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Conheça a história de milhares de filhos que os militares portugueses tiveram de mulheres africanas durante a Guerra Colonial em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.
Transcrição
00:00A primeira vez que eu ouvi falar do filho, foi logo após ter os termos conhecidos,
00:28e falou sempre neste filho que deixou em Angola.
00:43Foram 13 anos de guerrilha em Angola, não foi?
00:47Foram 13 anos, e nesses 13 anos fez-se muitos filhos.
00:58Sabia que os militares, por exemplo, em Angola, que todos eles arranjavam a sua partidinha.
01:28Não era ofender ninguém, mas é assim.
01:31E ele mostrou sempre fotografias da mulher com quem ele esteve lá em Angola, no corte de lamento,
01:41que era lavadeira que lavava a roupa para os militares, e foi aí que ele a conheceu.
01:48Era um cavalão de rapariga, muito mais alta do que eu.
01:55Ele disse que comprou a Helena.
01:58Não foi, compraste a Helena? Por quanto?
02:05Cinquenta escudos.
02:08Cinquenta escudos?
02:10Cinquenta.
02:11Hã?
02:12Cento e cinquenta.
02:13Cento e cinquenta escudos?
02:15Diz que comprou a Helena por cento e cinquenta escudos. E mais?
02:18E não foi vinho? E cerveja?
02:22Um garrafão de malavo.
02:25Um garrafão de quê?
02:27Um garrafão de...
02:31Foi um garrafão de qualquer coisa que era malavo.
02:34Era malavo.
02:37Hã?
02:38Hã?
02:39Hã?
02:42Malavo?
02:43Não percebo.
02:44Hã?
02:45Hã?
02:46Hã?
02:47Hã?
02:48Hã?
02:49Hã?
02:50Conheci Norberto quando cheguei a Maquela do Zombo.
02:54Partilhávamos o mesmo quarto, o mesmo camarada.
02:57Ele era rádio-telegrafista e eu era fotografica e cinema.
03:03Normalmente estávamos os rádios-telegrafistas.
03:05Estava eu, estava o indivíduo da escrita, o escriturário.
03:10Partilhávamos esse camarada, esse quarto.
03:16Normalmente...
03:19Quando lá chegávamos já encontramos isto, não é?
03:23Já encontramos este tipo de relacionamento com os outros colegas anteriores.
03:28Era fácil.
03:29Até porque normalmente nós, quando lá chegávamos, ainda tivemos oito dias
03:35ou com os militares antigos que nós fomos render, não é?
03:40Eles, por vezes, nos davam a dica de levarmos-nos ao Sanzalo para a Sinejana, não é?
03:45De conhecermos as chicas.
03:48É, as chicas.
03:50A gente tem que lhes chamar chicas, não é, agora?
03:52De conhecermos as cachopas.
03:55Eu vivi em Angola.
03:57Eu fui para Angola em 1962 e vim em 1975, em setembro, depois da independência.
04:07E a mim não me choca porque eu sei que era comum em Angola naquele tempo.
04:13Naquele tempo, os sobas vendiam as mulheres.
04:21Os homens tinham...
04:23Quando se deslocavam, nós, normalmente,
04:25nós, a companhia que estávamos no mato,
04:28só íamos uma vez por semana a maquela.
04:32Ou reabastecimento, ou buscar o correio.
04:34E era natural.
04:36Portanto, não eram sempre os mesmos.
04:38Aquilo rodava a todos, quem queria ir, não é?
04:41Havia sempre quem estava interessado em ir.
04:43E, assim, se tratava conhecimento,
04:46de ir à sanzala ver qual eram as meninas
04:48que estavam dispostas a colaborar com,
04:50em termos de prostituição,
04:52a colaborar com os militares.
04:54Pagava-se.
04:55Eu suponho que, não tenho a certeza,
04:57mas pagava-se cerca de vinte angulares.
05:02A cada cachopa.
05:04E quando eram brancas ou congoleses, eram cinquenta.
