No Papo Antagonista desta terça-feira (17), Claudio Dantas recebeu o coronel Marcelo Pimentel para fazer uma análise histórica sobre o protagonismo militar no poder público no Brasil. -- Cadastre-se para receber nossa newsletter: https://bit.ly/2Gl9AdL
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00:00Essa questão da presença política de militares, é importante a gente fazer um histórico aqui para os nossos espectadores,
00:12porque já no governo da Dilma, nós tivemos a nomeação de general lá para o comando do DENIT,
00:18o Jorge Fraschi, que assumiu o DENIT, ele era diretor de obras do Exército e foi colocado nomeado pela Dilma justamente para limpar o DENIT de corrupção.
00:30Essa foi a justificativa que ela deu na época, DENIT, que passou muitos anos na mão do PR, do PR, agora PL,
00:39do Valdemar Costa Neto, hoje associado do Bolsonaro, mas que já esteve anteriormente associado ao PT,
00:46inclusive é um dos principais partidos do Mensalão e de outros esquemas de corrupção.
00:52A gente também trata disso até na questão da própria capa da Cruzoé, a gente fala do protagonismo mais operacional,
01:04vamos dizer assim, com as operações de GLO, com as missões de paz, etc.
01:09Mas, de fato, você tem aqui, com a Dilma, que é essa figura aí que foi empichada, uma figura até considerada bastante radical
01:18do campo da esquerda, você já tem essa nomeação.
01:25E eu gostaria também de lembrar que nessa gestão do PT, tanto no governo Lula como no da Dilma,
01:31nós tivemos, em alguns momentos, decisões ali de se manter o comandante do Exército,
01:39por mais tempo do que era o tradicional, renovando o mandato, de se manter também o comandante da FAB,
01:47eu me lembro do Junício Sá, que ficou também um longo período no comando da aeronáutica.
01:52O senhor percebe, nesses gestos, nessas nomeações lá atrás, já uma tentativa de cooptação do poder militar?
02:01Por que o que estaria por trás desses gestos?
02:07É uma tentativa de se garantir, de se apoiar numa instituição que até então tinha aí
02:13uma credibilidade bastante alta na sociedade, junto à sociedade?
02:19Eu vou começar respondendo pela sua última frase.
02:22Este capital de credibilidade que as Forças Armadas adquiriram,
02:27nesses 30 anos, entre 88 e 2018, em que construiu-se sociedade, Forças Armadas, lideranças políticas,
02:35uma muralha que separa os etos, os lugares e os fazeres dos militares
02:41dos fazeres da luta política, porque a luta política é de divisão,
02:47é de liderança formada de baixo para cima.
02:50E o campo militar é de união, de lideranças formadas de cima para baixo.
02:55Então, quando eu apresento as razões que levaram à recidiva deste fenômeno sócio-histórico,
03:03então não é uma ala militar, uma questão de oportunidade que esses generais viram
03:10de aproveitar que um colega de turma e de geração de Amandos, anos 70,
03:15chegava à presidência e ia ocupar um ou outro cargo.
03:18Isso é um projeto muito bem pensado.
03:20Mas ele tem cinco razões, cinco balizas, que podem permitir aos estudiosos do jornalismo,
03:28e fico muito feliz que até que, enfim, uma imprensa liberal,
03:34uma imprensa que privilegia o Estado liberal, tenha se atentado que este protagonismo
03:42também é muito ruim para a consolidação do Estado democrático de direito.
03:47Eu aprendi na AMAN, nos anos 80, mas também aprendi no curso de direito que frequentei como tenente
03:53e lido com ele na atual graduação em Ciências Sociais que eu tenho buscado fazer
03:57para aperfeiçoar as minhas opiniões sobre o assunto e não ficar no nível da superficialidade.
04:03Cinco balizas.
04:05Duas são de natureza político-eleitoral, as duas eleições da presidente Dilma.
04:10E eu discordo de que a presidente Dilma, no exercício da presidência,
04:15tenha sido radical, como você introduziu.
04:19Acredito que o governo dela tentou ser bastante aberto a diálogo,
04:25embora, por personalidade própria da presidente, tenha havido dificuldades de consolidar esses diálogos.
