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  • 07/05/2025
O livro Apologia de Sócrates (📚 https://amzn.to/3Q6Vekp) é um diálogo escrito por Platão no qual Sócrates defende-se perante o tribunal ateniense. Ele é acusado de corromper a juventude e negar os deuses da cidade. No tribunal, Sócrates argumenta que sua missão é buscar a sabedoria e que o Oráculo de Delfos o chamou o "mais sábio" por reconhecer sua ignorância. Ele defende a importância de questionar, examinar a vida e as crenças, e recusa fazer uma defesa formal, preferindo falar honestamente.

Gênero: Ética

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Transcrição
00:00:00Livro, Eutifron, Autor Platão
00:00:03Primeira parte, Sócrates apresenta sua defesa
00:00:08Capítulo 1
00:00:09O que vós, cidadão atenienses, havéis sentido, com o manejo dos meus acusadores, não sei.
00:00:17Certo é que eu, devido a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivamente falavam.
00:00:23Contudo, não disseram, eu afirmo, nada de verdadeiro.
00:00:28Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro.
00:00:34Aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não ser desenganados por mim, como o homem hábil no falar.
00:00:42Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos por mim, com fatos, quando eu me apresenta-se diante de vós, de nenhum modo hábil orador?
00:00:53Essa me parece a sua maior imprudência, se, todavia, não denominam hábil no falar aquele que diz a verdade.
00:01:01Porque, se dizem exatamente isso, poderei confessar que sou orador, não porém a sua maneira.
00:01:09Assim, pois, como acabei de dizer, pouco ou absolutamente nada disseram de verdade.
00:01:15Mas, ao contrário, eu voladirei em toda a sua plenitude.
00:01:20Contudo, por Zeus, não ouvireis, por certo, cidadão atenienses, discursos enfeitados de locuções e de palavras, ou adornados como os deles,
00:01:30mas coisas ditas simplesmente com as palavras que me vieram à boca.
00:01:35Pois estou certo de que é justo o que eu digo, e nenhum de vós espera outra coisa.
00:01:40Em verdade, nem conviria que eu, nesta idade, me apresenta-se diante de vós, ó cidadãos, como um jovenzinho que estuda os seus discursos.
00:01:50E, todavia, cidadãos atenienses, isso vos peço, vos suplico, se sentirdes que me defendo com os mesmos discursos com os quais costumo falas nas feiras,
00:02:01perto dos bancos, onde muitos de vós têm desouvido, e em outros lugares, não vos espanteis por isso, nem provoqueis clamor.
00:02:09Por quanto, ao seguinte, é a primeira vez que me apresento diante de um tribunal, na idade de mais de setenta anos.
00:02:17Por isso, sou quase estranho ao modo de falar aqui.
00:02:21Se eu fosse realmente um forasteiro, sem dúvida, perdoariais, se eu falasse na língua e maneira pelas quais tivesse sido educado.
00:02:30Assim também agora vos peço uma coisa que me parece justa.
00:02:33Permitime, em primeiro lugar, o meu modo de falar, e poderá ser pior ou mesmo melhor.
00:02:39Depois, considerai o seguinte, e só prestai atenção a isso, se o que digo é justo ou não.
00:02:45Essa, de fato, é a virtude do juiz, do orador, dizer a verdade.
00:02:52Capítulo 2
00:02:53É justo, pois, cidadão atenienses, que em primeiro lugar, eu me defenda das primeiras e falsas acusações que me foram apresentadas, e dos primeiros acusadores.
00:03:05Depois, me defenderei das últimas e dos últimos.
00:03:08Porque muitos dos meus acusadores têm vindo até vós já bastante tempo, talvez anos, e sem jamais dizerem a verdade.
00:03:16E esses eu temo mais do que Anito e seus companheiros, embora também sejam temíveis os últimos.
00:03:23Mais temíveis, porém, são os primeiros, ó cidadãos, os quais tomando a maior parte de vós, desde crianças, vos persuadiam e me acusavam falsamente,
00:03:33dizendo-vos que há um tal Sócrates, homem douto, especulador das cozias celestes e investigador das subterrâneas e que torna mais forte a razão mais fraca.
00:03:43Esses, cidadãos atenienses, que divulgaram tais coisas, são os acusadores que eu temo,
00:03:50pois aqueles que os escutam julgam que os investigadores de tais coisas não acreditam nem mesmo nos deuses.
00:03:56Pois esses acusadores são muito e me acusam já há bastante tempo, e, além disso, vos falavam naquela idade em que mais facilmente podias dar crédito,
00:04:07quando eras crianças e alguns de vós muito jovens, acusando-me com pertinais tenacidade, sem que ninguém me defendesse.
00:04:15E o que é mais absurdo é que não se pode saber nem dizer os seus nomes, exceto, talvez, algum comediógrafo.
00:04:23Por isso, quantos, por inveja ou calúnia, vos persuadiam, e os que, convencidos, procuravam persuadir os outros,
00:04:32são todos, por assim dizer, inabordáveis.
00:04:36Porque não é possível fazê-los comparecer aqui, nem refutar nenhum deles, mas devo eu mesmo me defender,
00:04:43quase combatendo com sombras e destruir, sem que ninguém responda.
00:04:47Admiti, também vós, como eu digo, que os meus acusadores são de duas espécies, uns, que me acusaram recentemente, outros,
00:04:56há muito dos quais estou falando e convim de que devo me defender primeiramente destes,
00:05:01porque também vós os ouviste acusar-me em primeiro lugar e durante muito mais tempo que os últimos.
00:05:07Ora bem, cidadãos atenienses, devo defender-me e empreender remover de vossa mente,
00:05:13em tão breve hora, a má opinião acolhida por vós durante muito tempo.
00:05:19Certo eu desejaria consegui-lo, e seria o melhor, para vós e para mim, se, defendendo-me, obtivesse algum proveito.
00:05:27Mas vejo a coisa difícil, e bem percebo porquê.
00:05:31De resto, seja como Deus quiser, agora é preciso obedecer a lei e em defender.
00:05:37CAPÍTULO 3
00:05:39Prossigamos, pois, e vejamos, de início, qual é a acusação, de onde nasce a calúnia contra mim,
00:05:47baseado no qual Meleto me moveu este processo.
00:05:50Ora bem, que diziam os caluniadores ao caluniar-me?
00:05:55É necessário ler a ata da acusação jurada por esses tais acusadores.
00:05:59Sócrates comete crime e perde a sua obra, investigando as coisas terrenas e as celestes,
00:06:05e tornando mais forte a razão mais débil, e ensinando isso aos outros.
00:06:10Tal é, mais ou menos, a acusação.
00:06:13E isso já vistes, vós mesmos, na comédia de Aristófanes, onde aparece, aqui e ali,
00:06:20um Sócrates que diz caminhar pelos ares e exibe muitas outras tolices, das quais não entendo nem muito, nem pouco.
00:06:27E não digo isso por desprezar tal ciência, se é que há sapiência nela,
00:06:33mas o fato é, cidadão atenienses, que, de maneira alguma, me ocupo de semelhantes coisas.
00:06:39E apresento testemunhas, vós mesmos, e peço vos informei reciprocamente,
00:06:45mutuamente vos interrogueis, quantos de vós me ouviram discursar algum dia,
00:06:51e muitos dentre vós são desses.
00:06:52Perguntai-vos uns aos outros se qualquer de vós jamais me ouviu orar, muito ou pouco,
00:06:58em torno de tais assuntos, e então reconhecereis que tais são do mesmo modo,
00:07:04as outras mentiras que dizem de mim.
00:07:06Capítulo 4
00:07:08Na realidade, nada disso é verdadeiro, e, se tem desouvido de alguém que instruo e ganho dinheiro com isso, não é verdade.
00:07:17Embora, em realidade, isso me pareça bela coisa,
00:07:21que alguém seja capaz de instruir os homens, como Górgias Leutino, Pródico de Kou, e Ípias de Élide.
00:07:28Por quanto, cada um desses, ó cidadãos, passando de cidade em cidade, é capaz de persuadir os jovens,
00:07:36os quais poderiam conversar gratuitamente com todos os cidadãos que quisessem.
00:07:41É capaz de persuadir a estar com eles, deixando as outras conversações,
00:07:46compensados com dinheiro e proporcionando-lhes prazer.
00:07:49Mas aqui há outro erudito de Paros, o qual eu soube que veio para junto de nós,
00:07:55porque encontrei por acaso um que dispendeu com os sofistas mais dinheiro que todos os outros juntos,
00:08:01Calhas de Pônico.
00:08:02Tem dois filhos e eu o interroguei.
00:08:05Calhas, se os teus filhinhos fossem poldrinhos ou bezerros,
00:08:09deveríamos escolher e pagar para eles um guardião,
00:08:12o qual os deveria aperfeiçoar nas suas qualidades inerentes.
00:08:15Seria uma pessoa que entendesse de cavalos e de agricultura.
00:08:20Mas, como são homens, qual é o mestre que deves tomar para eles?
00:08:25Qual é o que sabe ensinar tais virtudes, a humana e a civil?
00:08:30Creio bem que tens pensado nisso uma vez que tem dois filhos.
00:08:35Haverá alguém ou não?
00:08:37Certamente.
00:08:39Responde.
00:08:40E eu pergunto, quem é, de onde e por quanto ensina?
00:08:44Eveno, respondeu, de paros, por cinco minas.
00:08:49E eu acreditaria Eveno muito feliz,
00:08:52se verdadeiramente possui essa arte e a ensina com tal garbo.
00:08:57Mas o que é certo é que também eu me sentiria altivo e orgulhoso,
00:09:01se soubesse tais coisas.
00:09:03Entretanto, o fato é, cidadãos atenienses, que não sei.
00:09:08Capítulo 5
00:09:09Algum de vós, aqui, poderia talvez se opor a mim.
00:09:14Mas, Sócrates, que é que fazes?
00:09:16De onde nasceram tais calunias?
00:09:19Se não tivesses te ocupado em coisa alguma diversa das coisas que fazem os outros,
00:09:25na verdade não terias ganho tal fama e não teriam nascido acusações.
00:09:30Dizes, pois, o que é isso, a fim de que não julguem a esmo?
00:09:35Quem diz assim, parece-me que fala justamente,
00:09:39e eu procurarei demonstrar-vos que jamais foi essa a causa produtora de tal fama e de tal calúnia.
00:09:45Ouvi-me.
00:09:46Talvez possa parecer algum de vós que eu esteja gracejando.
00:09:51Entretanto, sabei o bem, eu vos direi toda a verdade.
00:09:55Porque eu, cidadãos atenienses, se conquistei esse nome, foi por alguma sabedoria.
00:10:01Que sabedoria é essa?
00:10:03Aquela que é, talvez propriamente, a sabedoria humana.
00:10:09É, em realidade, arriscado ser sábio nela,
00:10:12mas aqueles de quem falávamos ainda pouco seriam sábios de uma sabedoria mais que humana,
00:10:18ou não sei o que dizer, porque certo não a conheço.
