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  • há 1 dia
O escritor amazonense Milton Hatoum foi o entrevistado do Pensar desta semana. O membro da Academia Brasileira de Letras falou sobre o lançamento do terceiro livro 'Dança de enganos' que encerra a trilogia 'O lugar mais sombrio' e também dos 25 anos do livro 'Dois irmãos'.

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Transcrição
00:00Você encerra uma trilogia ambientada na ditadura militar, durante o período da ditadura militar.
00:06E, na minha opinião, uma das forças dessa trilogia, que fica mais evidente em Dança de Enganos,
00:14são as cicatrizes e as fraturas expostas que essas pessoas, que muitas vezes foram,
00:25que sobreviveram à ditadura, mas ficaram com marcas, marcas no próprio corpo,
00:32e você traz o tema da tortura para o Dança de Enganos, e também marcas na alma, carregam isso.
00:39Eu acho que é um dos primeiros, não um dos primeiros, mas um dos livros da literatura brasileira
00:46que mais retratam essas cicatrizes e como isso impacta no íntimo e na própria trajetória dessas pessoas.
00:57Então, eu queria que você falasse um pouco sobre isso.
00:59Por que ainda se fala da ditadura militar, filmes como Ainda Estou Aqui,
01:08a trilogia O Lugar Mais Sombrio se ambienta.
01:11Por que ainda é importante escrever sobre esse período?
01:14Porque ela, vamos dizer, a ideia e mesmo a tentativa de implantar uma ditadura está muito presente.
01:27As pessoas perguntam por que se fala nisso.
01:30Ora, houve uma tentativa de golpe explícita.
01:37Quebraram as sedes dos seus poderes, vandalizaram aquilo tudo,
01:42falaram abertamente de golpe, o ex-presidente exaltou um dos grandes torturadores desse país.
01:54Você imagina isso?
01:56Isso aconteceu, está lá gravado, todo mundo viu a invasão.
02:03Então, os generais que participaram disso, quer dizer, ela foi interrompida,
02:13houve um processo democrático, a retomada da democracia, a Constituição de 88,
02:18mas a ideia, vamos dizer, de reimplantar um regime autoritário não morreu.
02:24Há uma frase no Dança de Enganos, no fim, do pai do Martim, que é o cérebro da ditadura,
02:34em que ele diz, esses generais, na época da abertura, ele diz, os generais hoje são covardes.
02:43Quer dizer, os generais de 64 já não existem mais.
02:47Mas como a ditadura militar impacta os seus personagens nessa trilogia?
02:55É porque, bom, eu vivi, e a minha geração viveu toda a sua juventude,
03:03e primeira, segunda juventude, uma parte da vida adulta, sob uma ditadura.
03:08E eu vi esses caras em Brasília.
03:09Eu fui detido em Brasília, na W3.
03:14Fui depois detido, preso em São Paulo, na invasão da PUC, que eu estava lá, em 77.
03:22Então, a ditadura, ela roubou a juventude da minha geração, uma parte dela.
03:31Simplesmente roubou, sequestrou, infligiu medo na nossa vida, matou amigos, assassinou amigos e conhecidos,
03:47torturou também amigos e conhecidos, censurou as artes, censurou a literatura.
03:54Quer dizer, é difícil você se desprender disso totalmente.
04:03Quer dizer, é claro que meu primeiro romance não fala disso, Relógio de Sertorente.
04:07Ófras do Eldorado também não fala disso.
04:10Alguns contos não falam da ditadura.
04:12Mas os outros romances, de uma forma, às vezes, lateral ou indireta, com dois irmãos,
04:20tem uma cena apenas, ou Cinzas do Norte, que aí já começa, é um primo da trilogia.
04:28Isso tudo foi muito marcante.
04:30Quer dizer, foi uma coisa...
04:33E tem mais, se a gente fosse conversar sobre o que de nocivo para a nossa sociedade brasileira
04:45foi a ditadura, a gente teria que falar das cidades, da decadência, da destruição do centro histórico
04:53das nossas cidades, por exemplo.
04:56Você fala muito sobre a questão da educação também, né?
04:58O projeto educacional que foi destruído.
05:00Que foi um dos crimes da ditadura.
05:02E até hoje nós não conseguimos recuperar.
05:05Eu estudei numa escola que era, seria, vamos dizer, uma espécie de plano piloto,
05:10de modelo de uma escola pública de qualidade.
05:14Levaria tempo? Sim.
05:16Era uma utopia? Talvez, em termos.
05:20Mas havia um pensamento sobre a educação pública.
05:24Com Paulo Freire, com Darcy Ribeiro, com Anísio Teixeira,
05:30que foi uma figura extraordinária também.
05:34Extraordinária.
05:35Então, eu acho que deixou sequelas profundas.
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