- 28/06/2025
O historiador brasileiro fala sobre as imprecisões do novo filme sobre o imperador francês, que, assinado por Ridley Scott, é impecável esteticamente
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NotíciasTranscrição
00:00Olá, você assinante da Cruzoé, muito bem-vindos.
00:10Essa é mais uma edição do Cruzoé Entrevistas.
00:13Hoje nós vamos falar de um cidadão de origem córsica, francês, de 1,68m,
00:20que viveu sofrendo bullying durante a vida toda, enquanto era jovem,
00:25para depois se tornar um dos estrategistas militares mais celebrados e cultuados de toda a história moderna.
00:30A gente está falando de Napoleão Bonaparte e a gente vai falar sobre a nova cinebiografia
00:37dirigida por Ridley Scott, que estreou essa semana nos cinemas.
00:42O filme é uma produção esplendorosa de 200 milhões de dólares de orçamento
00:48e dirigida por um dos cineastas mais celebrados de Hollywood,
00:51mas tem sofrido críticas pela sua abordagem histórica de um personagem tão complexo.
00:57Então, para falar de um personagem tão complexo quanto é Napoleão Bonaparte,
01:01a gente traz aqui hoje o professor Daniel Gomes de Carvalho,
01:05que é do Departamento de História da UNB.
01:08Professor, muito obrigado e seja bem-vindo ao Cruzoé Entrevistas.
01:12Gui, eu que agradeço.
01:13É um grande prazer poder conversar com você, poder falar um pouco de história,
01:17falar um pouco do que eu estudo, do que eu leciono,
01:20também para quem está assistindo, para quem está escutando a gente.
01:23Excelente.
01:24Professor, já vamos começar com uma pergunta bastante simples.
01:28Por que o Napoleão é essa figura tão incontornável até os dias de hoje,
01:33considerando que tem 202 anos que ele morreu?
01:37Ah, Gui, essa pergunta é muito importante,
01:38porque eu posso responder essa pergunta por dois caminhos,
01:43bastante distintos, inclusive.
01:44Por um lado, existem as coisas que Napoleão efetivamente fez.
01:49Então, por exemplo, Napoleão cria, é fundamental para a criação dos liceus na França.
01:55Napoleão é fundamental para a criação do Código Civil Napoleônico.
01:59Código Civil Napoleônico que regulamenta, por exemplo, a propriedade privada,
02:03relações entre trabalhadores e empregados.
02:05E quase no mundo inteiro, em boa parte do mundo,
02:09se copia, se apropria ou se inspira nesse código
02:11para a criação dos próprios códigos civis locais, enfim.
02:15Então, seja pelo Código Civil, seja pela criação dos liceus,
02:20seja pelo fato de que o Napoleão, durante a sua vida,
02:24ele refaz, participa de uma remodelagem do mapa da Europa, por assim dizer.
02:30Por exemplo, ele acaba com o Sacro Império Romano Germânico.
02:32E o fim do Sacro Império Romano Germânico é fundamental para a criação da Alemanha.
02:36O Sacro Império Romano Germânico era mais ou menos o que hoje é a Alemanha,
02:40a Áustria, a Hungria, a República Tcheca.
02:41Então, a destruição do Sacro Império é fundamental para a própria criação da Alemanha,
02:47que se dá no século XIX.
02:48Então, veja, eu poderia responder a sua pergunta dizendo coisas como essa,
02:52coisas que Napoleão efetivamente fez.
02:55Agora, se há o que o Napoleão fez,
02:58há, por outro lado, a lenda que se cria em cima da figura de Napoleão,
03:04que aí é uma outra história, né?
03:05Essa lenda começa já na morte de Napoleão.
03:08O Napoleão conseguiu fazer uma coisa que raras pessoas conseguiram fazer na história,
03:13que é ser fundamental para determinar a memória que se tem dele.
03:17Então, o Napoleão escreve, na verdade, ele dita, e as pessoas escrevem,
03:20o Memorial de Santa Helena.
03:22Então, o Napoleão acaba ditando para a prosperidade, para a posteridade,
03:26a própria visão que ele tem sobre as suas conquistas,
03:30sobre as suas guerras, etc., etc.
03:32Então, no século XIX, os românticos, os pensadores, escritores do romantismo,
03:38irão celebrar a figura de Napoleão.