00:10:21Não façais rumor, cidadãos atenienses, não fiqueis contra mim,
00:10:26ainda que vos pareça que eu diga qualquer coisa absurda,
00:10:29pois que não é meu discurso que estou por dizer, mas refiro-me a outro que é digno de vossa confiança.
00:10:36Apresento-vos, de fato, o Deus de Delfos como testemunha de minha sabedoria,
00:10:42se eu a tivesse, e qualquer que fosse.
00:10:44Conheceis bem Xenofonte.
00:10:48Era meu amigo desde jovem, também amigo do vosso partido democrático,
00:10:53e participou de vosso exílio e convosco repatriou-se.
00:10:57E sabeis também como era Xenofonte, veemente em tudo aquilo que empreendesse.
00:11:02Uma vez, de fato, indo a Delfos, ousou interrogar o oráculo a respeito disso e não façais rumor.
00:11:10Por isso que digo, perguntou-lhe, pois, se havia alguém mais sábio que eu.
00:11:15Ora, a pitonisa respondeu que não havia ninguém mais sábio.
00:11:20E a testemunha disso é seu irmão, que aqui está.
00:11:24Capítulo 6
00:11:25Considerai bem a razão por que digo isso.
00:11:29Estou para demonstrar-vos de onde nasceu a calúnia.
00:11:32Em verdade, ouvindo isso, pensei, que queria dizer o Deus e qual é o sentido de suas palavras obscuras.
00:11:40Sei bem que não sou sábio, nem muito nem pouco.
00:11:44O que quer dizer, pois, afirmando que sou o mais sábio?
00:11:48Certo não mente, não é possível.
00:11:50E fiquei por muito tempo em dúvida sobre o que pudesse dizer,
00:11:54Depois de grande fadiga resolvi buscar a significação do seguinte modo.
00:11:59Fui a um daqueles detentores da sabedoria, com a intenção de refutar, por meio dele, sem dúvida, o oráculo,
00:12:07e, com tais provas, opor-lhe a minha resposta.
00:12:10Este é mais sábio que eu, enquanto tu dizias que eu sou o mais sábio.
00:12:15Examinando esse tal, não importa o nome, mas era, cidadãos atenienses, um dos políticos, este de quem eu experimentava essa impressão.
00:12:25E falando com ele, afigurou-se-me que esse homem parecia sábio a muitos outros e principalmente a si mesmo, mas não era sábio.
00:12:33Procurei demonstrar-lhe que ele parecia sábio sem o ser.
00:12:38Daí me veio o ódio dele e de muitos dos presentes.
00:12:42Então, pus-me a considerar, de mim para mim, que eu sou mais sábio do que esse homem,
00:12:48pois que, ao contrário, nenhum de nós sabe nada de belo e bom,
00:12:52mas aquele homem acredita saber alguma coisa, sem sabê-la,
00:12:56enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber.
00:13:01Parece, pois, que eu seja mais sábio do que ele, nisso, ainda que seja pouca coisa,
00:13:08não acredito saber aquilo que não sei.
00:13:10Depois desse, fui a outro daqueles que possuem ainda mais sabedoria que esse,
00:13:16e me pareceu que todos são a mesma coisa.
00:13:18Daí veio o ódio também deste e de muitos outros.
00:13:23Capítulo 7
00:13:25Por fim, também fui aos artífices,
00:13:28porque estava persuadido de que por assim dizer nada sabiam,
00:13:32e, ao contrário, tenho que dizer que os achei instruídos em muitas e belas coisas.
00:13:38Em verdade, nisso me enganei.
00:13:40Eles, de fato, sabiam aquilo que eu não sabia e eram muito mais sábios do que eu.
00:13:46Mas, cidadãos atenienses, parece-me que também os artífices tinham o mesmo defeito dos poetas.
00:13:53Pelo fato de exercitar bem a própria arte,
00:13:56cada um pretendia ser sapientíssimo também nas outras coisas de maior importância,
00:14:01e esse erro obscurecia o seu saber.
00:14:04Assim, eu ia interrogando a mim mesmo,
00:14:07a respeito do que disse o oráculo,
00:14:09se devia mesmo permanecer como sou,
00:14:11nem sábio da sua sabedoria,
00:14:13nem ignorante da sua ignorância,
00:14:16ou ter ambas as coisas,
00:14:17como eles o têm.
00:14:19Em verdade, respondo a mim e ao oráculo que me convém ficar como sou.
00:14:24Capítulo 8
00:14:25Ora, dessa investigação,
00:14:28cidadãos atenienses,
00:14:30me vieram muitas inimizades e tão odiosas e graves
00:14:33que delas se derivaram outras tantas calúnias
00:14:36e me foi atribuída a qualidade de sábio,
00:14:38pois que, a cada instante,
00:14:40os presentes acreditam que eu seja sábio naquilo que refuto os outros.
00:14:45Do contrário,
00:14:46ó cidadãos,
00:14:47o Deus é que poderia ser sábio de verdade,
00:14:50ao dizer,
00:14:51no oráculo,
00:14:52que a sabedoria humana é de pouco ou nenhum preço,
00:14:55e parece que não tenha querido dizer isso de Sócrates,
00:14:58mas que se tenha servido do meu nome,
00:15:01tomando-me, por exemplo,
00:15:02como se dissesse,
00:15:03Aqueles dentre vós,
00:15:05ó homens,
00:15:06são sapientíssimos os que,
00:15:08como Sócrates,
00:15:09tenham reconhecido que em realidade não tem nenhum mérito quanto à sabedoria.
00:15:15Por isso,
00:15:15ainda agora procuro e investigo segundo a vontade do Deus,
00:15:19se algum dos cidadãos e dos forasteiros me parece sábio,
00:15:23e quando não,
00:15:24indo em auxílio do Deus,
00:15:26demonstro-lhe que não é sábio.
00:15:28E,
00:15:28ocupado em tal investigação,
00:15:30não tenho tido tempo de fazer nada de apreciável,
00:15:34nem nos negócios públicos,
00:15:36nem nos privados,
00:15:37mas encontro-me em extrema pobreza,
00:15:39por causa do serviço do Deus.
00:15:42Além disso,
00:15:43os jovens ociosos,
00:15:44os filhos dos ricos,
00:15:46seguindo-me espontaneamente,
00:15:48gostam de ouvir-me examinar os homens,
00:15:50e muitas vezes me imitam,
00:15:52por sua própria conta,
00:15:54e empreendem examinar os outros.
00:15:55Então,
00:15:57encontram grande quantidade daqueles que acreditam saber alguma coisa,
00:16:01mas,
00:16:02pouco ou nada sabem.
00:16:04Daí,
00:16:04aqueles que são examinados por eles encolerizam-se comigo assim como com eles,
00:16:09e dizem que há um tal Sócrates,
00:16:12perfidíssimo,
00:16:13que corrompe os jovens.
00:16:15E quando alguém os pergunta o que é que ele faz e ensina,
00:16:18não tem nada o que dizer,
00:16:20pois ignoram.
00:16:21Para não parecerem embaraçados,
00:16:23dizem aquela acusação comum,
00:16:26a qual é movida a todos os filósofos,
00:16:28que ensina as coisas celestes e terrenas,
00:16:31a não acreditar nos deuses,
00:16:33e a tornar mais forte a razão mais débil.
00:16:36Sim,
00:16:37porque não querem,
00:16:38ao meu ver,
00:16:39dizer a verdade,
00:16:40isto é,
00:16:41que descobriram a presunção de seu saber,
00:16:44quando não sabem nada.
00:16:46Assim,
00:16:47penso,
00:16:47sendo eles ambiciosos e resolutos e em grande número,
00:16:51e falando de mim concordemente e persuasivamente,
00:16:54vos encheram os ouvidos caluniando-me de há muito tempo e com persistência.
00:16:59Entre esses,
00:17:01arremessaram-se contra mim Meleto,
00:17:03Anito e Licom,
00:17:04Meleto pelos poetas,
00:17:06Anito pelos artífices,
00:17:08Licom pelos oradores.
00:17:10De modo que,
00:17:11como eu dizia no princípio,
00:17:13ficaria maravilhado se conseguisse,
00:17:16em tão breve tempo,
00:17:17tirar do vosso ânimo a força dessa calúnia,
00:17:20tornada tão grande.
00:17:22Eis a verdade,
00:17:23cidadãos atenienses,
00:17:25e eu falo sem esconder nem dissimular nada de grande ou de pequeno.
00:17:30Saibam,
00:17:31quantos o queiram,
00:17:32que por isso sou odiado,
00:17:34e que digo a verdade,
00:17:35e que tal é a calúnia contra mim e tais são as causas.
00:17:39E tanto agora como mais tarde ou em qualquer tempo,
00:17:43podereis considerar essas coisas.
00:17:45São como digo.
00:17:47Capítulo 9
00:17:48É suficiente,
00:17:50pois,
00:17:51esta minha defesa diante de vós,
00:17:54contra a acusação movida a mim pelos primeiros acusadores.
00:17:58Agora procurarei defender-me de Meleto,
00:18:01homem de bem e amante da pátria,
00:18:04como dizem,
00:18:05e um dos últimos acusadores.
00:18:07Voltemos,
00:18:08portanto,
00:18:09ao ato de acusação,
00:18:11jurado por ele,
00:18:12como por outros acusadores.
00:18:14É mais ou menos assim,
00:18:16Sócrates,
00:18:17diz a acusação,
00:18:19comete crime corrompendo os jovens e não considerando como deuses os deuses que a cidade considera,
00:18:25porém outras divindades novas.
00:18:27Esta é a acusação.
00:18:30Examinemo-la agora,
00:18:32em todos os seus vários pontos.
00:18:35Diz,
00:18:35primeiro,
00:18:36que cometo crime,
00:18:38corrompendo jovens.
00:18:40Ao contrário,
00:18:41eu digo,
00:18:42cidadãos atenienses,
00:18:44Meleto é quem comete crime,
00:18:46porque brinca com as coisas graves.
00:18:48Conduzindo com facilidade os homens ao tribunal,
00:18:51aparentando ter cuidado e interesse por coisas em que de fato nunca pensou,
00:18:57procurarei mostrar-vos que é bem assim.
00:19:00Capítulo 10
00:19:01Agora,
00:19:03dize-me,
00:19:04Meleto,
00:19:05não é verdade que te importa bastante que os jovens se tornem cada vez melhores,
00:19:10tanto quanto possível?
00:19:12Sim,
00:19:13é certo.
00:19:14Vamos,
00:19:15pois,
00:19:16dize-lhes quem os torna melhores.
00:19:18É claro que tu o deve saber,
00:19:19sendo coisa que te preocupa,
00:19:22tendo de fato encontrado quem os corrompe,
00:19:24como afirmas,
00:19:25uma vez que me trouxeste aqui e me acusas.
00:19:28Continua,
00:19:29fala e indica-lhes quem os torna melhores.
00:19:33Vê,
00:19:34Meleto,
00:19:35calas e não sabes o que dizer.
