Nascido no agreste de Pernambuco, o estilista Jorge Feitosa baseia suas criações na tradição da sulanca, que aproveita retalhos e sobras de tecidos.
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CriatividadeTranscrição
00:00A CIDADE NO BRASIL
00:30Eu até costumava dizer que eu nunca pensei em trabalhar com moda, nunca pensei em ser estilista.
00:36Mas, na verdade, eu acho que é uma coisa tão nata que eu não tinha que pensar, eu só tinha que ir fazendo as coisas.
00:50Eu nasci numa cidade chamada Santa Cruz Capibaribe, que fica no Agreste, Pernambuco.
00:55E essa cidade tem uma história bem peculiar com o trabalho com retalhos de tecidos, com sobras têxteis.
01:03Tem um nome específico para falar dessa produção lá, que até hoje é usado, que é a Sulanca.
01:08Então eu nasci nesse lugar que foi conhecido durante muito tempo como a capital da Sulanca.
01:12E a minha família inteira e todos os parentes sempre trabalharam com essa confecção.
01:20E aí com seis anos de idade eu comecei a brincar com a máquina de costura, mas nunca foi no sentido de produzir uma roupa, de produzir uma peça.
01:30Mas era muito de uma brincadeira, assim.
01:33Eu via aquilo ali e eu tinha a impressão que aquele objeto transformava o tecido em outras coisas, os retalhos em outras coisas.
01:43Então eu via minha mãe costurando, via minha tia, minha avó, todo mundo, e eu ficava fascinado com aquilo.
01:48E aí passei a escondido, porque minha mãe dizia que era coisa de menina, costurar, mas quando ela não estava em casa eu ia lá e costurava de tudo.
02:00Eu testava papelão, plástico, e hoje vendo muito dessa infância eu percebo que meio que o processo, a metodologia que eu acabo desenvolvendo agora
02:16seja quando eu vou desenvolver um projeto para um desfile ou para qualquer outra coisa que seja,
02:22é muito parecido com esse processo dessa brincadeira, sabe?
02:27Com a máquina e depois não mais com a máquina, com outras matérias-primas, assim.
02:37Essa é uma peça aqui que é bem interessante, porque ela é feita com vários módulos que você destaca,
02:46e monta outra peça.
02:49Então é o objeto modular vestível sulanca, e daí aqui acho que tem oito módulos, e monta essa, que seria uma jaqueta aqui.
03:01Mesmo depois de um tempo, minha primeira opção de profissão foi, fui estudar para ser professor e tudo mais,
03:14só que aí depois de um tempo, essa coisa com a costura e com o desenvolvimento de produto,
03:21que eu já fazia desde criança, mas nem sabia o que era, não sabia nominar,
03:25as pessoas começaram a me rotular como Jorge Feitosa ou estilista.
03:32E aí eu tomei como um, meio que um teste, assim, ah, vou montar um desfile, vou fazer,
03:38e vou ver no que vai dar, ver se realmente esse caminho da moda, de ser estilista aí,
03:44vai dar algum, vai ter algum rolê.
03:47E aí comecei a projetar isso, e dentro disso o processo era muito o processo que eu vi a minha mãe fazendo ali,
03:58de pegar os retalhos e fazer as peças a partir dessa matéria-prima, né?
04:03E aí já comecei com esse primeiro desfile em 2003, pensando muito a partir do imaginário do masculino,
04:11que eu sempre fazia roupas pra mim, então fui nesse lugar do masculino,
04:18e era um desfile de masculino, onde todas as peças eram partes de baixo,
04:22e eram calças ou bermudas, e naquela época eu não entendia, mas hoje olhando eu entendo que era,
04:29eu só tava completamente imitando o que a minha mãe fazia, assim.
04:33Então, hoje, depois de mais de 20 anos, né, desse rolê,
04:40eu entendo que o meu processo, ele tá muito ligado à construção técnica e metodológica
04:45que tem o processo de construção de uma peça da Sulanca.
04:49E tá muito no universo, no pensamento do que é, ou do que pode ser a moda masculina, muito nesse lugar.
04:57Não é só de resíduos que eu produzo.
05:05Eu produzo com um denim maravilhoso de parceiros, sabe, com uma malha maravilhosa de outros parceiros,
05:13porque também, pra o projeto existir, o desfile existir, eu preciso dessas parcerias, desses apoios.
05:19E eu acredito muito, assim, num caminho que eu tô percorrendo,
05:25e eu espero que um dia a gente não tenha tantos retalhos, tantas sobras, sabe?
05:31Até quando a gente vai ficar cuidando do nosso lixo, nesse sentido, assim?
05:36Porque senão a gente cai na balela de uma empresa que não tá nem aí, necessariamente,
05:41pro que ela produz como resíduo.
05:44Quando acontece o corte, ela vai lá e fala assim,
05:46Ah, e doei. Aí o problema não é mais meu, sabe?
05:49Então, eu tenho medo dessas armadilhas, assim.
05:55E uma peça que eu acho bem interessante também é essa jaqueta aqui.
06:00A jaqueta Sulanca, que foi do primeiro ajuntamento que eu fiz, assim, pra valer,
06:06pensando nessa ideia do autoral, sabe?
06:08De todo esse trabalho, esse desenvolvimento.
06:11Então, ela é super elaborada, assim, com os retalhos e os recortes.
06:24Esses cadernos são cadernos de processo.
06:27Esse aqui, por exemplo, é do ajuntamento Retrato,
06:30que é assim que eu chamo as coleções, né? Ajuntamentos.
06:31E daí eu fiz dedicado ao meu pai.
06:35E daí eu decidi homenagear ele.
06:38E brinquei aqui, por exemplo, nessa brincadeira.
06:40Tem uma parte do meu filho, foto minha,
06:43e um retrato antigo dele, do meu pai.
06:45Eu fui pegando aqui referência, eu montei esses pop-ups.
06:49Fui pegando referências dele,
06:52que me lembravam da infância com ele, assim.
06:54E aí, aqui no caderno, eu vou registrando esse processo.
06:58Aqui é uma amostragem de um exercício que eu faço a partir das referências.
07:02Eu vou desenvolvendo peças, produtos diferentes.
07:05E aqui tem uma amostragem depois de um editorial que a gente fez.
07:09Em relação à questão da moda com o social,
07:21eu acho que completamente ligados, assim, né?
07:26A pessoa que diz assim,
07:27ah, eu não ligo porque eu estou usando,
07:29eu uso qualquer coisa,
07:30ela está usando o que a indústria está descartando
07:34e que foi sobrar num tabuleiro ali de uma loja,
07:37a R$10,00 ou numa loja de R$9,99 qualquer peça.
07:42E aí, isso a gente também fica pensando,
07:45eu fico pensando muito, né?
07:46E discutindo com alguns amigos da área.
07:48Gente, como que pode uma loja dessa existir, sabe?
07:52Porque para uma peça custar R$9,90
07:56ou todas as peças da loja custar R$9,90,
08:01vamos parar um pouquinho só para analisar a cadeia social
08:05que está por trás disso, né?
08:07Dessa produção.
08:08Quem é que produz isso?
08:09Quanto recebe quem produz isso?
08:12Então, socialmente, ela interfere em tudo, assim.
08:15É uma coisa que eu penso que a marca hoje
08:19ou o que eu faço hoje pode contribuir de uma outra forma,
08:24não necessariamente fazendo a roupa
08:26e não necessariamente fazendo um desfile, sabe?
08:29Vai ser muito mais proveitoso
08:31estando principalmente do lado de várias outras pessoas.
08:34Obrigado.
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