03:40Então, o Vitor Hugo, cujo pai tinha lutado, o Vitor Rigol, o Vitor Hugo,
03:44cujo pai tinha lutado nas guerras napoleônicas,
03:47ou Alexandre de Mar, ou Alexandre Dumas,
03:49cujo pai também tinha lutado na guerra napoleônica,
03:52esses poetas, esses escritores, escrevem sobre Napoleão.
03:55Então, cria-se no século XIX e XX o mito napoleônico,
03:58o mito de alguém que saiu do nada e conquistou o maior império já visto
04:04desde o Império de Carlos Magno.
04:06O próprio filme remete a esse mito, que é o mito,
04:10não é uma mentira, que diz que Napoleão saiu do nada e conquistou tudo.
04:15Sabemos que a coisa não foi assim, Napoleão era da pequena nobreza.
04:18Napoleão era uma família, não era uma família de alta nobreza, claro,
04:21mas era uma família abastada da Córsega.
04:24E Napoleão não conquista o mundo inteiro,
04:26Napoleão conquista algo assim como de 2% a 3% do planeta Terra.
04:32A Europa Ocidental está longe de ser o mundo inteiro, felizmente.
04:36Então, veja, eu poderia responder, e as duas respostas estariam corretas,
04:41dizendo as coisas que Napoleão efetivamente fez,
04:43e de fato, não há como compreender a história contemporânea
04:47sem passar pela figura do Napoleão,
04:49mas também existe um mito em cima de Napoleão.
04:52mito esse que permanece, que tem força até os dias de hoje, né, Gui?
04:59Certo, professor.
05:00E sobre essa obra cinematográfica tão esplendorosa,
05:06que é um filme de 200 milhões de dólares como esse,
05:09dirigido pelo Ridley Scott,
05:11eu queria já emendar duas perguntas em uma.
05:14Eu queria primeiro saber o que você considera
05:17sobre os aspectos históricos que são apresentados nesse filme,
05:22e principalmente se você acha que essas críticas
05:24que apontam essas imprecisões,
05:27elas são justificadas, ou justificáveis, ou não?
05:32Pô, Gui, isso é uma grande pergunta, né?
05:35A gente tem debatido muito isso nesses dias,
05:38e muita gente tem falado assim,
05:39ah, vocês historiadores estão sendo chatos,
05:42porque não é um documentário, é um filme,
05:45e de fato, eu acho que é super válido
05:50a recriação histórica,
05:52uma encenação que se brinque com esse passado, né?
05:56Então, por exemplo, existem vários filmes
05:59que fazem esse tipo de montagem, né?
06:01Muita gente lembrou, nesses dias,
06:03dos Bastardos em Glórios,
06:05que é o filme ali que faz uma recriação
06:07com, enfim, o passado nazista,
06:09e é um filme fantástico,
06:10eu adoro esse filme, Bastardos em Glórios.
06:12Então, eu, Daniel, como historiador
06:14e como pessoa que gosta de cinema,
06:17não acho que os filmes necessariamente
06:19tenham que ser fiéis à história.
06:22Até porque, Gui,
06:23não sei se quem está assistindo sabe disso,
06:26até a década de 1980,
06:28foram escritos nada menos que 200 mil livros
06:31e artigos sobre Napoleão.
06:32E absolutamente nenhum historiador,
06:35nenhuma historiadora jamais irá ler
06:36os 200 mil artigos.
06:38Então, não existe uma narrativa única
06:40sobre Napoleão a qual sermos fiéis.
06:42Nós, historiadores, que estudamos esse período,
06:45temos várias disputas,
06:47vários debates,
06:49várias coisas que a gente discorda
06:50sobre essa época.
06:51Não há uma narrativa única
06:52a qual ser fiel.
06:53O problema é quando, de fato,
06:56se apresenta essa narrativa com nós.
06:58Estamos sendo fiéis à história.
07:00Aí, sim, a gente tem que criticar.
07:01Então, se o diretor, a diretora,
07:03está dizendo que o filme dele
07:05é um retrato exato,
07:06sobre como as coisas foram,
07:09aí nós temos um problema.
07:11Agora, em contrapartida,
07:12de fato, Ridley Scott,
07:14ele próprio assumiu
07:15que o filme dele não será um filme exatamente
07:18como aquilo que está nos livros de história.
07:20Ele próprio disse isso.
07:22Porém,
07:24nós sabemos,
07:25eu sou professor há muitos anos,
07:27sou professor desde 2007,
07:28então já faz um tempinho,
07:30nós sabemos a força
07:32que essas imagens têm
07:33na cabeça das pessoas,
07:35os nossos estudantes.