00:19:37E,
00:19:38ao contrário,
00:19:39não te parece vergonhoso e suficiente prova do que justamente eu digo,
00:19:43que nunca pensaste em nada disso.
00:19:46Mas,
00:19:47dizes,
00:19:48homem de bem,
00:19:48quem os torna melhores.
00:19:51As leis.
00:19:52Mas não pergunto isso,
00:19:54ótimo homem,
00:19:55mas qual o homem que sabe,
00:19:57em primeiro lugar,
00:19:58isso exatamente,
00:20:00as leis.
00:20:01Aqueles,
00:20:02Sócrates,
00:20:03os juízes.
00:20:05Como,
00:20:05Meleto,
00:20:06esses são capazes de educar os jovens e os tornar melhores?
00:20:11Como não?
00:20:12Todos,
00:20:13ou alguns apenas,
00:20:14outros não?
00:20:15Todos.
00:20:16Muito bem respondido,
00:20:18por era.
00:20:19Vê quanta abundância de pessoas úteis.
00:20:22Como,
00:20:23também estes,
00:20:25que nos escutam,
00:20:26tornam melhores os jovens ou não?
00:20:29Também estes.
00:20:30E os senadores?
00:20:32Também os senadores.
00:20:34É assim,
00:20:36Meleto.
00:20:36Não corrompem os jovens os cidadãos da Assembleia, ou também todos esses os tornam melhores?
00:20:44Também esses.
00:20:45Assim,
00:20:46pois,
00:20:47todos os homens,
00:20:48como parece,
00:20:49tornam melhores os jovens,
00:20:51exceto eu.
00:20:53Só eu corrompo os jovens.
00:20:55Não é isso?
00:20:56Isso exatamente afirmo de modo conciso.
00:21:00Ó,
00:21:01que grande desgraça descobriste em mim.
00:21:04E responde-me,
00:21:06será assim também para os cavalos?
00:21:08Que aqueles que os tornam melhores são todos homens,
00:21:12se que só um os corrompe?
00:21:14Ou será o contrário,
00:21:15que um só é capaz de os tornar melhores,
00:21:18e bem poucos aqueles que entendem de cavalos,
00:21:21e os mais,
00:21:22quando querem manejá-los e usá-los,
00:21:24os estragam?
00:21:25Não é assim,
00:21:27Meleto,
00:21:27para os cavalos como para todos os animais?
00:21:31Sim,
00:21:32certamente,
00:21:33ainda que tu e Anito neguem ou afirmem.
00:21:36Pois seria uma grande fortuna para os jovens que um só corrompesse e os outros lhe fossem todos úteis.
00:21:43Mas,
00:21:44na realidade,
00:21:45Meleto,
00:21:46mostraste o suficiente que jamais te preocupaste com os jovens,
00:21:50e claramente revelaste o teu desmazelo,
00:21:52que nenhum pensamento te passou pela mente,
00:21:55disto que me acusas.
00:21:57Capítulo 11
00:21:58E agora,
00:22:00dize-me,
00:22:01por Zeus,
00:22:02Meleto,
00:22:03que é melhor,
00:22:04viver entre virtuosos cidadãos ou entre malvados.
00:22:08Responde,
00:22:09meu caro,
00:22:09não te pergunto uma coisa difícil.
00:22:12Não fazem os malvados alguma maldade aos que são seus vizinhos,
00:22:17e alguns benefícios os bons?
00:22:20Certamente.
00:22:20E haverá quem prefira receber malefícios a ser auxiliado por aqueles que estão com ele?
00:22:27Responde,
00:22:28porque também a lei manda responder.
00:22:31Há os que gostam de ser prejudicados.
00:22:34Não,
00:22:35por certo.
00:22:37Vamos,
00:22:37pois,
00:22:38tu me acusas como pessoa que corrompe os jovens e os torna piores,
00:22:43voluntariamente ou involuntariamente.
00:22:46Para mim,
00:22:47voluntariamente.
00:22:48Como,
00:22:49Meleto,
00:22:50tu,
00:22:51nesta idade,
00:22:52és mais sábido que eu,
00:22:53tão velho,
00:22:54sabendo que os maus fazem sempre mal aos mais próximos e os bons fazem bem.
00:22:59Eu,
00:22:59pois,
00:23:00cheguei a tal grau de ignorância que não sei nem isso,
00:23:03que se tornasse maus alguns daqueles que estavam comigo,
00:23:07correria o risco de receber dano,
00:23:09se é que faço um tão grande mal,
00:23:11como dizes.
00:23:11Não te creio,
00:23:13Meleto,
00:23:14quanto a isso,
00:23:15e ninguém te acredita,
00:23:17penso.
00:23:18Mas,
00:23:19ou não os corrompo,
00:23:20ou,
00:23:21se os corrompo,
00:23:22é involuntariamente,
00:23:24e em ambos os casos mentiste.
00:23:26E,
00:23:27se os corrompo involuntariamente,
00:23:29não há leis que mandem trazer aqui alguém,
00:23:31por tais fatos involuntários,
00:23:33mas há as que mandam conduzi-lo em particular,
00:23:36instruindo,
00:23:37advertindo.
00:23:38É claro que se me convencer,
00:23:40cessarei de fazer o que estava fazendo sem querer.
00:23:44Tu,
00:23:44ao contrário,
00:23:45evitaste encontrar-me e instruir-me,
00:23:48não o quiseste,
00:23:49e me conduzes aqui,
00:23:51onde a lei ordena citar aqueles que têm necessidade de pena e não de instrução.
00:23:56Capítulo 12
00:23:57Mas,
00:23:59cidadãos atenienses,
00:24:00os fatos evidenciaram o que eu sempre disse.
00:24:03Jamais Meleto prestou atenção a tais coisas,
00:24:07nem muita,
00:24:08nem pouca.
00:24:10Todavia,
00:24:11explica,
00:24:11Meleto,
00:24:12o que significa a tua expressão,
00:24:15dizendo corrompo os jovens.
00:24:17É claro,
00:24:18segundo a acusação escrita por ti mesmo,
00:24:20que ensino a não respeitar os deuses que a cidade respeita,
00:24:24porém,
00:24:25outras divindades novas.
00:24:27Não dizes que os corrompo,
00:24:29ensinando tais coisas.
00:24:32Sim,
00:24:32é isso mesmo que eu digo,
00:24:34sempre que posso.
00:24:36Assim,
00:24:37pois,
00:24:38Meleto,
00:24:38por estes mesmos deuses,
00:24:40de que agora está falando,
00:24:42fala ainda mais claro,
00:24:44a mim e aos outros.
00:24:46Não consigo entender se dizes que eu ensino a acreditar que existem certos deuses,
00:24:51e em verdade creio que existem deuses,
00:24:53e não sou de todo ateu,
00:24:55nem sou culpado de tal erro,
00:24:56mas não são os da cidade,
00:24:59porém outros,
00:24:59e disso exatamente me acusas,
00:25:02dizendo que eu creio em outros deuses.
00:25:04Ou dizes que eu mesmo não creio inteiramente nos deuses e que ensino isso aos outros.
00:25:10Eu digo isso,
00:25:12que não acreditas inteiramente nos deuses.
00:25:15Admirável Meleto,
00:25:17a quem disse eu isso?
00:25:19Não creio,
00:25:20pois,
00:25:21do mesmo modo que os outros homens,
00:25:23que o sol e a lua são deuses.
00:25:26Não,
00:25:26por Zeus,
00:25:27ó juízes,
00:25:28ele disse de fato que o sol é uma pedra,
00:25:31e a lua,
00:25:32terra.
00:25:32Tu acreditas acusar Anaxagoras,
00:25:36caro Meleto,
00:25:37e me desprezas tanto e me consideras tão privado de letras a ponto de não saber que os livros de Anaxagoras Clasomenio estão cheios de tais raciocínios?
00:25:46De modo que os jovens aprendem coisas de mim,
00:25:50pelas quais podem talvez,
00:25:52pagando todos no máximo uma dracma,
00:25:54rir-se de Sócrates,
00:25:56quando se lhe atribui arrogância,
00:25:58embora isso pareça estranho.
00:26:00Mas,
00:26:01por Zeus,
00:26:02assim te parece,
00:26:03que eu creio que não exista nenhum Deus.
00:26:06Nenhum,
00:26:07por Zeus,
00:26:08nenhum mesmo.
00:26:10És de certo,
00:26:11indigno de fé,
00:26:12Meleto,
00:26:13e também a ti mesmo,
00:26:15me parece,
00:26:15tais coisas são inacreditáveis.
00:26:18Porque este homem,
00:26:20cidadãos atenienses,
00:26:21me parece a própria arrogância e imprudência,
00:26:25e certamente escreveu essa acusação por medo,
00:26:28intemperança e leviandade juvenil.
00:26:31De fato ele,
00:26:32para mim,
00:26:33se assemelha a alguém que proponha um enigma e diga,
00:26:36interrogando-se a si mesmo,
00:26:38perceberá Sócrates,
00:26:39o sábio,
00:26:40que eu estou zombando dele e me contradigo,
00:26:42ou conseguirei enganá-lo e aos outros que me ouvem.
00:26:46E,
00:26:47ao contrário,
00:26:48me parece que,
00:26:49no ato da acusação,
00:26:51se contradiz de propósito,
00:26:53como se dissesse,
00:26:54Sócrates comete crime,
00:26:56não acreditando nos deuses,
00:26:58mas acreditando nos deuses.
00:27:00E isso,
00:27:01na verdade,
00:27:02é fazer zombaria.
00:27:04Capítulo 13
00:27:05Considerai,
00:27:07pois,
00:27:08comigo,
00:27:09ó cidadãos,
00:27:10de que modo me parece que ele diz isso?
00:27:13Responde-nos tu,
00:27:14Meleto,
00:27:15e vós,
00:27:16como pedi a princípio,
00:27:17não façais rumor contra mim,
00:27:19se conduz o raciocínio desse modo.
00:27:22Existem entre os homens,
00:27:24Meleto,
00:27:25os que acreditam que há coisas humanas,
00:27:27que não há homens.
00:27:29Que responda ele,
00:27:30ó juízes,
00:27:32sem resmungar hora uma coisa hora outra.
00:27:34Há os que acreditam que não há cavalos,
00:27:38e coisas que tenham relação com os cavalos sim?
00:27:41Ou acreditam que não há flautistas,
00:27:44e coisas relativas à flauta sim?
00:27:46Não há.
00:27:48Ótimo homem,
00:27:49se não queres responder,
00:27:50digo eu,
00:27:51aqui,
00:27:52a ti e aos outros presentes.
00:27:55Mas,
00:27:55ao menos,
00:27:56responde a isto.
00:27:58Há quem acredite que há coisas demoníacas,
00:28:01e demônios não?
00:28:02Não há.
00:28:03Ó,
00:28:04como estou contente que tenhas respondido de má vontade,
00:28:08constrangido por outros.
00:28:10Tu dizes.