05:08Havia de haver muitos milhares, muitos milhares, muitos milhares,
05:14que lá fizeram filhos, não é?
05:18Meduso eu.
05:20Não digo isto com grande convicção, mas,
05:23analisando bem, vendo bem as coisas,
05:26até porque as pessoas, nós lá nem tínhamos acesso a proteções,
05:31nem coisas assim do género, não é?
05:35Agora, as únicas proteções que nós tínhamos
05:36era uma pomada por causa das doenças de neireiro,
05:39que nos era dado mesmo para o médico.
05:43Normalmente era uma coisa que, normalmente,
05:45as pessoas até eram capazes de esconder essa situação, não é?
05:49O Norberto foi o único caso que eu tive consciência e que existia.
05:59Agora, porque ele diz,
06:01de resto, se havia lá mais algumas, não disseram absolutamente nada, não é?
06:05Mas eles também frequentavam os mesmos meios,
06:07como eu frequentava, as outras frequentavam.
06:10Todos nós, meu pai, sempre que almoçávamos e jantávamos
06:18e estávamos em família, falava desta história.
06:21E, às vezes, íamos buscar as fotografias para vermos.
06:24Portanto, para nós não é novidade nenhuma a existência deste irmão.
06:29Portanto, não é uma coisa que nós, o quê?
06:32Eu nunca ouvi falar nisso.
06:33Aliás, eu até falei com umas amigas minhas e uma delas disse assim,
06:38Olha, o meu pai também dizia isso.
06:40Ah, não se admirem-se algum dia aparecer aqui alguém a dizer que é meu filho.
06:43Portanto, eu acho que todas as pessoas que estiveram na Guerra do Ultramar têm,
06:47ou quase todos os homens têm essa...
06:53Acham que isso aconteceu, pronto.
06:55Que podem ter lá filhos, não sei.
06:57Porque eles também tinham que fazer alguma coisa, tinham que se divertir, não é?
07:02E ele nunca nos disse como é que aconteceu, portanto, a mãe do meu irmão.
07:07Só nos falava que ele existia, mostrava-nos fotografias dela, mas nunca nos disse como é que aconteceu,
07:16nem nunca nos demonstrou que teria a intenção de a trazer para cá.
07:20E ele sim, mas a mãe não.
07:24Se seria o único relacionamento, também confesso, porque o meu pai sempre foi assim muito arisco e continuou depois cá.
07:33Pronto, não foi um excelente marido, mas foi um excelente pai.
07:37Mas quem somos nós para julgar, não é?
07:40Porque cada um vive a vida como acha que deve viver.
07:44Mas, por exemplo, o meu marido está em Angola e ele já está lá desde 2006.
07:50E mal ele foi para Angola, foi uma das... o meu pai disse logo para ver se ele o encontrava.
07:55Só que com os dados que nós tínhamos, o meu pai achava que ele se chamava Norberto, um via de Monteiro.
08:01Achava que ele tinha o nome dele.
08:03E pelos vistos não tem.
08:05Mas, por nós, era muito difícil com esses dados.
08:08O meu marido nem sequer... não conseguiu nada, absolutamente nada.
08:12E ele ficava... estava-me sempre agora, pronto, foi ficando assim mais doente e mais esquecido,
08:18que ele de vez em quando não sabe muito bem o que é que está a dizer, não é?
08:23A nós conhece-nos sempre, mas às vezes fala de coisas assim mais antigas que acha que estão a acontecer agora.
08:29E ele a cada passo também me dizia, se o Jacques, que é assim que nós o chamamos, o meu marido, se encontra o Norberto, o meu filho.
08:41E eu digo, está bem pai, ele vai ver, ele vai ver.
08:46Ele é uma pessoa completamente dependente de mim.
08:49Ele está assim, vai fazer... fez agora três anos.
08:53Porque ele ainda andava, ainda se expressava muito bem, mas após o Covid perdeu tudo.
09:05Porque ele sempre me pediu para o ajudar a procurar.
09:12Eu era assim, mas eu não tenho elementos nenhum, eu vou procurar onde?
