A delegada Iara França detalhou nesta quinta (4/12) o indiciamento por feminicídio dos dois garçons suspeitos de agredir violentamente a mulher trans Alice Martin, na Savassi. O crime ocorreu em 23 de outubro de 2025 e a morte em 9 de novembro. Para a Polícia Civil, principal motivação do crime foi transfobia.
Reportagem: Clara Mariz
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00:00Na data de ontem, a Polícia Civil concluiu as investigações referentes à morte da nacional Alice, de 33 anos.
00:09Alice foi agredida no dia 23 de outubro de 2025, na região da Savassi, nessa capital,
00:16e posteriormente veio a óbito no dia 9 de novembro de 2025.
00:21Desde que o caso chegou até o DHPP, no dia 10 de novembro,
00:26todas as diligências necessárias à elucidação da autoria, da materialidade, da motivação dos fatos,
00:34foram elencadas, foram efetuadas, e na primeira semana de investigação dos fatos,
00:41a Polícia Civil logrou êxito em identificar ambos os autores, um homem de 20 anos e um homem de 27 anos,
00:49esse último já prontuariado pelo crime de roubo, de uso de drogas.
00:53Conseguimos identificar esses dois autores e verificar que a motivação dessas agressões que levaram à morte
01:01tiveram inicialmente a questão da dívida de R$ 22,00, porém, o pano de fundo para essas agressões foi, de fato, a transfobia.
01:13E nessa primeira semana de investigações, a Polícia Civil representou pela prisão cautelar dos autores,
01:20porém, o pedido foi negado. Ontem, com a conclusão do inquérito, ambos autores sendo indiciados pelo crime de
01:28feminicídio, motivados por esse pano de fundo da transfobia, a Polícia Civil novamente representa pela prisão cautelar dos autores.
01:37Delegada, diante de tanta materialidade, por que esses dois suspeitos ainda estão soltos e ainda não foram presos?
01:43Todas as diligências que cabiam à Polícia Civil foram efetivadas.
01:48Nós conseguimos deixar muito clara a autoria delitiva, a motivação e também o nexo causal entre as agressões e o evento morte.
01:58Toda essa materialidade delitiva também está bem estabelecida.
02:02Nós apresentamos para o Poder Judiciário, para o Ministério Público, que a Alice foi brutalmente agredida no dia 23 de outubro.
02:10Ela teve a liberdade dela cerceada, ela foi ameaçada, ela foi agredida e essas agressões só cessaram em razão da chegada de uma testemunha
02:21de um homem que estava fazendo entregas por aplicativo numa motocicleta.
02:25Esse homem também foi muito ameaçado e a Alice iria morrer naquele dia 23, porém essa morte não aconteceu no dia 23 em razão dessa chegada da testemunha.
02:37Ela faleceu posteriormente em razão dos ferimentos sofridos.
02:42Tudo isso foi demonstrado ao Poder Judiciário e infelizmente essas prisões não foram concedidas até o momento.
02:50Doutora, e esses homens foram ouvidos? O que eles disseram?
02:53Os dois autores foram ouvidos no DHPP, eles mesmos reconhecem as vozes que aparecem nas gravações, eles mesmos se colocam na cena do crime
03:04e ambos tentam justificar de uma forma que é impossível, que não tem nenhum cabimento dentro das investigações,
03:13que a Alice teria se jogado ao solo ela mesma sozinha e que ela teria tentado subir na motocicleta desse motociclista
03:22e ela teria caído dessa motocicleta. Isso é negado pela testemunha, o motociclista diz que ela pedia para ir embora,
03:32ela pedia para ser levada para casa, para ir para o hospital, mas ela não teve forças nem para ficar nessa motocicleta.
03:40E ele fala que em momento nenhum ela caiu. E nós sabemos também pelos exames que foram feitos que as agressões sofridas por ela,
03:47o nariz quebrado, todas as costelas quebradas, essas agressões que foram severíssimas no corpo dela,
03:55não teriam como ela mesma ter provocado isso sentada em um meio fio na calçada e, como eles disseram,
04:03ela se jogando sozinha para um lado e para o outro, ela nunca teria conseguido provocar essas lesões.
04:08Doutora, por que o motoqueiro não foi ouvido antes? Qual foi a dificuldade de encontrar uma testemunha que é considerada charme para o caso?