00:28:12Pois,
00:28:12que eu creio e ensino coisas demoníacas,
00:28:15sejam novas,
00:28:16sejam velhas.
00:28:18Portanto,
00:28:19segundo o teu raciocínio,
00:28:20eu creio que há coisas demoníacas,
00:28:22e o juraste na tua acusação.
00:28:24Ora,
00:28:25se creio que há coisas demoníacas,
00:28:28certo é absolutamente necessário que eu creia também na existência dos demônios.
00:28:33Não é assim?
00:28:35Assim é,
00:28:36estou certo de que o admites,
00:28:38porque não respondes.
00:28:40E não temo em apreço os demônios como deuses ou filho de deuses.
00:28:44Sim ou não?
00:28:47Sim,
00:28:48é certo.
00:28:49Se,
00:28:50pois,
00:28:50creio na existência dos demônios,
00:28:52como dizes,
00:28:54se os demônios são uma espécie de deuses,
00:28:56isso seria propor que não acredito nos deuses,
00:28:59e depois,
00:29:00que,
00:29:01ao contrário,
00:29:02creio nos deuses,
00:29:03porque ao menos creio na existência dos demônios.
00:29:06Se,
00:29:07por outra parte,
00:29:08os demônios são filhos bastardos dos deuses com as ninfas,
00:29:12ou outras mulheres,
00:29:13das quais somente se dizem nascidos,
00:29:16quem jamais poderia ter a certeza de que são filhos dos deuses se não existem deuses?
00:29:21Seria de fato do mesmo modo absurdo que alguém acreditasse nas mulas,
00:29:26filhas de cavalos e das jumentas,
00:29:28e acreditasse em não existirem cavalos e asnos.
00:29:32Mas,
00:29:33Meleto,
00:29:33tua acusação foi feita para me pôr à prova,
00:29:37ou também por não saber a verdadeira culpa que me pudesses atribuir.
00:29:41Por que,
00:29:41pois,
00:29:42te arriscas a persuadir um homem,
00:29:44mesmo de mente restrita,
00:29:46de que pode a mesma pessoa acreditar na existência das coisas demoníacas e divinas,
00:29:51e,
00:29:52de outro lado,
00:29:53essa pessoa não admitir demônios,
00:29:56nem deuses,
00:29:57nem heróis?
00:29:57Isso não é possível.
00:30:00Capítulo 14
00:30:01Em realidade,
00:30:03cidadãos atenienses,
00:30:05para demonstrar que não sou réu,
00:30:07segundo a acusação de Meleto,
00:30:09não me parece ser necessária longa defesa,
00:30:12mas isso basta.
00:30:14Aquilo,
00:30:15pois,
00:30:15que eu dizia no princípio,
00:30:17que há muito ódio contra mim,
00:30:19e muito acumulado,
00:30:21bem sabeis que é verdade.
00:30:23E isso é o que me vai perder,
00:30:24se eu me perder,
00:30:25e não Meleto,
00:30:27ou Anito,
00:30:27mas,
00:30:28a calúnia e a incídia do povo.
00:30:30Pela mesma razão se perderam muitos outros homens virtuosos,
00:30:34e outros ainda,
00:30:36creio,
00:30:36serão perdidos.
00:30:38Não há perigo que a série se feche comigo.
00:30:40Mas talvez pudesse alguém dizer,
00:30:43não te envergonhas,
00:30:44Sócrates,
00:30:45de te aplicar-des a tais ocupações,
00:30:48pelas quais agora está arriscado a morrer?
00:30:50Há isso,
00:30:51porém justo raciocínio,
00:30:53e é o seguinte.
00:30:54Não estás falando bem,
00:30:56meu caro,
00:30:57se acreditas que um homem,
00:30:58de qualquer utilidade,
00:31:00por menor que seja,
00:31:01deve fazer caso dos riscos de viver ou morrer,
00:31:04e,
00:31:05ao contrário,
00:31:06só deve considerar uma coisa.
00:31:08Quando fizer o que quer que seja,
00:31:10deve considerar se faz coisa justa ou injusta,
00:31:13se está agindo como homem virtuoso ou desonesto.
00:31:17Porquanto,
00:31:18segundo a tua opinião,
00:31:19seriam desprezíveis todos aqueles semideuses que morreram em Troia.
00:31:24E,
00:31:25com eles,
00:31:25o filho de Tetes,
00:31:27o qual,
00:31:28para não sobreviver à vergonha,
00:31:30desprezou de tal modo perigo que,
00:31:32desejoso de matar Heitor,
00:31:34não deu ouvido à predição de sua mãe,
00:31:36que era uma deusa,
00:31:37e a qual lhe deve ter dito mais ou menos isto.
00:31:40Filho,
00:31:41se vingares a morte de teu amigo Pátroclo e matares Heitor,
00:31:45tu mesmo morrerás,
00:31:46porque,
00:31:47imediatamente depois de Heitor,
00:31:49o teu destino estará terminado.
00:31:52Ouviu tais palavras,
00:31:54não fez nenhum caso da morte e dos perigos,
00:31:57e,
00:31:57temendo muito mais o viver ignóbio e não vingar os amigos,
00:32:01disse,
00:32:02morra eu imediatamente depois de ter punido o culpado,
00:32:05para que não permaneça aqui como objeto de riso,
00:32:09junto das minhas naus recurvas e nútil fardo da terra.
00:32:12Creis que tenha feito o caso dos perigos e da morte?
00:32:16Porque,
00:32:17em verdade,
00:32:18assim é,
00:32:19cidadãos atenienses,
00:32:20onde quer que alguém tenha colocado,
00:32:23reputando o melhor posto,
00:32:24ou se for ali colocado pelo comandante,
00:32:27tem necessidade,
00:32:28a meu ver,
00:32:29de ir firme ao encontro dos perigos,
00:32:32sem se importar com a morte ou com coisa alguma,
00:32:35a não ser com as torpesas.
00:32:37Capítulo XV
00:32:38Gravíssimo erro deveria considerar,
00:32:41cidadãos atenienses,
00:32:43quando os comandantes,
00:32:44por vós eleitos para me dirigirem,
00:32:47me assinalaram um posto em Potidéia,
00:32:49em Anfípolo,
00:32:50em Délio,
00:32:51não ter ficado eu onde me colocaram como qualquer outro e correndo perigo de morte.
00:32:56Quando,
00:32:57pois,
00:32:58o Deus me ordenava,
00:32:59como penso e estou convencido,
00:33:01que eu devia viver filosofando e examinando a mim mesmo e aos outros,
00:33:05então eu,
00:33:07se temendo a morte ou qualquer outra coisa,
00:33:10tivesse abandonado meu posto,
00:33:12isso seria deveras intolerável.
00:33:14Nesse caso,
00:33:15com razão,
00:33:16alguém poderia conduzir-me ao tribunal,
00:33:19e acusar-me de não acreditar na existência dos deuses,
00:33:22desobedecendo ao oráculo,
00:33:24e temendo a morte,
00:33:26e reputando-me sábios sem o ser.
00:33:28Pois que,
00:33:29ó cidadãos atenienses,
00:33:31o temer a morte não é outra coisa que parecer ter sabedoria,
00:33:35não tendo.
00:33:36É de fato parecer saber o que não se sabe.
00:33:40Ninguém sabe,
00:33:41na verdade,
00:33:42se por acaso a morte não é o maior de todos os bens para o homem,
00:33:46e entretanto todos a temem,
00:33:48como se soubessem,
00:33:50com certeza,
00:33:51que é o maior dos males.
00:33:53E o que é senão ignorância,
00:33:54de todas a mais reprovável,
00:33:57acreditar saber aquilo que não se sabe.
00:34:00Eu,
00:34:01por mim,
00:34:01ó cidadãos atenienses,
00:34:03talvez nisso seja diferente da maior parte dos homens,
00:34:07eu diria isto,
00:34:08não sabendo bastante das coisas do Hades,
00:34:11delas não fugirei.
00:34:13Mas fazer injustiça,
00:34:14desobedecer a quem é melhor e sabe mais do que nós,
00:34:18seja Deus,
00:34:19seja homem.
00:34:20Isso é que é mal e vergonha.
00:34:22Não temerei nem fugirei das coisas que não sei se,
00:34:27por acaso,
00:34:28são boas ou más.
00:34:29Anito disse que,
00:34:31ou não se devia,
00:34:32desde o princípio,
00:34:33trazer-me aqui,
00:34:35ou,
00:34:35uma vez que me trouxeram não é possível deixarem de me condenar à morte,
00:34:40afirmando que,
00:34:41se eu me salvasse,
00:34:42imediatamente os vossos filhos,
00:34:44seguindo os ensinamentos de Sócrates,
00:34:47estariam de fato corrompidos.
00:34:49Mas,
00:34:50se me absolvesses,
00:34:51não cedendo a Anito,
00:34:53se me dissesseis,
00:34:54Sócrates,
00:34:55agora não damos crédito a Anito,
00:34:57mas te absolveremos,
00:34:59contando que não te ocupes mais dessas tais pesquisas e de filosofar.
00:35:03Porque,
00:35:04se fores apanhado ainda a fazer isso,
00:35:06morrerás.
00:35:07Se,
00:35:08pois,
00:35:09me absolvesseis sob tal condição,
00:35:11eu vos diria,
00:35:12cidadãos atenienses,
00:35:14eu vos respeito e vos amo.
00:35:16Mas obedecerei aos deuses em vez de obedecer a vós,
00:35:19enquanto eu respirar e estiver na posse de minhas faculdades,
00:35:23não deixarei de
00:35:24filosofar e de vos exortar ou de instruir cada um,
00:35:28quem quer que seja que vier à minha presença,
00:35:31dizendo-lhe,
00:35:32como é meu costume.
00:35:33Ótimo homem,
00:35:34tu que és cidadão de Atenas,
00:35:36da cidade maior e mais famosa pelo saber e pelo poder,
00:35:40não te envergonhas de fazer caso das riquezas,
00:35:43para guardares quanto mais puderes e da glória e das honrarias,
00:35:47e,
00:35:47depois,
00:35:48não fazer caso e nada te importares de sabedoria,
00:35:52da verdade e da alma,
00:35:54para tê-la cada vez melhor?
00:35:56E,
00:35:56se algum de vós protestar e prometer cuidar,
00:35:59não o deixarei já,
00:36:00nem irei embora,
00:36:02mas o interrogarei e o examinarei e o convencerei.
00:36:05E,
00:36:05em qualquer momento que pareça que não possui virtude,
00:36:08convencido de que a possuo,
00:36:10o reprovarei,
00:36:11porque faz pouquíssimo caso das coisas de grandíssima importância
00:36:15e grande caso das parvoices.
00:36:18E isso farei com quem quer que seja que me apareça,
00:36:21seja jovem ou velho,
00:36:22forasteiro ou cidadão,
00:36:24tanto mais com os cidadãos quanto mais me sejam vizinhos por nascimento.
00:36:29Isso justamente é o que me manda o Deus,
00:36:31e vós o sabeis,
00:36:33e creio que nenhum bem maior tendes na cidade,
00:36:36maior que este meu serviço do Deus.