07:36Então, mesmo que o diretor
07:37não se proponha a isso,
07:38e mesmo que isso não seja um problema,
07:40é importante que os historiadores digam.
07:42Então, é importante dizer,
07:44ó, Napoleão nunca bombardeou
07:45as pirâmides daquele jeito.
07:47Aquilo lá não aconteceu.
07:48Ó, Napoleão não presenciou
07:50a morte de Maria Antonieta.
07:52Aquilo não aconteceu.
07:54Ó, Napoleão não saiu do Egito
07:56por que o Napoleão
07:57estava sendo traído
07:59pela Josefine.
08:00Porque o filme,
08:01no filme parece que ele voltou
08:02do Egito devido às traições
08:04da Josefine.
08:04E não é isso que aconteceu.
08:05O que aconteceu é,
08:06o Napoleão tentou invadir a Síria
08:08e perdeu.
08:09Napoleão já tinha cometido
08:11brutalidades contra a população
08:13ali da região do Norte da África
08:15e também ali do Oriente Médio.
08:17O Napoleão tinha cometido
08:17brutalidades,
08:18matado muita gente ali.
08:20E o Napoleão sai
08:21depois de uma derrota.
08:22E a saída de Napoleão
08:23do Egito
08:24foi um crime de guerra.
08:25um general abandonar,
08:26um líder ali abandonar
08:27o seu posto
08:28era um crime.
08:30Mas naquele momento
08:31Napoleão já estava em ascensão
08:32e ninguém na França
08:33tinha o poder
08:35de punir Napoleão
08:37naquele momento.
08:38Então, é importante
08:39que nós, historiadores,
08:41façamos essa discussão
08:42e mostremos para as pessoas
08:44que tipo de versão
08:46sobre Napoleão
08:47está sendo apresentada
08:48naquele filme.
08:50Não para condenar
08:51o filme necessariamente.
08:52Eu mesmo achei
08:53o filme divertido.
08:53não acho que é o melhor
08:55filme sobre Napoleão.
08:56Para mim,
08:57o melhor filme sobre Napoleão
08:58é aquele
08:58da década de 1920
09:00dirigido pelo Abel Gans.
09:02Para mim,
09:03esse é o melhor filme
09:04que tem sobre Napoleão.
09:05É um filme de cinco horas
09:06que eu gosto bastante.
09:09Mas, seja como for,
09:10eu achei um filme divertido.
09:11Fui lá,
09:12não fiquei com sono,
09:13etc, etc.
09:14Mas é importante
09:14que a gente mostre
09:15para as pessoas
09:15que tipo de Napoleão
09:16está sendo apresentado.
09:17E o que eu tenho dito,
09:18Gui,
09:19nas resenhas,
09:20nas entrevistas
09:21que eu tenho dado,
09:22é que esse Napoleão
09:23que está sendo apresentado
09:24é, comodamente,
09:26um Napoleão
09:26que não faz política.
09:29O Napoleão Bonaparte
09:30histórico
09:30era um Napoleão
09:31profundamente político.
09:33Do começo
09:34ao fim da sua vida.
09:36Quer dizer,
09:36desde muito jovem,
09:38o Napoleão
09:38só conseguiu estudar
09:39na França,
09:40o Napoleão era da Itália,
09:41era da Ilha da Córcega.
09:42Ele só conseguiu estudar
09:43na França
09:44porque o pai dele,
09:45Carlo Bonaparte,
09:47fez uma aliança
09:48com o governador francês
09:49da Córcega,
09:50o conde de Marbuff.
09:51E assim,
09:52Napoleão consegue
09:52estudar,
09:54enfim,
09:55e depois se tornar
09:56tenente de artilharia.
09:58Então, assim,
09:58a própria ascensão dele
10:00é uma ascensão
10:01que deriva
10:02dos seus laços familiares,
10:04que deriva
10:04da sua condição
10:05de pequeno nobre
10:06e que se leva à política.
10:08Napoleão fez parte
10:09do Clube dos Jacobinos
10:10de Ajácio,
10:11na Córcega.
10:12O irmão mais novo
10:13de Napoleão,
10:13Luciano Bonaparte,
10:14que aparece quase nada
10:15no filme, né?
10:16Os dois irmãos,
10:17o José Bonaparte,
10:18o irmão mais velho,
10:19e o Luciano Bonaparte,
10:20o mais jovem,
10:21depois tem outros mais jovens,
10:22né?
10:22Mais jovem que Napoleão,
10:24ambos aparecem
10:24muito rapidamente,
10:26quase que de enfeite.
