:47e outro que na falta desse antídoto, que é melhorzinho,
08:51para adultos e crianças.
08:54Mais uma pergunta agora do Luiz Augusto Durso.
08:58Doutora, no caso de falsificação de bebida,
09:01o comerciante, o empresário, o dono do bar ali,
09:04ele pode também ser ludibriado,
09:06porque ele pode ter o seu fornecedor, pagar ali o preço justo,
09:09e o fornecedor, para ter algum tipo de vantagem,
09:13adultera, falsifica ou compra de alguém já falsificado.
09:17A minha pergunta é, como que o dono do bar,
09:19como que o comerciante, ele pode se precaver,
09:21além de selecionar bem os seus fornecedores,
09:25com relação a possíveis falsificações e adulterações?
09:28É possível ter algum teste em loco,
09:32ou todo o teste para saber se a bebida adulterada é em laboratório?
09:36Esse tipo de substância, ela muda a coloração?
09:39Ela entrega alguma mudança ao olho nu?
09:42Ou com algum maquinário,
09:44alguma forma do empresário se proteger?
09:48Ou a gente vai sempre ficar à mercê de realmente alguém passar mal,
09:52e aí sim a polícia investigar e ter um exame de laboratório específico
09:57para identificar esse tipo de falsificação ou esse tipo de adulteração?
10:02Então, o comerciante,
10:07pela experiência dele,
10:09já pode observar esse tipo de sintomas em seus clientes,
10:13e não há um teste que ele possa fazer ali em loco
10:21para ele saber que tem o metanol,
10:23porque ele se solubiliza a água,
10:26fica transparente,
10:28nada seguro que a gente possa recomendar que ele possa fazer ali.
10:33Ele tem que se precaver em comprar de fontes seguras,
10:40confiáveis com nota fiscal,
10:43e que ele se garanta que ele está comprando
10:46um produto de qualidade para o seu cliente.
10:53E, ao mesmo tempo,
10:54ele tem uma experiência de vender aqueles produtos,
10:57e ele, sabendo desses sintomas,
10:58ele pode se precaver dessa forma.
11:00Um determinado produto que ele comprou de um novo distribuidor,
11:05que chegou,
11:06que essas mudanças acontecem,
11:09ele pode começar observando por aí.
11:11Doutora Flávia,
11:13você já havia dito que o primeiro sinal de alerta é visão, né?
11:18Visão turva, algum problema, algum outro sintoma.
11:21Deixa bem claro para quem está nos assistindo,
11:23porque é um tema que está repercutindo muito nesse fim de semana,
11:26principalmente de uma possível causa de óbito,
11:29que tenha havido aqui em razão do consumo.
11:32Quais são os principais sintomas?
11:34A visão, o que mais?
11:35E o que essas pessoas devem fazer de imediato?
11:38Alguma coisa que já possa ser feita em casa,
11:40quando estiver passando mal?
11:41Ou é só procurar ajuda médica mesmo?
11:44Explica para a gente.
11:44É importante que ele vá à unidade de saúde imediatamente, tá?
11:49O antídoto,
11:51um antídoto que é muito utilizado é o etanol,
11:57porque o metanol, quando ele é metabolizado,
12:00ele é substituído pelo etanol se ele estiver presente.
12:07Então, se aquela pessoa está intoxicada com o metanol,
12:09e ela ingere etanol, ingere um produto que ele sabidamente tem etanol, né?
12:18O que é legal, o que é mais seguro, né?
12:22Porque é seguro totalmente, ele não é.
12:24Esse etanol, ele vai ser metabolizado com preferência em relação ao metanol,
12:34que é o tóxico, o atualmente tóxico.
12:36Mas nós recomendamos seriamente que ele vá para a unidade de saúde,
12:41porque ele já está muito debilitado, com produto altamente tóxico.
12:47Ele, estando na unidade de saúde,
12:49vão avaliar a glicose, a hidratação,
12:55a acidose metabólica,
12:58a necessidade dele ser regulado por uma UTI,
13:01para ter a avaliação de perto do distúrbio hidroeletolítico.
13:07Serão feitos exames da função hepática, da função renal,
13:11porque ele afeta esses órgãos também.
13:14E ele será monitorado e será tratado de perto.
13:18Como é um produto que age muito rapidamente,
13:22a gente não recomenda de forma alguma esperar ou tentar resolver em casa.