09:15Eu até lhe dizia, ele já morreu com esta guerra que houve em Angola, ele já morreu, ele já não existe.
09:21Eu dizia-lhe muitas vezes, não penses nisso, ele já morreu.
09:26Era aquilo que eu lhe dizia.
09:28Eu acho que ele fez mal em não... em não trazer o filho ou voltar à Angola logo a seguir para...
09:35Ele também não voltou a Angola logo a seguir porque o pai dele estava muito doente e entretanto faleceu e ele...
09:43Prontos.
09:44Ele organizou a vida dele aqui e entretanto casou.
09:49Ele me dizia que ele deixou-a no cajo e que fugiu.
09:53Nem lhe disse nada a ela, desapareceu pura e simplesmente.
09:58Embarcou no Vera Cruz, não foi, Norberto?
10:01Foi, Norberto?
10:02Foi no Vera Cruz que viste?
10:05Hã?
10:06Foi.
10:07Hã?
10:08Foi.
10:09Foi.
10:10Veio no Vera Cruz e deixou.
10:12Tinha o menino um mês.
10:15Como foi de surpresa, então, quando ele disse que nós já vamos embora.
10:21A minha irmã começou a chorar.
10:23Vão embora, não vá voltar mais.
10:24Disse, não sei.
10:26Não se sabe se eu vou voltar mais.
10:29Assim, o meu filho ficou.
10:33Começaram a chorar.
10:36Eu mesmo a ver assim, com o miúdo no colo.
10:41Até nesse dia, não comeu.
10:43A minha irmã não comeu nesse dia.
10:45Muito tempo, com cinco anos triste, sem arranjar o meu namorado nem nada.
11:01Ficou muito mesmo, muito ofendida mesmo no coração.
11:05Muito triste.
11:06Eu vi no Facebook o posto de alguém que procurava o filho militar português que deixou em Angola.
11:23Especificamente no Quinzau.
11:24Só o fato de mencionar o Quinzau já logo chamou minha atenção.
11:26Mas, de primeira, não tem muita importância.
11:27Até passei a publicação.
11:28Mas, depois, voltei e puxei a imagem, a foto que estava na publicação.
11:32E logo reconheci que ele era minha avó.
11:33Não sei como.
11:34Mas, ela ainda tem os mesmos traços.
11:36E os dados, apesar de que o Brasil, não é muito importante.
11:37Especialmente no Quinzau.
11:38Só o fato de mencionar o Quinzau já logo chamou minha atenção.
11:42Mas, de primeira, não tem muita importância.
11:45E até passei a publicação.
11:47Mas, depois, voltei e puxei a imagem, a foto que estava na publicação.
11:53E logo reconheci que ele é minha avó.
11:57Não sei como.
11:58Mas, ela ainda tem os mesmos traços.
12:02E os dados, apesar de estarem um pouco sem distorcido, batem certo com o do pai.
12:10Então eu acho que é o pai dele que está à procura dele.
12:15Então logo o meu irmão falou com o meu pai, ele ligou para mim e me perguntou se aquilo era verdade.
12:22Se aquilo realmente estava a acontecer com ele.
12:25Que não era algo que nós tivéssemos a tentar pregar uma partida, se era realmente real o que estava a acontecer.
12:36Disse que sim.
12:37Depois de 58 anos, 59 anos, ninguém esperava.
13:04Isso é um presente para mim?
13:05É um presente, e é um presente para ele, foi um presente para ele.
13:11Foi um presente, porque ele não esperava que pudesse me encontrar.
13:14Ou pudesse, pelo que se passou aqui em Angola, muitos foram.
13:22Os que sobreviveram, se estamos aqui, porque Deus é poderoso.
13:28E é isso, porque orgulho é mesmo.
13:34É tempo demasiado para esse reencontro.
13:37Porque é muito tempo.
13:55E eu fiquei a perguntar por que só agora, por que só agora ele estaria procurando o filho?