10:27Vai ter uma versão
10:28estendida do filme
10:29que vai sair na Apple Plus,
10:30né?
10:30Espero que na versão
10:31estendida,
10:32muitas coisas ali
10:33que foram meio
10:33apressadas se resolvam.
10:35Mas os dois irmãos dele
10:36aparecem muito brevemente
10:37no filme.
10:38E, na verdade,
10:38os dois irmãos
10:39têm um papel fundamental.
10:40Então, o irmão mais novo
10:41de Napoleão Bonaparte
10:43era um dos membros
10:44mais ativos
10:44do Clube Jacobino,
10:45o Luciano.
10:46O Luciano Bonaparte
10:46era tão jacobino
10:48que ele até mudou
10:48o nome dele
10:49para Brutus,
10:50para homenagear
10:51o republicano Brutus
10:52que teria matado
10:53o tirano
10:53Júlio César
10:54da antiguidade.
10:55O irmão mais velho,
10:57a mesma coisa,
10:58foi muito hábil
10:59em estabelecer alianças.
11:01Tanto que os irmãos
11:02aí do Napoleão
11:03todos conseguirão,
11:04né?
11:04O irmão José Bonaparte
11:05depois vai ser rei
11:06de regiões do sul da Itália,
11:08vai ser rei da Espanha,
11:09com a ajuda de Napoleão.
11:11Então,
11:11era uma pessoa
11:12profundamente política,
11:14profundamente articulada.
11:16E eu imagino
11:17que uma pessoa
11:17que não conhece
11:18nada da história
11:19de Napoleão
11:19tenha escutado
11:19bastante isso também,
11:20Gui.
11:21Pessoas que nada conheçam
11:22sobre a história
11:23de Napoleão Bonaparte,
11:25elas possivelmente
11:25vão ter dificuldades
11:26em compreender
11:27algumas coisas do filme.
11:29Porque o filme
11:29dá muitos saltos, né?
11:31Então, assim,
11:31Napoleão está no Egito,
11:32Napoleão se casa
11:33com a Josefina
11:34e aí salta para o Egito.
11:37Quer dizer,
11:37pula a campanha da Áustria.
11:39A campanha, desculpa,
11:40a campanha da Itália
11:41na qual ele luta,
11:42de fato,
11:42contra a Áustria na Itália.
11:43Pula a campanha da Itália,
11:44que foi uma campanha
11:45fundamental para você
11:46compreender a ascensão
11:47de Napoleão.
11:49Bom,
11:50da derrota de Napoleão
11:51na Rússia,
11:52pula para o Napoleão
11:54sendo exilado
11:54na Ilha de Elba.
11:56Então,
11:56o filme dá todos
11:57esses saltos
11:58que, imagino eu,
11:59pessoas que não conheçam
12:00tanto da história
12:02de Napoleão
12:02terão dificuldades, né?
12:03O filme,
12:04ele tem como eixo
12:05fundamental,
12:06ele tem como guia
12:07fundamental
12:08as relações
12:09entre Napoleão
12:09e Josefine, né?
12:11A ideia do filme
12:12é justamente
12:14colocar as cartas,
12:15o Ridley Scott
12:16falou isso antes, né?
12:17Colocar as cartas
12:18entre Napoleão
12:19e Josefine
12:19como fio condutor
12:21do filme.
12:23E você sabe,
12:23Gui,
12:24quando me disseram isso,
12:25quando eu li isso
12:26na internet,
12:27que, olha,
12:27o Ridley Scott
12:28vai usar as cartas
12:28como guia,
12:29eu achei super legal,
12:30seria uma proposta
12:31original, né?
12:33Mas no filme,
12:34pelo menos nessa versão
12:34do cinema,
12:35vamos ver depois
12:36a versão estendida,
12:36nessa versão do cinema
12:38parece que o Ridley Scott
12:39não vai a fundo
12:40nessa sua escolha, né?
12:42Parece que ele fica assim,
12:44ele tenta aprofundar
12:45as relações
12:46com a Josefine
12:47e aí depois
12:47ele foge
12:47para as batalhas.
12:50Só que também
12:50as batalhas
12:51são apresentadas ali
12:52de maneira muito resumida,
12:53muito sumária,
12:54também com problemas, né?
12:56Por exemplo,
12:57ele mostra,
12:58quando ele fala
12:58da batalha de Austerlitz,
13:00também chamada
13:00de batalha
13:01dos três imperadores,
13:02né?