00:36:38Por toda parte eu vou persuadindo a todos,
00:36:41jovens e velhos,
00:36:42a não se preocuparem exclusivamente,
00:36:45e nem tão ardentemente,
00:36:46com o corpo e com as riquezas,
00:36:48como devem preocupar-se com a alma,
00:36:51para que ela seja quanto possível melhor,
00:36:53e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza,
00:36:56mas da virtude vem,
00:36:58aos homens,
00:36:59às riquezas e todos os outros bens,
00:37:01tanto públicos como privados.
00:37:03Se, falando assim,
00:37:05eu corrompo jovens,
00:37:07tais raciocínios são prejudiciais,
00:37:09mas se alguém disser que digo outras coisas que não essas,
00:37:13não diz a verdade.
00:37:14Por isso vos direi,
00:37:16cidadãos atenienses,
00:37:17que secundado a Nito ou não,
00:37:20absolvendo-me ou não,
00:37:21não farei outra coisa,
00:37:23nem que tenha de morrer muitas vezes.
00:37:26CAPÍTULO 16
00:37:27Não façais rumor,
00:37:29cidadãos atenienses,
00:37:31mas perseverai no que vos estou dizendo,
00:37:34isto é,
00:37:35não vocifereis pelas coisas que vos digo,
00:37:37mas ouvi-me,
00:37:38pois escutando-me,
00:37:40penso que tirareis proveito.
00:37:42Aqui estou para vos dizer algumas outras coisas,
00:37:45e talvez,
00:37:46por isso,
00:37:47levantareis a voz,
00:37:48mas não o deveis fazer.
00:37:50Sabei o bem,
00:37:51se me condenais a morrer,
00:37:53a mim que sou tal como eu digo,
00:37:55não causareis maior dano a mim que vós mesmos.
00:37:59E,
00:37:59de fato,
00:38:00nem Meleto,
00:38:01nem Anito me poderiam fazer mal em coisa em alguma.
00:38:05Isso jamais seria possível,
00:38:07pois que não pode acontecer que um homem melhor receba dano de um pior.
00:38:11É possível que me mandem matar,
00:38:13ou me exilem,
00:38:14ou me tolham os direitos civis.
00:38:16Mas provavelmente,
00:38:17eles ou quaisquer outros reputam tais coisas como grandes males,
00:38:22ao passo que eu não considero assim,
00:38:24e,
00:38:24ao contrário,
00:38:25considero muito maior mal fazer o que agora eles estão fazendo,
00:38:29procurando matar injustamente um homem.
00:38:32Ora,
00:38:32pois,
00:38:33cidadãos atenienses,
00:38:34estou bem longe de me defender por amor a mim mesmo,
00:38:38como alguém poderia supor,
00:38:40mas por amor a vós,
00:38:41para que,
00:38:42condenando-me,
00:38:43não tenhais de cometer o erro de repelir o dom de mim que vos fez o Deus.
00:38:48Pois que,
00:38:49se me mandares matar,
00:38:50não encontrareis facilmente outro igual,
00:38:53que,
00:38:53pode parecer ridículo dizê-lo,
00:38:56tenha sido adaptado pelo Deus à cidade,
00:38:58do mesmo modo com a um cavalo grande e de pura raça,
00:39:02mas um pouco lerdo pela sua gordura,
00:39:04é aplicada necessária e esporada para sacudí-lo.
00:39:08Assim justamente me parece que o Deus me aplicou à cidade,
00:39:11de maneira que,
00:39:13despertando cada um de vós e persuadindo-vos e desaprovando-vos,
00:39:17não deixo de vos esporar os flancos,
00:39:19por toda parte,
00:39:20durante todo o dia.
00:39:22E outro parecido,
00:39:24não tereis tão facilmente,
00:39:26cidadãos.
00:39:26Mas,
00:39:28se me ouvisseis,
00:39:29me pouparíeis.
00:39:31É possível que vós irritados como aqueles que são despertados quando no melhor do dono,
00:39:36repelindo-me para condescender com Anito,
00:39:39levianamente me condeneis à morte,
00:39:41para dormir-des o resto da vida,
00:39:43se,
00:39:44entretanto,
00:39:45o Deus,
00:39:46pensando em vós,
00:39:47não vos mandar algum outro.
00:39:49Que eu seja um homem cuja qualidade é a de ser um dom feito pelo Deus à cidade,
00:39:54podereis deduzir do seguinte.
00:39:55Não é,
00:39:57na verdade,
00:39:57do homem,
00:39:58eu ter descuidado das minhas coisas,
00:40:01resignando-me por tantos anos a me descuidar dos negócios domésticos para acudir sempre aos vossos,
00:40:07aproximando-me sempre de cada um de vós em particular como um pai ou irmão mais velho,
00:40:12persuadindo-vos a vos preocupardes com a virtude?
00:40:15Se,
00:40:17em verdade,
00:40:18disto eu obtivesse qualquer coisa e recebesse compensação de tais advertências,
00:40:23teria uma razão.
00:40:25Mas agora vós mesmos vedes que os acusadores,
00:40:28tendo acusado a mim,
00:40:30com tanta imprudência,
00:40:31de tantas outras coisas,
00:40:33não foram capazes de apresentar uma testemunha de que eu tenha contratado ou pedido alguma recompensa.
00:40:39Pois bem,
00:40:41apresento um testemunho suficiente do que digo,
00:40:44a minha pobreza.
00:40:46Capítulo 17
00:40:47Mas,
00:40:49poderia talvez parecer estranho que eu,
00:40:51andando daqui para lá,
00:40:53me cansasse dando em particular esses conselhos,
00:40:56e depois,
00:40:57em público,
00:40:58não ousasse,
00:40:59subindo diante do vosso povo aconselhar a cidade.
00:41:02A causa disso é a que em várias circunstâncias,
00:41:06eu vos disse muitas vezes,
00:41:08a mim me acontece qualquer coisa de divino e demoníaco.
00:41:11Isso justamente Meleto escreveu também no ato da acusação,
00:41:15ombando de mim-mim.
00:41:16E tal fato começou comigo em criança.
00:41:20Ouço uma voz,
00:41:21e toda vez que isso acontece ela me desvia do que estou a pique de fazer,
00:41:26mas nunca me leva a ação.
00:41:28Ora,
00:41:29é isso que me impede de me ocupar dos negócios do Estado.
00:41:33E até me parece que muito a propósito me impede,
00:41:36porquanto,
00:41:37sabeio bem,
00:41:38cidadãos atenienses,
00:41:39se eu,
00:41:40há muito tempo,
00:41:41tivesse empreendido ocupar-me com os negócios do Estado há muito tempo já estaria morto.
00:41:46E não teria sido útil em nada,
00:41:49nem a vós,
00:41:50nem a mim mesmo.
00:41:51E não vos encolherizeis comigo,
00:41:53porque digo a verdade,
00:41:55não há nenhum homem que se salve,
00:41:57sequer opor-se,
00:41:58com franqueza,
00:41:59a vós ou a qualquer outro povo,
00:42:01e impedir que muitos atos contrários à justiça e às leis se pratiquem na cidade.
00:42:06E não há outro caminho.
00:42:09Quem combate verdadeiramente pelo que é justo,
00:42:12se quer ser salvo por algum tempo,
00:42:14deve viver a vida privada,
00:42:16nunca meter-se nos negócios públicos.
00:42:19Disso vos poderei dar grandes provas,
00:42:21não palavras,
00:42:23mas o que prezei,
00:42:24fatos.
00:42:25Ouvi,
00:42:26pois,
00:42:27de minha boca,
00:42:28o que me aconteceu,
00:42:29para que não saibais que não há ninguém a quem eu tenha feito concessões com desprezo da justiça
00:42:35e por medo da morte,
00:42:36e que,
00:42:37ao mesmo tempo,
00:42:38por essa recusa de toda concessão deverei morrer.
00:42:42Dir-vos-ei talvez coisas comuns e pedantescas,
00:42:45mas verdadeiras.
00:42:47De fato,
00:42:48cidadãos atenienses,
00:42:50não tenho mais nenhum cargo público na cidade,
00:42:53mas fui senador,
00:42:54e,
00:42:54a nossa anticoida coube por sorte a Britânia,
00:42:57quando quisestes que aqueles dez estrategistas,
00:43:01que não haviam recolhidos os mortos e os náufragos da batalha naval,
00:43:05fossem julgados coletivamente,
00:43:07contra a lei,
00:43:08no que todos vós conviestes.
00:43:10Então somente eu,
00:43:12dos pritanos,
00:43:13me opus a vós,
00:43:14não querendo agir em oposição à lei e votei contra.
00:43:18E,
00:43:18embora os oradores estivessem prontos a me acusar e me prender,
00:43:22e vós os encorajásseis vociferando,
00:43:25mesmo assim,
00:43:26achei que me convinha mais correr perigo com a lei e com o que era justo,
00:43:30do que,
00:43:31por medo do cárcere e da morte,
00:43:33estar convosco,
00:43:34vós que deliberáveis o injusto.
00:43:37Isso acontecia quando a cidade era ainda governada pela democracia.
00:43:42Quando veio a oligarquia,
00:43:44os trinta,
00:43:45novamente tendo-me chamado,
00:43:47em quinto lugar,
00:43:48ao tolo,
00:43:49orderam-me que fosse a Salamina buscar o leão Salamínio,
00:43:52para que fosse morte.
00:43:54Muitos fatos desse gênero tinham sido ordenados a muitos outros,
00:43:59com o fim de cobrir de infâmia quanto pudessem.
00:44:02Também naquele momento,
00:44:03não com palavras mas com fatos,
00:44:06demonstrei de novo que a morte não me importava,
00:44:09ou me importava menos que um figo,
00:44:11eu diria se não fosse indelicado dizê-lo.
00:44:14Mas não fazer nada de injusto e de ímpio isso sim,
00:44:18me importa acima de tudo.
00:44:20Pois aquele governo,
00:44:21embora tão violento,
00:44:23não me intimidou,
00:44:24para que fizesse alguma injustiça.
00:44:26Mas quando saímos de tolo,
00:44:28os outros quatro foram a Salaminas e trouxeram leão.
00:44:32E eu, ao contrário,
00:44:33afastei-me deles e fui para casa.
00:44:36Naquela ocasião,
00:44:37eu teria sido morto,
00:44:39se o governo não fosse derrubado pouco depois.
00:44:42E disso tendes testemunhas em grande número.
00:44:46Capítulo 18
00:44:48Ora, julgais que eu teria vivido tantos anos,
00:44:51se me tivesse aplicado aos negócios públicos,
00:44:54e procedendo como homem de bem,
00:44:57tivesse defendido as coisas justas,
00:44:59e, como deve ser,
00:45:01tivesse dado a isso maior importância.
00:45:03Muito longe disso,
00:45:05cidadãos atenienses,
00:45:07na verdade,
00:45:07também nenhum outro se teria salvo.