14:03Porque nós sempre pensamos que se ele não voltou, sabendo todas as informações do filho, onde poder procurá-lo,
14:13é porque já tivesse morrido.
14:15Pensamos isso.
14:15Por que que agora ele vem procurar o filho, ou ele decide procurar o filho, só agora?
14:23Naquele dia, para mim, eu não estava a acreditar o que estava acontecendo.
14:35Eu ia falar com o pai.
14:37Nem o pai a transmitir isso na dona Salvina, que não estou a acreditar que o meu filho está vivo.
14:43Eu ia chorar, ele também ia chorar.
14:50Ela ia deitar lágrimas, eu também ia deitar lágrimas.
14:55Eu falei a ele, pai, eu sou teu filho.
15:00Não é outra pessoa, sou eu.
15:02As provas, aquilo que eu te mandei, te enviei.
15:05Que você viu, aquela fotografia que eu acabei de vos enviar, é a prova.
15:09Que o filho que você procura sou eu, José Carlos, que você me deixou.
15:19Não houve alteração.
15:19A alteração que houve é Carlos José, quando fui resistado.
15:25Depois eu lhe falei, pai, você sabe que até hoje eu não tenho nome de pai?
15:35Eu falei isso.
15:36Ele chorou outra vez.
15:42Foi importante para ele.
15:45É um ciclo que se fecha.
15:47Ele finalmente conhece o filho.
15:50E vai ver o filho que deixou.
15:52Há 58 anos, se não me engano.
15:55É essa a idade que tem o José Carlos, 58, que fez o ano passado.
16:00Acho que é 58 anos.
16:03A boca, o queixo, os olhos.
16:07Acho que é igual ao Norberto.
16:09Acho que ele merece isso.
16:14Merece conhecer o filho.
16:17E o filho merece conhecer o pai.
16:19Pelo menos ele mostra vontade nisso.
16:22Cheguei de prometer, no dia em que estávamos a falar, pai, eu vou te pôr no colo.
16:28Porque hoje eu é que sou teu pai.
16:31Porque você é a idade que você já tem, agora eu é que sirvo de teu pai.
16:35Você é meu filho, neste momento.
16:37Não você que vai me pôr no colo.
16:39Eu, quando chegar aí, vou te pôr no colo.
16:42Vou te pegar, eu vou te pôr no colo.
16:44E começávamos a chorar.
16:45Porque na altura, a tropa colonial, geralmente nos fins de semana, iam para a praia.
17:11Então havia sempre aqueles encontros, nas praias.
17:21O meu pai gostava muito da minha mãe, porque em nenhum momento que a minha mãe se queixou que o pai o maltratava.
17:29Quem tira a foto, estava na margem do mar, e tirou a foto assim, eles a correrem.
17:43Exatamente essa também, essa também foi a mesma coisa.
17:46Elas ficam aí quem lhes tira a fotografia.
17:49Essa, a minha mãe e amiga dela, Maria do Seu, no sentido, é o mesmo.
17:54Mas esta, a esta, foi tirada aqui.
17:57O que é isso?
18:27A torre estava ali no canto, essa caserna aqui.
18:36Esse aqui é o arame, são os arames do posto.
18:44Esse velho aqui, este aqui, este aqui, foi também tropa.
18:51O pai é este aqui, este também foi tropa.
18:54Foram tropas, foram colegas na caverna.
19:03Tem katana? Traz, traz katana.
19:24Tem que ser cortado, tem que ser cortado.
19:33Tem que ser cortado.
19:42Tem que ser cortado.
19:45Tem que ser cortado.
19:55Tem que ser cortado.
19:58Tem que ser cortado, tem que ser cortado.
20:04A mãe nunca me contou nada de mal do pai, não, nunca, nunca me contou isso.
20:21Ele não é culpado, não.
20:24Tem serviço militar?
20:27Tem serviço militar.
20:29São circunstâncias da vida.
20:34Quando a tropa colonial começa a se retirar de Angola, o movimento da FNLA não queria saber
21:03que era o branco, o branco, quer dizer, o maior inimigo que ele tinha era o branco.