04:15Todas as testemunhas necessárias para o caso foram ouvidas, durante a investigação a gente tem que priorizar várias diligências
04:27e tudo que seria necessário para que a gente pudesse robustecer a questão da autoria delitiva e da materialidade foram feitas
04:34e o motociclista foi ouvido num momento oportuno e ele acrescentou mais ainda a nossa firmeza em afirmar a autoria delitiva
04:45e a motivação delitiva.
04:47Delegada, qual é a situação desses dois funcionários? Eles, depois das agressões, no dia seguinte, eles trabalharam normalmente.
04:53Qual é a situação hoje? Eles foram afastados, demitidos? O rei do pastel continua com eles no quadro de funcionários?
04:59O que a senhora sabe disso?
05:00É importante a gente ressaltar que, conforme todas as apurações que nós fizemos, não existe nenhum indício de participação
05:08de nenhum outro funcionário ou gerente ou proprietário, qualquer outra pessoa vinculada a esse estabelecimento comercial.
05:17Não é uma política desse estabelecimento comercial cobrar o cliente dessa forma, muito menos que ocorram agressões físicas contra os clientes.
05:27Ficou muito claro que a política do estabelecimento comercial, quando um cliente não paga, nem ao menos seria de debitar o valor,
05:37esse valor dos funcionários, no caso dos garçons que perderam, entre aspas, esse valor.
05:44Foi deixado muito claro também que, nesse caso dos R$ 22,00, o garçom que atendeu a mesa dela,
05:51ele não receberia a gorjeta, que seria no valor de R$ 2,10, o que traz ainda maior torpeza, maior futilidade para essas agressões,
06:02porque esse autor de 27 anos, que é quem atendeu a mesa dela e foi atrás dessa dívida não paga,
06:10ele foi atrás de R$ 2,10.
06:13Eles, depois de agredirem a Alice, eles saíram calmamente, tranquilamente, do local dos fatos,
06:21porque o motociclista acionou a polícia militar que estava nas proximidades e acionou o SAMU.
06:27Eles perceberam que a Alice seria atendida e eles simplesmente saíram do local para não serem identificados.
06:35Posteriormente, eles foram, sim, desvinculados do quadro da empresa,
06:38inclusive esse de 27 anos, ele já havia sido desvinculado há mais tempo da empresa
06:44e ele estava trabalhando no local como freelancer.
06:47Doutora, agora, no depoimento deles, há alguma fala transfóbica?
06:51Como é que vocês perceberam isso, assim?
06:54Porque a gente sabe que essas agressões já significam, simbolizam muito isso.
06:58Mas teve algo a mais?
06:59Nas falas, nas oitivas de ambos os autores, eles, obviamente, eles negam que eles seriam transfóbicos,
07:07eles afirmam que o local é frequentado em 80% pelo público LGBT,
07:14então eles dizem formalmente na delegacia que eles não seriam transfóbicos.
07:19Porém, nas próprias degravações dos áudios captados no ambiente,
07:26nós observamos que um deles, que é a pessoa que comanda as agressões,
07:31é a pessoa que toma essa postura de comando, de fato, dessas agressões,
07:37ele se refere à Alice em três ou mais ocasiões como ele.
07:42E ele também, no momento que o motociclista se aproxima,
07:46ele se refere à Alice como um homem, ele fala ladrão, safado,
07:50ele fala diversas injúrias contra a Alice, falando,
07:54você não vai defender esse safado.
07:56Então, ele mesmo já se dirige à Alice como se homem ela fosse.
08:03E nós sabemos também, por todos os elementos coletados,
08:08que eles empreenderam uma força física mais bruta, superior,
08:14por acreditarem que a Alice era um homem,
08:16e que um homem, teoricamente, aguenta mais,
08:20como eles disseram, mais a porrada do que uma mulher.
08:24Então, sabemos que essa força física colocada contra a Alice
08:30também foi um fato transfóbico.
08:32Doutora, a Alice chegou a ser encaminhada para a UPA,
08:35mas foi liberada na sequência.
08:37A investigação olhou essa questão de não ter tido um atendimento adequado,
08:42como o pai dela já tinha mencionado?
08:44Com certeza.
08:45A Alice, ela foi encaminhada no dia dos fatos, na noite dos fatos,
08:50para a UPA.