00:45:11Eu, porém,
00:45:12durante toda a minha vida,
00:45:14se fiz alguma coisa,
00:45:15em público ou em particular,
00:45:17vos apareço sempre o mesmo,
00:45:19não tendo jamais concedido coisa alguma contra a justiça
00:45:23nem aos outros nem a algum daqueles
00:45:25que meus caluniadores chamam de meus discípulos.
00:45:28Mas nunca fui mestre de ninguém,
00:45:30de,
00:45:31pois,
00:45:31alguém mostrou desejoso da minha presença quando eu falava,
00:45:35e acudiam à minha procura jovens e velhos,
00:45:38nunca me recusei a ninguém.
00:45:40Nunca,
00:45:41ao menos,
00:45:42falei de dinheiro,
00:45:43mas igualmente me presto a interrogar os ricos e os pobres,
00:45:47quando alguém,
00:45:48respondendo,
00:45:49quer ouvir o que digo.
00:45:51E se algum deles se torna melhor,
00:45:53ou não se torna,
00:45:54não posso ser responsável,
00:45:56pois que não prometi,
00:45:57nem dei,
00:45:58nesse sentido,
00:45:59nenhum ensinamento.
00:46:01E,
00:46:01se alguém afirmar que aprendeu ou ouviu de mim,
00:46:04em particular,
00:46:06qualquer coisa de diverso do que disse a todos os outros,
00:46:09sabei bem que não diz a verdade.
00:46:12Capítulo 19
00:46:13Entretanto,
00:46:15como pode acontecer que alguns se comprasam em passar muito tempo comigo?
00:46:20Já ouvistes,
00:46:22cidadãos atenienses,
00:46:23eu já vos disse toda a verdade.
00:46:25É porque tomam gosto em ouvir examinar aqueles que acreditam ser sábio e não são.
00:46:31Não é de fato coisa desagradável.
00:46:33E, como disse,
00:46:35foi o Deus que me ordenou a fazê-lo,
00:46:37com oráculos,
00:46:38com sonhos,
00:46:39e com outros meios,
00:46:41pelos quais algumas vezes a divina vontade ordena a um homem que faça o que quer que seja.
00:46:46Tudo isso,
00:46:47cidadãos atenienses,
00:46:49é verdade e fácil de provar.
00:46:52Com efeito,
00:46:53suponhamos que,
00:46:54entre os jovens,
00:46:55há alguns que estou corrompendo e outros que já corrompi.
00:46:58Seria aparentemente inevitável que alguns destes,
00:47:02quando tiveram mais idade,
00:47:04compreendessem que eu lhes tinha alguma vez aconselhado uma ação má,
00:47:08e hoje deveriam estar aqui para me acusar e vingar-se de mim.
00:47:12Suponhamos ainda,
00:47:13que eles não teriam querido vir pessoalmente.
00:47:16Mesmo assim,
00:47:17alguns de seus parentes,
00:47:18pais,
00:47:19irmãos ou pessoas de família,
00:47:21se algum dia receberam danos de minha parte,
00:47:24agora deveriam recordar e tirar vingança.
00:47:27Mas eis que vejo aqui presentes muitos desses.
00:47:30Primeiro Críton,
00:47:31meu coevo e do mesmo Demos,
00:47:33pai de Critóbulo,
00:47:35depois Lisânias Fécio,
00:47:36pai de Epigênes,
00:47:38além destes outros cujos irmãos estiveram comigo na intimidade,
00:47:42Nicostrato,
00:47:43filho de Teusóides e irmão de Teodoto,
00:47:46e Teodoto,
00:47:47que já é falecido,
00:47:48não poderia impedir Nicostrato de falar contra mim.
00:47:52E há ainda,
00:47:53pará-lo de Demócodo,
00:47:55irmão de Teageto,
00:47:56do qual é irmão Platão,
00:47:58e há Antádoro,
00:47:59de que é irmão Apolodoro.
00:48:01E muitos outros eu poderia citar,
00:48:04alguns dos quais especialmente
00:48:05deveriam ter sido apresentados por Meleto como testemunhas,
00:48:10no seu discurso.
00:48:11Mas,
00:48:12se agora se esquivam,
00:48:14aos presentes aqui eu lhes permito
00:48:16dizerem se há qualquer coisa dessa natureza.
00:48:19Mas vós,
00:48:20ó juízes,
00:48:21sois de parecer contrário,
00:48:23achareis que todos estão prontos a me ajudar.
00:48:25Mas incorruptíveis homens já de idade avançada,
00:48:29parentes daqueles,
00:48:30que razão teriam para me ajudar se não aquela,
00:48:33reta e justa,
00:48:34convencidos de que Meleto mente e que eu digo a verdade?
00:48:38Capítulo 20
00:48:40Assim seja,
00:48:41ó cidadãos,
00:48:42é mais ou menos isso que eu poderei dizer em minha defesa ou qualquer coisa semelhante.
00:48:48Provavelmente,
00:48:50porém,
00:48:50algum de vós poderá ficar encolherizado,
00:48:53recordando-se de si mesmo.
00:48:56Se sustentou uma contenda embora em menor proporções do que essa minha,
00:49:00pediu e suplicou aos juízes,
00:49:02com muitas lágrimas,
00:49:04trazendo aqui os filhos,
00:49:05e muitos outros parentes e amigos,
00:49:08a fim de mover a piedade ao seu favor.
00:49:11Eu não farei certamente nada disso,
00:49:14embora vá ao encontro,
00:49:15como se pode acreditar,
00:49:17do extremo perigo.
00:49:19É possível que qualquer um,
00:49:20considerando isso,
00:49:22pudesse irritar-se contra mim,
00:49:24e,
00:49:24encolherizado por isso mesmo,
00:49:27desse o voto com ira.
00:49:28Se,
00:49:29de fato,
00:49:30algum de vós está em tal estado de alma,
00:49:32a mim me parece que poderei dizer-lhe o seguinte.
00:49:35Também eu,
00:49:36meu caro,
00:49:37tenho uma família,
00:49:38e bem posso,
00:49:39como em Homero,
00:49:40dizer que não nasci,
00:49:42de um carvalho nem de um rochedo,
00:49:44pois eu também tenho parentes e filhinhos,
00:49:46ó cidadãos atenienses,
00:49:48três,
00:49:49um já jovenzinho e duas meninas.
00:49:51Mas,
00:49:52contudo,
00:49:53não farei vir aqui nenhum deles
00:49:55para vos rogar a minha absolvição.
00:49:57Por que razão não farei nada disso?
00:50:00Não é por soberbia,
00:50:02ó atenienses,
00:50:03nem por desprezo que eu tenha por vós,
00:50:05mas que eu seja corajoso ao menos defronte a morte,
00:50:09isto é outra coisa.
00:50:11Tratando-se de honra,
00:50:12não me parece belo,
00:50:14nem para mim nem para vós,
00:50:15para toda cidade,
00:50:17que eu faça tal,
00:50:18na idade em que estou,
00:50:19e com este nome de sábio que me dão,
00:50:22seja ele merecido ou não.
00:50:24O fato é que me foi criada a fama de ser este Sócrates
00:50:27em quem há alguma coisa pela qual se torna superior
00:50:30a maioria dos homens.
00:50:32Ora,
00:50:33se aqueles que entre nós
00:50:34têm a reputação de serem superiores aos demais,
00:50:38pela sabedoria,
00:50:39pela coragem,
00:50:40ou por qualquer outro mérito procedessem de tal modo,
00:50:44seria bem feito.
00:50:46Frequentemente já notei essa atitude,
00:50:48quando são eles julgados,
00:50:50em pessoas que,
00:50:51malgrado a reputação de homens de valor que têm,
00:50:53se entregam a extraordinárias manifestações,
00:50:57inspiradas pela ideia de que será coisa terrível ter de morrer,
00:51:01como se,
00:51:02no caso em que vós não mandasses a morte,
00:51:05devessem eles ser imortais.
00:51:07São esses homens que,
00:51:08a meu ver,
00:51:09cobrem a cidade de vergonha,
00:51:11e que poderiam suscitar entre os estrangeiros
00:51:14a convicção de que aqueles que os próprios atenienses escolheram,
00:51:18de preferência,
00:51:19para serem os seus magistrados
00:51:21e para as demais dignidades,
00:51:23não se diferenciem das mulheres.
00:51:25É um procedimento,
00:51:27atenienses,
00:51:28que não deverá ser o vosso,
00:51:30quando possuírdes reputação em qualquer gênero de valor que seja,
00:51:34e que não deveis permitir seja o meu,
00:51:36caso eu tenha alguma reputação,
00:51:38pois o que deveis fazer é justamente que se compreenda isto.
00:51:42Que aquele que se apresenta no tribunal
00:51:44representando estes dramas lamentáveis
00:51:47será mais certamente condenado por vós do que o que permanece tranquilo.
00:51:52Capítulo XXI
00:51:53Mas mesmo não fazendo caso da reputação,
00:51:57ó cidadãos,
00:51:58não me parece também justo suplicar aos juízes
00:52:01e evitar a condenação com rougos,
00:52:03mas iluminá-los e persuadi-los.
00:52:06Que o juiz não ceda já por isso,
00:52:08não dispense sentença a favor,
00:52:10mas a pronuncie retamente e jure
00:52:12condescender com quem lhe agrada,
00:52:15mas proceder segundo as leis.
00:52:17Por isso,
00:52:18nem nós devemos habituar-vos a proceder contra o vosso juramento,
00:52:22nem vós deveis permitir que nos habituemos a fazê-lo.
00:52:26Não espereis,
00:52:27cidadãos atenienses,
00:52:29que o seja constrangido a fazer,
00:52:31diante de vós,
00:52:32coisas tais que não considero nem belas,
00:52:35nem justas,
00:52:36nem santas,
00:52:37especialmente agora,
00:52:39por Zeus,
00:52:39que sou acusado de impiedade por Meleto.
00:52:43É evidente que,
00:52:44se com todo o vosso juramento,
00:52:46eu vos persuadisse e com palavras vos forçasse,
00:52:49eu vos ensinaria a considerar que não existem deuses,
00:52:53e assim,
00:52:54enquanto me defendo,
00:52:55em realidade me acusaria,
00:52:57só pelo fato de não crer nos deuses.
00:53:00Mas a coisa está bem longe de ser assim,
00:53:02porquanto,
00:53:03cidadãos atenienses,
00:53:05creio neles,
00:53:06como nenhum dos meus acusadores,
00:53:08e encarrego a voz e ao Deus de julgar a mim,
00:53:11do modo que puder ser o melhor para mim e para vós.
00:53:15Segunda parte,
00:53:16Sócrates é condenado e sugere sua sentença.
00:53:20Capítulo 22
00:53:22A minha impassibilidade,
00:53:25cidadãos atenienses.
00:53:27Diante da minha condenação,
00:53:29entre muitas razões,
00:53:30deriva também desta,
00:53:32eu contava com isto,
00:53:33e até,
00:53:34antes me espanto do número dos dois partidos.