21:08Ele gritava assim, é, é, é, eu não sou nuliana, a mim dele, no cuba mavondua no bevondua.
21:18É, é, quer dizer, eu grito.
21:20Vocês todos ou todas que têm filhos de branco, se preparem que os seus filhos vão ser mortos.
21:27Então aquela senhora, pelo medo, pegou a criança, pintou de carvão, pintou a criança de carvão.
21:37A mãe, depois de ver aquilo, ficou irritada a minha mãe, esta minha mãe, disse que, Carlito,
21:43prepara-se para a morte.
21:45Você, eu não vou te pintar de carvão.
21:47Você, você mesmo que for pintado de carvão, esta tua cor não vai sair.
21:54Você é conhecido que aqui, você é filho de um branco, de um tropa colonial.
21:58Aqui esse quinzal todo, você não tem onde se esconder, porque te conhecem todos.
22:04Aqui isso tudo, você te conhece, vai se esconder por quê?
22:07Vai, vai se pintar por quê?
22:09Então, espera, morte.
22:16Quando as tropas vinham para nos matar, nos filhos de colônia,
22:21depois a nossa mãe pegava a lâmina para raspar todo o cabelo.
22:26Depois pisa o carvão, nossa mãe, pinta, pinta toda a cabeça, pinta todo o corpo.
22:32Depois vamos trazer nas lávras, onde que tinha a mandioca, nos capim.
22:36Ficam lá durante um mês, uma semana.
22:40A vossa mãe estava a trazer comida, até quando os tropas vão sair.
22:44Depois voltam mais.
22:46Quando estão a vir, estão a vir os tropas,
22:48fogem mais com as vossas mães na lávra.
22:50Às vezes as mães ficam lá em casa, começam a ir a trazer comida.
22:55Eles perguntam, está onde a vossa, filho?
22:57Você não nasceu com o branco?
22:59Ou não, o filho já morreu.
23:01Eles mentiam sempre, já morreram.
23:03Morreram com o quê?
23:04Eles foram lhes deixar na água, morreram também.
23:08Afinal, estamos na mata.
23:10Vivíamos lá.
23:11Estudar, nada.
23:13Para nós vir e conseguir estudar, foi assim.
23:17Sofrimento.
23:18Sim, algumas famílias perderam os filhos portugueses.
23:23A perseguição mesmo, não, queriam ver os filhos portugueses e matavam.
23:30Minha mãe me salvou porque ela me escondia e me pintava.
23:33Me escondia numa das fazendas que eu demotio, lá mesmo no Ijo,
23:38e ficavam numa das grutas, numa das pedras.
23:39Só assim conseguiram sobreviver.
23:42Minha mãe me contou, quando eu nasci, depois de seis meses,
23:53a tropa da UPA, quando apareceram,
23:56ela estava a sair de casa para ir do outro lado,
24:01de Marsalho para São Paulo.
24:04Então, havia lá um prédio, até hoje existe aquele prédio,
24:09prédio sujo, chama-se Prédio Sujo do Marsalho,
24:12onde treinavam os comandos búfalos da UPA.
24:18Treinavam naquele edifício aí, então.
24:20A mãe a sair, me viram logo e dizem,
24:23olha o filho do branco, esse aqui tem que ir para a maneta.
24:27Porque os colônias que fizeram maltratar nossos arroz,
24:31me maltrataram, mataram, torturaram, não sei o que,
24:36eles já sabem aquela coisa toda.
24:37Então, aqui nós não queremos ver filho do branco.
24:40Minha mãe começou a chorar, assim a chorar,
24:43aparece esse suco que está no comandante,
24:45que está a dizer que avô, que é o tio da minha mãe,
24:47é que me salva.
24:49Fala, não faça isso, não mata.
24:51Mas eles já estavam prontos com a katana,
24:53eu com as duas pernas penduradas,
24:57a cabeça embaixo, para mim, racharam no meio.