04:31Mas as duas eleições da presidente Dilma, exatamente pelo personagem que ela era nos anos 70,
04:36mas não era mais no século XXI, e esses generais eram cadetes na AMAN,
04:42Então, isso foi muito problemático para que eles, que até hoje assinam ordens do dia,
04:50se referindo ao golpe e à ditadura como marcos da democracia,
04:56motivos da minha punição, porque não tem como aceitar esta falsidade histórica.
05:01Então, explica muito desta recidiva deste protagonismo.
05:06Por quê? Exatamente quando a presidente Dilma assumia a presidência em 2010,
05:11essa geração chegava ao alto comando do Exército, a geração de Bolsonaro dos anos 70.
05:16No meio das duas eleições, a ideia, o funcionamento, a dinâmica e o relatório da Comissão Nacional da Verdade,
05:25que causou enorme contrariedade a essas cúpulas hierárquicas, também por razões pessoais,
05:34já que parentes desses generais constaram no relatório final da Comissão da Verdade,
05:40como passíveis ou supostos violadores dos direitos humanos, por ação ou por omissão.
05:46Então, esses três fatores, as eleições e a Comissão Nacional da Verdade, explicam uma parte.
05:55A outra parte se deve à longa permanência do Exército, especialmente, mas nas Forças Armadas,
06:02na maior mobilização militar desde a Segunda Guerra, apesar de não ser de caráter bélico, de guerra,
06:10mas uma operação de não-guerra, de natureza de paz, que foi no Haiti.
06:14Uma obra construída entre o governo do PT e o governo do então presidente Bush, nos Estados Unidos, em 2003,
06:22já que os Estados Unidos precisavam de tropas para atuar no Afeganistão, para atuar no Iraque,
06:28e precisaram passar este protagonismo operacional do Haiti para um aliado.
06:34Então, esta permanência por dez anos, ela terminaria em 2010, mas o terremoto no Haiti a prolongou por mais quatro.
06:41Também explicam, por várias razões, que não cabe aqui a gente aprofundar, porque não haverá tempo e é muito complexo,
06:49essa recidiva, esse interesse em ser, em continuar sendo protagonista.
06:54Como você bem colocou, eu tive curiosidade de assistir o seu programa semana passada, quando você apresentou a capa,
07:00até aí era um protagonismo operacional, mas por aquelas razões já ditas de natureza política
07:08e por outras circunstâncias ligadas ao quinto fator, se transformou num protagonismo político muito visível
07:15que não dá para esconder e não se pode simplesmente ignorar que existe.
07:19E é muito bom que, em todo aspecto político e ideológico, da esquerda e da direita,
07:26esse problema seja tratado com seriedade, com profundidade e com compromisso com a institucionalidade das Forças Armadas.
07:32E o último fator, Cláudio, foi, você já falou, dando o exemplo do DENIT,
07:37um excesso de emprego de Forças Armadas em missões que, ainda que sejam, que fossem de governo,
07:48eram fora da área de defesa.
07:52Então, vou citar esse exemplo que você já deu, que é um emprego individual de um militar,
07:57mas o programa de distribuição de água por semiárido, do norte de Minas Gerais ao nordeste,
08:04a construção civil, obras de infraestrutura, tanto do setor hídrico como do setor rodoviário, ferroviário,
08:13e a GLO, que colocou o Exército praticamente dentro do Rio de Janeiro na última década.
08:20Operação no Complexo do Alemão e outras operações.
08:24O Complexo do Alemão foi quase dois anos de permanência,
08:28combinando com a intervenção federal do Rio de Janeiro, em 2018,
08:31que foi viabilizada pela vanguarda, e é a primeira vez que vou falar a expressão,
08:37do partido militar no governo Temer, já que houve, já como caracterização desse protagonismo real,
08:46a ação desta cúpula em conversas com o presidente Temer, o vice-presidente então,
08:52para viabilizar um governo com espaços já reservados para essa atuação política.
08:58Então, ainda que o governo do PT tenha responsabilidade,
09:01eu sempre digo isso quando alguém da esquerda, ou algum elemento do PT, etc., me convida.
09:08A responsabilidade começa ali.
09:11Se a gente pudesse fazer um paralelo com o direito penal,
09:15aquela é uma responsabilidade culposa, sem intenção.
09:18Acho que contribuiu.
09:19Mas a responsabilidade, a partir do governo Temer, foi, com todas as aspas,
09:24dolosas, ou seja, houve a intenção de ser protagonista.
09:28Então, esses cinco fatores, Paulo, explicam muito do que está acontecendo agora