00:53:37Por mim,
00:53:38não acreditava que a diferença fosse assim de tão poucos,
00:53:42mas de muitos,
00:53:43pois,
00:53:44se somente trinta fossem da outra parte,
00:53:47eu estaria salvo,
00:53:48nota,
00:53:49dos quinhentos e um juízes,
00:53:51duzentos e oitenta a favor e duzentos e vinte contra.
00:53:54De Meleto,
00:53:55ao contrário,
00:53:56estou livre,
00:53:57me parece ainda,
00:53:59e isso é evidente a todos.
00:54:01Se Anito e Licon não viessem aqui acusar-me,
00:54:03Meleto teria sido multado em mil dracmas,
00:54:06não tendo obtido o quinto dos votos.
00:54:09Capítulo 23
00:54:10Eles pedem,
00:54:13pois,
00:54:13para mim,
00:54:14a pena de morte.
00:54:16Pois bem,
00:54:17atenienses,
00:54:18que contra-proposta vos farei eu?
00:54:21A que mereço,
00:54:22não é assim?
00:54:23Qual?
00:54:24Pois,
00:54:25que pena ou multa mereço eu,
00:54:27que em toda vida não repousei o momento,
00:54:30mas descuidando daquilo que todos têm em grande conta,
00:54:33a aquisição de riquezas e a administração doméstica,
00:54:37e os comandos militares,
00:54:38e as altas magistraturas,
00:54:40e as conspirações,
00:54:42e os partidos que surgem na cidade,
00:54:44conservei-me na realidade de ânimo bastante brando para que pudesse,
00:54:48fugindo de tais intrigas,
00:54:50me livrar delas.
00:54:52Não indo aonde a minha presença não fosse de nenhuma vantagem,
00:54:56nem para vós, nem para mim mesmo.
00:54:58Voltava-me,
00:54:59ao contrário,
00:55:00para os lados aonde eu poderia levar,
00:55:02a cada um em particular,
00:55:04os maiores benefícios,
00:55:06procurando persuadir cada um de vós
00:55:08a não se preocupar demasiadamente com suas próprias coisas,
00:55:12antes que de si mesmo,
00:55:13para se tornar quanto mais honesto fosse possível,
00:55:17a não cuidar dos negócios da cidade antes que da própria cidade,
00:55:20e preocupar-se,
00:55:22assim,
00:55:22do mesmo modo,
00:55:23com outras coisas.
00:55:26De que sou digno eu,
00:55:27tendo sido assim procedido,
00:55:30de um bem,
00:55:31cidadãos atenienses,
00:55:33se devo fazer uma proposta conforme o mérito,
00:55:36e um bem tal que me possa convir,
00:55:38e,
00:55:39que convenha um pobre benemérito
00:55:41que tem necessidade de estar em paz,
00:55:43para vos exortar ao caminho reto.
00:55:46Não há coisa que melhor convenha,
00:55:48cidadãos atenienses,
00:55:50que nutrir um tal homem a expensas do Estado,
00:55:52no Britaneu,
00:55:54merece o bem mais que um de vós
00:55:56que tenha sido vencedor nos Jogos Olímpicos,
00:55:59na corrida de cavalos,
00:56:00de bigas ou quadrigas.
00:56:02Esse homem,
00:56:03porém,
00:56:04faça com que o sejais.
00:56:06Ele,
00:56:06homem rico,
00:56:07não tem necessidade de que se cuide de sua subsistência,
00:56:11mas eu tenho necessidade.
00:56:12Portanto,
00:56:14se devo fazer uma proposta segundo a justiça,
00:56:17eis o que indico para mim,
00:56:19ser,
00:56:20a expensas do Estado,
00:56:21nutrido no Britaneu.
00:56:23Capítulo 24
00:56:25Ao contrário,
00:56:26talvez vos pareça que eu,
00:56:28ainda falando disso,
00:56:30o faça com arrogância,
00:56:31pouco mais ou menos como quando falava da consideração e dos rogos.
00:56:35Mas não é assim,
00:56:37cidadãos atenienses,
00:56:38antes é deste modo.
00:56:40Estou persuadido de que não ofendo ninguém por minha vontade,
00:56:44mas não vos posso persuadir também disto,
00:56:46porque o tempo em que estamos raciocinando juntos é brevíssimo.
00:56:50E eu creio que,
00:56:51se as vossas leis,
00:56:53como as de outros povos,
00:56:54não decidissem um juízo capital em um dia,
00:56:58mas em muitos,
00:56:59vos
00:56:59persuadiria.
00:57:01Ora,
00:57:02não é fácil,
00:57:03em pouco tempo,
00:57:04destruir grandes calúnias.
00:57:07Estando,
00:57:08pois,
00:57:08convencido de não ter feito injustiça a ninguém,
00:57:11estou bem longe de fazê-la,
00:57:13a mim mesmo e dizer em meu dano,
00:57:16que mereço o mal,
00:57:17e me assinalaram de tal sorte.
00:57:19Que devo temer?
00:57:21É possível que eu não tenha de sofrer a pena que me assinala Meleto
00:57:25e que eu digo ignorar se será um bem ou mal.
00:57:28E,
00:57:29ao contrário disso,
00:57:30deveria escolher uma daquelas que sei bem ser um mal,
00:57:34e propor-me essa pena?
00:57:35O cárcere.
00:57:37E por que devo viver no cárcere,
00:57:39escravo do magistrado que o preside,
00:57:42escravo dos onze?
00:57:44Ou uma multa,
00:57:45ficando amarrado,
00:57:46quanto não acabe de pagá-la?
00:57:49Seria,
00:57:50pois,
00:57:50o exílio que deveria propor como pena para mim?
00:57:54É possível que vós me indiquei essa pena?
00:57:57Eu teria verdadeiramente um amor excessivo à vida se fosse refletido ao ponto de não ser capaz de refletir nisso.
00:58:05Vós que sois meus concidadãos acabastes por não achar meios de suportar meus sermões.
00:58:11Estes se tornaram para vós um fardo bastante pesado e detestável para que procurei hoje livrar-vos.
00:58:17Serão os meus sermões mais fáceis de suportar para os outros?
00:58:21Muito longe disso,
00:58:23Atenienses.
00:58:24Bela vida,
00:58:25em verdade,
00:58:26seria minha,
00:58:28nesta idade,
00:58:29viver fora da pátria,
00:58:30passando de uma cidade a outra,
00:58:33expulso em degredo.
00:58:34Sei bem que onde quer que eu vá,
00:58:36os jovens ouvirão os meus discursos como aqui.
00:58:39Se eu os repelir,
00:58:40eles mesmos me mandarão embora,
00:58:43convencendo os velhos a fazê-lo.
00:58:44E se não os repelir,
00:58:46os seus pais e parentes me mandarão embora igualmente,
00:58:50com qualquer pretexto.
00:58:51Capítulo 25
00:58:53Ora,
00:58:54é possível que alguém pergunte,
00:58:56Sócrates,
00:58:58não poderias tu viver longe da pátria,
00:59:00calado e em paz?
00:59:02Eis justamente o que é mais difícil fazer aceitar alguns dentre vós.
00:59:06Se digo que seria desobedecer ao Deus e que,
00:59:10por essa razão,
00:59:11eu não poderia ficar tranquilo,
00:59:13não me acreditaries.
00:59:14Supondo que tal afirmação é,
00:59:16de minha parte,
00:59:17uma fingida candura.
00:59:19Se,
00:59:20ao contrário,
00:59:21digo que o maior bem para um homem é justamente este,
00:59:24falar todos os dias sobre a virtude e os outros argumentos sobre os quais me ouvistes raciocinar,
00:59:30examinando a mim mesmo e aos outros,
00:59:32e que uma vida sem esse exame não é digna de ser vivida,
00:59:36ainda menos me acreditaries,
00:59:38ouvindo-me dizer tais coisas.
00:59:41Entretanto,
00:59:42é assim,
00:59:43como digo,
00:59:44ó cidadãos,
00:59:45mas não é fácil torná-lo persuasivo.
00:59:48E,
00:59:48por outro lado,
00:59:49não estou habituado a acreditar-me digno de nenhum mal.
00:59:53De fato,
00:59:54se tivesse dinheiro,
00:59:56me multaria em uma soma que pudesse pagar,
00:59:59porque não teria prejuízo algum,
01:00:01mas o fato é que não tenho.
01:00:02Só se quiser desmultar-me em tanto quanto eu possa pagar.
01:00:07Talvez eu vos pudesse pagar uma mina de prata.
01:00:11Multo-me,
01:00:11pois,
01:00:12em tanto.
01:00:13Mas Platão,
01:00:14cidadãos atenienses,
01:00:16Críton,
01:00:17Cristóbulo e Apolodoro me obrigam a multar-me em trinta minas,
01:00:21e oferecem fiança.
01:00:23Multo-me,
01:00:23pois,
01:00:24em tanto,
01:00:25e eles vos serão fiadores dignos de crédito.
01:00:28Capítulo 26
01:00:30Por não terdes querido esperar um pouco mais de tempo,
01:00:34atenienses,
01:00:35ireis obter,
01:00:36da parte dos que desejam lançar o opróbio sobre a nossa cidade,
01:00:40a fama e a acusação de haver-des sido os assassinos de um sábio,
01:00:44de Sócrates.
01:00:45Porque,
01:00:46quem vos quiser desaprovar me chamará,
01:00:49sem dúvida,
01:00:50de sábio,
01:00:51embora eu não o seja.
01:00:53Pois bem,
01:00:54tivesses esperado um pouco de tempo,
01:00:56a coisa seria resolvida por si.
01:00:59Vós vedes,
01:01:00de fato,
01:01:01a minha idade.
01:01:02E digo isso não a vós todos,
01:01:05mas àqueles que me condenaram à morte.
01:01:08Digo,
01:01:08além disto,
01:01:09mais o seguinte a esses mesmos.
01:01:12É possível que tenhais acreditado,
01:01:14ó cidadãos,
01:01:15que eu tenha sido condenado por pobreza de raciocínio,
01:01:18com os quais eu poderia vos persuadir,
01:01:21se eu tivesse acreditado que era preciso dizer a fazer tudo,
01:01:25para evitar a condenação.
01:01:26Mas não é assim.
01:01:28Cai por falta,
01:01:29não de raciocínios,
01:01:31mas de audácia e imprudência,
01:01:33e não por querer dizer-vos coisas tais
01:01:35que vos teria sido gratíssimas de ouvir,
01:01:38choramingando,
01:01:39lamentando e fazendo e dizendo muitas outras coisas indignas,
01:01:43as quais,
01:01:44certo,
01:01:45estáis habituados a ouvir de outros.
01:01:47Mas,
01:01:48nem mesmo agora,
01:01:50na hora do perigo,
01:01:51eu faria nada de inconveniente,
01:01:53nem mesmo agora me arrependo de me ter defendido como fiz,
01:01:57antes prefiro mesmo morrer,
01:01:59tendo me defendido desse modo,
01:02:01a viver daquele outro.