25:01Todos os filhos portugueses foram recolhidos,
25:06buscaram mesmo lá na mata, nos refúgios,
25:08onde tinham refugiados, a família,
25:13fomos recolhidos.
25:14E nos meteram na comuna do Quinzao,
25:17tem lá média de 200 paus que tinham semeado.
25:21Então, o último pau na comuna, dentro da sede,
25:24o último pau, frente a frente,
25:26onde havia a casa da minha mãe,
25:27nos meteram naquele pau para serem executados
25:30todos os filhos portugueses.
25:33Então, ali mesmo que houve humilhação,
25:37até que outros eram obrigados
25:40pintar o bebê com carvão,
25:44e tinha lá um lodo também, que era preto,
25:48que conseguiam safar,
25:50mas eu confirmo que eu estava naquela lista
25:53para serem executados.
25:55Foi aqui, o sítio.
26:05Nesta árvore, por aqui, por baixo da árvore,
26:08aqui embaixo tem uma vada.
26:11Foi da vada onde estavam reunidos.
26:13Bom, o que se passou,
26:38praticamente eles não gostavam mesmo da nossa cor.
26:42Então, foi a razão, uma das razões
26:44que eles que tentaram apelar no bairro
26:48toda aquela mulher que fez filho com branco
26:51tinha que ser fuzilado.
26:55Então, foram nos buscar,
26:58cada um com a mãe dele e nos levaram para aqui.
27:00Mas quando nos levaram aqui, já sem as mães.
27:03Só éramos somente nós, as crianças.
27:06Agora, também, como éramos muitas, muito crianças,
27:12não chegamos de saber bem, bem o que se passou depois
27:16para a gente não ser mortos.
27:19Eu da minha mãe, éramos dois.
27:21Um ainda vive, mas está em Luanda, Maria de Fátima.
27:24Eu era, era eu, e era mais um,
27:28aquele, quem que está em Luanda, o Zao Fata.
27:31Zao Fata.
27:32Sim, o Zao Gustava também.
27:33A Luisa.
27:34A Luisa também.
27:34A Muinda, o irmão dele, o Capata.
27:39Sim.
27:39Com eu era a sexta pessoa.
27:42Ok.
27:42Então, foi assim.
27:43Era dois que tinham armas.
27:46Eles eram três.
27:48Um é que não tinha arma.
27:51É.
27:53Agora, não se sabe se a mesma arma
27:55tinha munições ou não tinha,
27:58mas acho que tinha, né?
27:59Porque prometeram matar.
28:00Acredito que tinha munições.
28:03Porque o objetivo era mesmo de nos fuzilar.
28:10Agora, não sei o que aconteceu,
28:11porque não nos mataram.
28:12Talvez, esse é o mesmo Deus que nos salvou
28:15para não sejamos mortos.
28:22A mãe tinha se percebido antes,
28:24então, foi-me esconder naquela ribanceira.
28:42A mãe tinha se ver.
28:55Tchau, tchau.
29:25Tchau.
29:55Tchau.
29:57Tchau.
30:27Tchau.
30:29Tchau.
30:59Tchau.
31:29Tchau.
31:59Tchau.
32:29Tchau.
32:59Tchau.
33:01Tchau.
33:03Tchau.
33:05Tchau.
33:07Tchau.
33:09Tchau.
33:11Tchau.
33:13Tchau.
33:15Tchau.
33:23Tchau.
33:25Tchau.
33:27Tchau.
33:29Tchau.
33:31Tchau.
33:35Tchau.
33:37Tchau.
33:39Tchau.
33:41Tchau.
33:43Tchau.
33:45Tchau.
33:47Tchau.
33:49Tchau.
33:51Tchau.
33:53Tchau.
33:55Tchau.
33:57Tchau.
33:59Tchau.
34:01Tchau.
34:03Tchau.
34:05Tchau.
34:07Tchau.
34:09Tchau.
34:11Tchau.
34:13Tchau.
34:15Tchau.
34:17Tchau.
34:19Tchau.
34:21Tchau.
34:23Tchau.
34:25Tchau.
34:27Tchau.