13:27que ele vá para a unidade de saúde, que ele vá ser avaliado,
13:31ele vai receber o antídoto, tá?
13:33E vai ser monitorado.
13:36Essa eliminação, ela vai ser realizada pela hidratação,
13:40o produto será eliminado nas vias urinárias, pelo xixi,
13:45e assim ele vai ser monitorado,
13:47a acidez do sangue vai ser monitorada e ele vai melhorando em pouco tempo.
13:50Perfeito, quero agradecer demais aqui a doutora Flávia Nery,
13:54que é diretora da Sociedade Brasileira de Toxicologia,
13:57nos ajudou a entender melhor os riscos da contaminação por metanol.
14:01Doutora Flávia, muito obrigado,
14:02é sempre um prazer te receber aqui na Jovem Pan.
14:05Muito obrigada.
14:06Até a próxima.
14:07Deixa eu chamar o Durso aqui para falar sobre os outros aspectos, né Durso,
14:10de uma notícia como essa,
14:12porque isso envolve outros direitos também.
14:14Além das questões de saúde, tem os direitos,
14:16desde questões criminais até questões civis,
14:20de reparação de dano, de relação com o consumidor,
14:23segurança do consumidor, inclusive, né?
14:26Durso, faz um apanhado geral aí para a gente também em relação a isso.
14:29Em primeiro lugar, é chocante, né?
14:31A informação que a doutora Flávia nos dá é que 10 ml já pode,
14:35de fato, afetar a nossa vida,
14:36e os indivíduos usam esse tipo de substância
14:38para falsificar ou adulterar uma bebida.
14:42Não é nem na intenção, em alguns casos, ou na maioria dos casos,
14:45de realmente matar aquele consumidor.
14:48Na verdade, a intenção realmente é lucrar,
14:50só que lucrando a base da vida do consumidor.
14:53Então, em primeiro lugar, é quando há, assim, uma grande...
14:57ou se afeta muito a vida do consumidor,
14:59a gente pode falar até de tentativa de homicídio
15:01ou até de homicídio consumado,
15:03porque o dólar eventual aqui está caracterizado,
15:06vale dizer, aquele que falsifica com uma substância tão danosa,
15:10tão tóxica,
15:12ele está assumindo o risco de matar o consumidor.
15:15Então, sem dúvida nenhuma, ele pode responder
15:17na modalidade do dólar, da vontade do dólar eventual,
15:21de matar alguém, ao final, que seria o consumidor.
15:23Com relação à relação do consumo,
15:25nas questões de consumidor,
15:26eu provoquei a doutora Flávia para saber
15:28como o comerciante poderia testar esse material,
15:31até para a gente analisar a culpa do comerciante.
15:33E ela bem falou, ele não consegue analisar quando chega lá,
15:36garrafa fechada, etc.,
15:37ou até quando ele abre para servir.
15:40Mas ele pode, sim, e deve, inclusive, pela lei,
15:43inclusive o CDC fala de proteção à vida,
15:45à saúde do consumidor,
15:47procurar um local mais seguro para comprar.
15:50O seu fornecedor deve ser credenciado,
15:53com emissão de nota fiscal,
15:54que ele questione a origem, procedência,
15:56tudo isso tem que ser avaliado por toda a cadeia
15:59até que chegue no copo do consumidor,
16:02porque esse é o mais vulnerável,
16:04que simplesmente está ali para se divertir,
16:06está pagando pelo produto e está comprando,
16:09ingerindo uma substância muito tóxica,
16:12porque lá no fim da cadeia, lá no início da cadeia,
16:15tem um indivíduo querendo lucrar,
16:17adulterando bebida e colocando uma substância tão tóxica.
16:21Ao invés dele substituir por água,
16:22ele põe metanol para que se tenha a falsificação.
16:27Isso é absurdo, inadmissível,
16:29e nós esperamos também,
16:30além da responsabilidade daqueles que falsificam,
16:34que tentam ferir lucro com a venda desses produtos,
16:37sabendo que são falsos e colocando na prateleira,
16:39que o Estado controle também.
16:41Não só quando há uma intoxicação de um consumidor,
16:45mas que o Estado haja de maneira preventiva
16:48a ficar testando lotes,
16:50até por amostragem nesses estabelecimentos
16:53para a gente encontrar essas quadrilhas
16:55que realmente falsificam as mais variadas bebidas pelo Brasil,
16:59colocando em risco a vida dos nossos consumidores.
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