01:02:03Nem nos tribunais,
01:02:04nem no campo,
01:02:05nem a mim,
01:02:06nem a ninguém convém tentar todos os meios para fugir à morte.
01:02:10Até mesmo nas batalhas,
01:02:12de fato,
01:02:13é bastante evidente que se poderia evitar de morrer,
01:02:16jogando fora as armas e suplicando aos que perseguem,
01:02:20e muitos outros meios há,
01:02:22nos perigos individuais,
01:02:23para evitar a morte se se ousa dizer e fazer alguma coisa.
01:02:27Mas,
01:02:28ó cidadãos,
01:02:29talvez o difícil não seja isso,
01:02:32fugir da morte.
01:02:33Bem mais difícil é fugir da maldade,
01:02:36que corre mais veloz que a morte.
01:02:39E agora eu,
01:02:40preguiçoso como sou e velho,
01:02:42fui apanhado pela mais lenta,
01:02:44enquanto os meus acusadores,
01:02:47válidos e leves,
01:02:48foram apanhados pela mais veloz,
01:02:50a maldade.
01:02:52Assim,
01:02:52eu me vejo condenado à morte por vós,
01:02:55condenados de verdade,
01:02:57criminosos de improbidade e de injustiça.
01:03:00Eu estou dentro da minha pena,
01:03:02vós dentro da vossa.
01:03:04E,
01:03:05talvez,
01:03:06essas coisas devessem acontecer
01:03:08mesmo assim.
01:03:09E creio que cada qual foi tratado adequadamente.
01:03:14Capítulo 27.
01:03:16Agora,
01:03:17pois,
01:03:18quero vaticinar-vos o que se seguirá,
01:03:20ó vós que me condenastes,
01:03:22porque já estou no ponto em que os homens especialmente vaticinam,
01:03:26quando estão para morrer.
01:03:28Digo-vos,
01:03:29de fato,
01:03:30ó cidadãos que me condenaram,
01:03:32que logo depois da minha morte virá uma vingança muito mais severa,
01:03:36por Zeus,
01:03:37do que aquela pela qual me tem de sacrificado.
01:03:40Fizestes isto acreditando subtrair-vos ao aborrecimento de terdes de dar conta da vossa vida,
01:03:46mas eu vos asseguro que tudo sairá ao contrário.
01:03:50Em maior número serão os vossos sensores,
01:03:53que eu até agora contive,
01:03:55e vós reparastes.
01:03:56E tanto mais vos atacarão quanto mais jovens forem,
01:04:00e disso tereis maiores aborrecimentos.
01:04:03Se acreditais,
01:04:05matando os homens,
01:04:06entreter alguns dos vossos críticos,
01:04:08não pensais justo.
01:04:10Esse modo de vos livrardes não é de certo eficaz nem belo,
01:04:14mas belíssimo e facílimo é não contrariar os outros,
01:04:17mas aplicar-se a se tornar,
01:04:19quanto se puder,
01:04:20melhor.
01:04:21Faço,
01:04:22pois,
01:04:23este vaticínio a vós que me condenastes.
01:04:26Chego ao fim.
01:04:28Capítulo 28
01:04:30Quanto àqueles cujos votos me absolveram,
01:04:33eu teria prazer de conversar com eles a respeito deste caso que acaba de ocorrer
01:04:38enquanto os magistrados estão ocupados,
01:04:40enquanto não chega o momento de ter de ir ao lugar onde terei de morrer.
01:04:45Ficai,
01:04:45pois,
01:04:46comigo este pouco de tempo,
01:04:48ó cidadãos,
01:04:49porque nada nos impede de conversarmos horas juntos,
01:04:53enquanto de pode.
01:04:54É que a vós,
01:04:56como meus amigos,
01:04:57quero mostrar,
01:04:58que não desejo falar do meu caso presente.
01:05:01A mim,
01:05:02de fato,
01:05:03ó juízes,
01:05:04uma vez que,
01:05:05chamando-vos juízes,
01:05:06vos dou o nome que vos convém,
01:05:08aconteceu qualquer coisa de maravilhoso.
01:05:11Aquela minha voz habitual do demônio,
01:05:14daimon,
01:05:14gênio,
01:05:15em todos os tempos passados me era sempre frequente,
01:05:18e se opunha ainda mais nos pequeninos casos,
01:05:22cada vez que fosse para fazer alguma coisa que não estivesse muito bem.
01:05:26Ora,
01:05:27aconteceram-me estas coisas,
01:05:29que vós mesmos estáis vendo e que,
01:05:31de certo,
01:05:32alguns julgariam e considerariam o extremo dos males.
01:05:35Pois bem,
01:05:37o sinal do Deus não se me opus,
01:05:39nem esta manhã,
01:05:40ao sair de casa,
01:05:41nem quando vim aqui,
01:05:43ao tribunal,
01:05:44nem durante todo o discurso.
01:05:46Em todo este processo,
01:05:47não se opus uma só vez,
01:05:49nem a um ato,
01:05:51nem a palavra alguma.
01:05:52Qual suponho que seja a causa?
01:05:55Eu vou-la direi,
01:05:56em verdade este meu caso arrisca ser um bem,
01:05:59e estamos longe de julgar retamente,
01:06:01quando pensamos que a morte é um mal.
01:06:04E disso tem uma grande prova,
01:06:07que,
01:06:07por muito menos,
01:06:08o habitual signo,
01:06:10o meu demônio,
01:06:11se me teria oposto,
01:06:13se não fosse para fazer alguma coisa de bom.
01:06:15Passemos a considerar a questão em si mesma,
01:06:19de como a grande esperança de que isso seja um bem.
01:06:22Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas,
01:06:25ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência,
01:06:29nenhuma consciência do que quer que seja,
01:06:31ou,
01:06:32como se diz,
01:06:33a morte é precisamente uma mudança de existência e,
01:06:36para a alma,
01:06:37uma migração deste lugar para um outro.
01:06:40Se,
01:06:41de fato,
01:06:41não há sensação alguma,
01:06:43mas é como um sono,
01:06:45a morte seria um maravilhoso presente.
01:06:48Creio que,
01:06:49se alguém escolhesse a noite na qual tivesse dormido sem ter nenhum sonho,
01:06:53e comparasse essa noite às outras noites e dias de sua vida,
01:06:56e tivesse de dizer quantos dias e noites na sua vida havia vivido melhor,
01:07:01e mais docemente do que naquela noite,
01:07:04creio que não somente qualquer indivíduo,
01:07:06mas até um grande rei acharia fácil escolher a esse respeito,
01:07:10lamentando todos os outros dias e noites.
01:07:14Assim,
01:07:15se a morte é isso,
01:07:16eu por mim a considero um presente,
01:07:18porquanto,
01:07:19desse modo,
01:07:20todo o tempo se resume a uma única noite.
01:07:23Se,
01:07:24ao contrário,
01:07:25a morte é como uma passagem deste para outro lugar,
01:07:28e,
01:07:29se é verdade o que se diz que lá se encontram todos os mortos,
01:07:33qual o bem que poderia existir,
01:07:35ó juízes,
01:07:36maior do que este?
01:07:37Porque,
01:07:38se chegarmos ao Hades,
01:07:40libertando-nos destes que se vangloriam serem juízes,
01:07:43havemos de encontrar os verdadeiros juízes,
01:07:46os quais nos dirão que fazem justiça colar,
01:07:49Minos e Radamante,
01:07:50Éaco e Triptolemo,
01:07:52e tantos outros deuses e semideuses que foram justos na vida,
01:07:56seria então essa viagem uma viagem de se fazer pouco caso.
01:08:00Que preço não seriez capazes de pagar,
01:08:03para conversar com Orfeu,
01:08:05Museu,
01:08:06Exíldo e Homero?
01:08:08Quero morrer muitas vezes,
01:08:10se isso é verdade,
01:08:11pois para mim especialmente,
01:08:13a conversação a colar seria maravilhosa,
01:08:15quando eu encontrasse Palamedes e Ajax Telamonio
01:08:19e qualquer um dos antigos mortos por injusto julgamento.
01:08:22E não seria sem deleite,
01:08:24me parece,
01:08:25confrontar o meu com os seus casos,
01:08:27e, o que é melhor,
01:08:29passar o tempo examinando e confrontando-os de lá com cá,
01:08:32os últimos dos quais têm a pretensão de conhecer a sabedoria dos outros,
01:08:37e acreditam ser sábios e não são.
01:08:39A que preço não se consentiria em examinar aquele que guiou o grande exército a Troia,
01:08:45Ulisses,
01:08:46Sísifo,
01:08:47ou infinitos outros?
01:08:49Isso constituiria um inefável felicidade.
01:08:52Com certeza aqueles de lá mandam a morte por isso,
01:08:56porque, além do mais,
01:08:57são mais felizes do que os de cá,
01:08:59mesmo porque são imortais,
01:09:01se é que o que se diz é verdade.
01:09:04Capítulo XXIX
01:09:05Mas também vós, ó juízes,
01:09:08deveis ter boa esperança em relação à morte,
01:09:11e considerar esta única verdade,
01:09:13que não é possível haver algum mal para um homem de bem,
01:09:17nem durante sua vida,
01:09:18nem depois da morte,
01:09:20que os deuses não se interessam do que a ele concerne,
01:09:23e que, por isso mesmo,
01:09:25o que hoje aconteceu,
01:09:26no que a mim concerne,
01:09:28não é devido ao acaso,
01:09:29mas é a prova de que para mim era melhor morrer agora
01:09:32e ser libertado das coisas deste mundo.
01:09:35Eis também a razão
01:09:37porque a divina voz não me dissuadiu,
01:09:39e porque, de minha parte,
01:09:41não estou zangado com aqueles
01:09:43cujos votos me condenaram,
01:09:45nem contra meus acusadores.
01:09:47Não foi com esse pensamento,
01:09:49entretanto,
01:09:50que eles votaram contra mim,
01:09:52que me acusaram,
01:09:54pois acreditavam causar-me um mal.
01:09:56Por isto é justo que sejam censurados.
01:10:00Mas tudo que lhes peço é o seguinte,
01:10:02quando os meus filhinhos ficarem adultos,
01:10:04puni-os,
01:10:05é cidadãos,
01:10:06atormentai-os do mesmo modo que eu os vos atormentei,
01:10:10quando vos parecer que eles cuidam mais das riquezas
01:10:13ou de outras coisas do que da virtude.
01:10:15E, se acreditar em ser qualquer coisa não sendo nada,
01:10:19reprovai-os,
01:10:20como eu a vós.
01:10:21Não vos preocupeis com aquilo que não lhes é devido.
01:10:24E, se fizerdes isso,
01:10:27terei de vós o que é justo,
01:10:29eu e os meus filhos.
01:10:30Mas,
01:10:31já é hora de irmos,
01:10:33eu para a morte,
01:10:34e vós para viverdes.
01:10:36Mas,
01:10:37quem vai para a melhor sorte,
01:10:39isso é segredo,
01:10:40exceto para Deus.

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