34:29Tchau.
34:31Tchau.
34:33Tchau.
34:35Tchau.
34:37Tchau.
34:39Tchau.
34:41Tchau.
34:43comercial, não me lembro bem, estava para entender bem, ele disse assim, quem diria, quem me visse e quem me vê hoje, sim, ele disse assim, quem me visse e quem me vê hoje, eu, Norberto, sempre fui um homem, falou algumas coisas que eu não me lembro hoje, e só lamento que só agora, eu nesta condição, que consiga encontrar, e ele falava isso com lágrimas,
35:13sim, e esforçava-se mesmo muito para falar essas palavras, que até a senhora Silvina emocionou-se, porque eu me lembro ver ela limpar as lágrimas no telefone.
35:28Apesar da morte do pai, é importante o meu pai ir em Portugal, sim, é importante, porque é uma parte da história dele de vida, ele precisa conhecer,
35:40saber mais sobre o pai, porque eu acho que só em Portugal ele vai ter mais respostas sobre o pai, como é que foi a vivência do pai,
35:56que tipo de homem foi o pai dele, ele não sabe que tipo de homem foi o pai dele, só lá ele terá essas informações, só lá ele poderá conhecer,
36:07ainda que morto, ele poderá conhecer o pai dele, eu acho que só em Portugal ele poderá fazer isso.
36:37Bom dia.
37:00É uma história, para mim, infeliz e feliz. Jamais eu pensava que isso pudesse acontecer.
37:13Infeliz porque ele já não está em vida, mas feliz pela história que agora vai se contar.
37:19Infeliz porque ele já não está em vida, mas feliz.
37:49Obrigado.
37:52Sim, sim.
37:59Bom dia.
38:00Bom dia.
38:01Mais?
38:03Mais dela.
38:04Mais dela, filha de ti.
38:06Sim.
38:09E esta é a tua tia, irmã do seu pai.
38:13Outro, outro sobrinho.
38:15Eu acabei de perguntar isso, assim que nós vínhamos na Catarina, será que o pai não deixou nenhum irmão ou uma irmã?
38:22Deixou a mais nova.
38:28Sim, sim.
38:30Estamos felizes.
38:32Igual o meu pai também.
38:33Está.
38:33Eu tenho mais de 100 sobrinhos, tu.
38:38Agora contigo, Emma, 101, com os teus filhos.
38:41Ui, ui.
38:42Eu se fosse a contar, tinha quase 200 sobrinhos.
38:44Espera.
38:46Muito gosto.
38:50Provavelmente.
38:51Olha, podes conversar com o livro.
38:53Estou feliz, porque sei que o meu pai, o nosso pai está feliz, porque era o que eu queria.
39:11Fico feliz por ele ter conhecido, nem conhecido sobre videoconferência, e por ter realizado o desejo de conhecer, que ele sempre falava nisso.
39:23Ele queria muito que isso acontecesse, mas já não tinha que ser, presencialmente não tinha que ser.
39:31Estou muito feliz por isso, mas não é um momento fácil para festejar.
39:40Não, não é um momento de festejar.
39:43Esta é uma alegria triste.
39:51Fazer o mesmo que vou fazer o teu pai.
39:54Está?
39:59Eu, Leandro, me ia sempre, me as imagens, e sobre este tio, venho comer, pai.
40:06Então, o senhor estava dizendo, porquê que isso aconteceu?
40:09Porquê que isso?
40:11O senhor chega, porquê que isso aconteceu neste preciso momento?
40:14Mas estás feliz de estar aqui na casa do teu pai?
40:20Muito.
40:22Muito.
40:23Éramos muito, muito, muito, muito, muito unidos, eu com o teu pai.
40:29E ele era meu pai também, ele foi meu pai.
40:32Porque o meu pai, quando morreu, ele tinha 16 anos.
40:38E o meu pai pediu ao teu, olha pela avó, olha pela tua mãe, olha pela Linda e olha pela menina, que era eu.
40:48E ele tomou conta de mim, até ao último minuto.