08:51Posteriormente, no dia 26, ela foi novamente encaminhada para um hospital particular.
08:57No dia 8 de novembro, novamente ela é encaminhada a um hospital particular.
09:03Todo esse fato envolvendo a Alice ter procurado o atendimento médico
09:08e ter sido liberada, foi analisado e foi encaminhado para o Ministério Público,
09:14para que ele tome as providências em relação às unidades hospitalares.
09:18Pode ter havido negligência, não é?
09:20Foi o que nós colocamos nos autos para análise do Ministério Público,
09:26noticiando que a Alice estava chegando com um relato de agressão,
09:31ela fez vários exames de imagem, ela fez tomografias,
09:35foram constatadas, inclusive, as quebras das costelas dela.
09:39Isso tudo foi passado para o Ministério Público,
09:41para que tome as providências referentes às unidades hospitalares.
09:45A Alice compareceu na Delegacia de Crimes contra a Intolerância no dia 5 de novembro,
09:54acompanhada do genitor dela, e narrou os fatos que haviam ocorrido no dia 23.
10:01Ela foi encaminhada para o IML naquela ocasião,
10:04onde foi submetida a uma avaliação clínica,
10:06onde, naquele momento, ela viva,
10:08a médica legista constatou as lesões corporais que ela havia sofrido.
10:13O papel do IML é constatar as agressões sofridas.
10:17Posteriormente, com o evento morte dela,
10:21toda a documentação médica foi encaminhada
10:23e foi estabelecido claramente um nexo causal
10:28entre as agressões sofridas e a morte.
10:31Por que não foi feita nenhuma necropsia no local?
10:33A Alice chegou no hospital, no hospital particular,
10:38no dia 8 de novembro, faleceu no dia 9 de novembro,
10:42e o médico atestou o óbito dela e não acionou a polícia.
10:46A polícia tomou o conhecimento da morte dela no momento,
10:49no dia 10 de novembro,
10:50quando já estava acontecendo o sepultamento dela.
10:54Essas informações foram encaminhadas ao Ministério Público também,
10:58porém, o laudo de necropsia nesse caso é dispensável
11:02em razão de já existir uma prova objetiva
11:05chamada laudo de ECD indireto,
11:08a qual estabelece o nexo causal entre as agressões e o evento morte.
11:13A lanchonete pode responder, de alguma forma, por esse crime?
11:16Por tudo que nós apuramos, não existe participação
11:21de nenhum funcionário, de nenhum gerente,
11:23de nenhum proprietário do Rei do Pastel,
11:26porém, cabe ao Ministério Público analisar mais a fundo
11:30a questão envolvendo a empresa.
11:32Doutora, a gente está falando da participação do outro.
11:35Tem um garçom e o outro que foi o comparsa.
11:37Eles eram amigos, eu queria mais detalhes.
11:39O que ele fez também?
11:41Ambos autores, um de 20 anos e um de 27 anos,
11:44atuavam como garçons no estabelecimento comercial.
11:48Eles não tinham uma relação de amizade prévia,
11:51porém, esse autor de 27 anos que conduz as agressões,
11:55que conduz as ações ali tomadas,
11:57ele chama esse colega para que ele o acompanhe
12:00e até mesmo para que ele corrobore ali os eventos
12:04e ajude ele, por exemplo, para que a Alice não fuja do local.
12:07Então, ele também, esse homem de 20 anos,
12:10também foi indiciado pelo crime de feminicídio.
12:13Não houve a prisão e tem um outro pedido em tramitação do recurso.
12:20A senhora acredita que haja possibilidade de fuga dos suspeitos?
12:23A Polícia Civil tomou todas as providências necessárias,
12:29explicou para o Poder Judiciário e para o Ministério Público
12:32toda a necessidade de acautelamento provisório desses dois autores,
12:36ambos trabalhando em uma região do público LGBT,
12:41ambos já...
12:42A Alice já tinha um certo temor de ambos,
12:45ela deixou claro isso enquanto em vida ainda,
12:48que ela se sentia sofrendo preconceito no local.
12:52Tudo isso foi encaminhado para o Ministério Público
12:55e para o Poder Judiciário,
12:57justificando, na nossa perspectiva,
12:59a necessidade de acautelamento desses autores.
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