40:52Está bem?
40:53Vais ficar aqui em entrega à Salvina.
40:55Está bem.
40:55A vidinha tem que ir para o escritório, a tua irmã é advogada.
40:59Está bem.
41:01E eu tenho que tratar dos meus meninos, que também sou avó, que...
41:06Os netos andam sempre comigo.
41:11Está bem.
41:13Tu estás geladinho?
41:15Como?
41:15Estás frio?
41:16Não, é por causa do... assim que saí lá fora, como estava fora.
41:20Está.
41:20Sim, estás habituada a temperaturas?
41:22Lá também, lá também há zonas que são frias.
41:27São.
41:28São.
41:28Até cai gelo.
41:35Esta foto, buscando imagem.
41:49A ver, esta aqui é tua mãe.
41:51Sim, esta é a amiga íntima dela, Maria do Céu.
41:56Essa é a Maria do Céu.
41:57E aqui é a tua...
41:58Sim, aqui é na praia.
42:01Aquela praia chama-se Quimana.
42:04Na praia do Quimana.
42:05Atrás do quartel.
42:07Aqui.
42:09E aqui é a tua mãe, que estava grávida de ti.
42:12O teu pai veio para Portugal, tu tinhas um mês.
42:15E aqui é a tua mãe.
42:15Sim.
42:25Sei cá, isto é para levar-se, para recordares.
42:28No meu bilhete de identidade, o nome do pai não consta.
42:37Até hoje.
42:39Eu gostaria, a partir mesmo disto aqui, isto aqui, nem que o Estado holano não admitir,
42:46eu vou mandar fazer um tipo de passe, que vai constar esse passe que vou passar a levar
42:51entre o meu documento, a minha documentação, e aquele passe do meu pai.
42:56Para dizer que, olha, meu pai, ele está aqui.
42:58Vai ter a cara do meu pai.
43:00Com a...
43:01Olha só a primeira.
43:13Com a carne?
43:14Sim.
43:15Olha, tua tia Mariga.
43:23Podia que ela é alemã.
43:26Aham.
43:28Conhece não, mas vai ficar a conhecimento da tia Mariga.
43:31Bem, é escraxido o teu pai.
43:41Realmente não pode negar.
43:44Nada, nada, nada, nada.
43:51Tia, deixa-me dar um abraço ao Zé Carlos.
43:55Ana Maria.
43:56Bom, Zé Carlos, é um prazer ter-te cá.
44:01É como eu disse, o amor, a humildade e a tolerância.
44:05Bem-vindo a esta terra.
44:07Bem-vindo até ao teu pai.
44:09E à família que a família é boa.
44:11É um muito bom coração.
44:12E ele sempre falou, desde pequeninho que eu conheço a tua história.
44:15Desde pequeninho, como eu te dizia,
44:18e mostrou-me a fotografia da tua mãe que ela tem aqui.
44:21Eu tenho um filho em Angola.
44:24Deixei-te cá lá como mestre.
44:26Eu sou ela.
44:27Tchau.
44:28Tchau.
44:29Tchau.
44:30Tchau.
44:31Música
44:59O teu pai era um vovibã, era um desportista, andava sempre de bicicleta por aqui, por estas ruas, porque ele, estás a ver ali a capela da senhora de socorro, foi a rua onde ele nasceu.
45:19Toda a gente em Vila, quando sabe que o teu pai era um milirente, eu descobria tudo, mas ele negava sempre, sempre negou.
45:29Agora, ultimamente, é que ele concordava comigo, é verdade, ele dizia-me assim, ele tratava-me de filho, é verdade filho, é, mas olha, tu perdoas, tu me perdoas, também estás perdoada.
45:39Era um bom divã, era amigo de toda a gente, de toda a gente, pegava tudo a toda a gente, convivia com toda a gente.
45:56Olha, eu só tenho a dizer bem, fomos felizes.
46:02Música
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48:32Toda a gente, praticamente onde eu vivo, sabem que meu pai me procurou, e é uma honra para mim.
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