13:02Estava lá Napoleão,
13:03estava o Alexandre
13:04imperador da Rússia
13:05e estava também
13:07o rei da Prússia,
13:09é quando ele mostra
13:09a batalha dos três imperadores,
13:11ele dá destaque
13:11para aquela cena
13:12em que os canhões
13:14de Napoleão
13:15teriam atirado
13:15no chão,
13:16num lago congelado
13:17e as pessoas
13:18teriam caído, né?
13:19Os exércitos inimigos
13:20teriam caído
13:20naquele lago congelado
13:22depois dos canhões
13:24atirarem.
13:25De fato,
13:25isso parece que aconteceu
13:26mesmo,
13:27mas isso não teve
13:28um valor tão dominante,
13:29tão importante
13:30na batalha
13:31quanto o filme
13:32faz parecer.
13:33Isso não teve
13:34um valor tão importante
13:35na batalha
13:36quanto o filme
13:36vai se parecer.
13:38E até quem mesmo
13:39não conhece
13:40a história do Napoleão
13:40e ouviu um pouquinho
13:41do que eu falei
13:42até agora,
13:43já percebeu
13:44que o Napoleão
13:44era uma figura
13:45nada linear, né?
13:47O Napoleão,
13:48então,
13:48começa com uma família
13:49de republicanos
13:50corços,
13:51o pai e a mãe
13:51do Napoleão
13:52tinham de início
13:53lutado contra a França,
13:55contra a Gênova,
13:57enfim,
13:58depois por um momento
13:59contra a França
13:59e aí eles acabam
14:01se aliando
14:01com a França.
14:04Então,
14:05Napoleão
14:05vem de uma família
14:06de republicanos
14:06corços,
14:08depois ele se muda
14:08para a França,
14:09é um apoiador
14:10da Revolução Francesa,
14:11embora ele tenha
14:13ressalvas em relação
14:14à Revolução Francesa,
14:15mas ele a apoia.
14:16Depois,
14:17quando cai os...
14:18Ele, inclusive,
14:18Napoleão,
14:19era muito próximo
14:20do Augustin de Robespierre,
14:22do irmão mais novo
14:22do Maximiliano de Robespierre.
14:24No filme,
14:25mostra o Napoleão
14:26assim,
14:27indiferente a Robespierre,
14:28como se não fosse importante,
14:31mas isso que o filme
14:31mostra
14:32não é verdadeiro.
14:34Napoleão admirava
14:35o Maximiliano de Robespierre
14:36até o fim de sua vida,
14:38que ele escreve.
14:39E Napoleão
14:39era próximo
14:40do irmão mais novo
14:40do Robespierre,
14:41do Augustin.
14:42Mas, enfim,
14:43depois que os irmãos
14:43Robespierre
14:44são guilhotinados,
14:45o Napoleão
14:46chega a cogitar
14:47lutar pelo
14:49sultão da Turquia.
14:50Ele se alista,
14:51inclusive,
14:52para a artilharia
14:52do sultão da Turquia,
14:53mas isso, de fato,
14:54é o Barras
14:55que resgata Napoleão
14:56e aí o Napoleão
14:57passa a reprimir
14:58não só os monarquistas,
15:00como mostra o filme,
15:01mas também
15:01os neo-jacobinos.
15:03Aliás,
15:03o golpe de Ozoito Brumário,
15:05o golpe que coloca
15:06Napoleão como cônsul,
15:08o filme é mostrado
15:09como se fosse um golpe
15:10contra os monarquistas.
15:13E, de fato,
15:13é um golpe
15:14para evitar a volta
15:14dos monarquistas,
15:15mas também
15:16para evitar a volta
15:17dos jacobinos,
15:17que o Napoleão
15:18tinha apoiado
15:19em outro momento.
15:20Então,
15:21só dando esses exemplos,
15:22Gui,
15:22para mostrar
15:23para quem está nos assistindo
15:24que Napoleão
15:25não era uma figura linear,
15:26era uma figura
15:26que se transforma
15:27ao longo da sua vida.
15:28e, a meu ver,
15:29o filme faz
15:30uma representação
15:31muito linear
15:32de Napoleão,
15:34como se ele tivesse
15:35ali uma postura
15:35que se mantém
15:36muito igualzinha
15:37ao longo da sua vida.
15:40Excelente explicação,
15:42professor.
15:42Eu queria
15:43que você falasse
15:44um pouco
15:45para a gente agora
15:46sobre como
15:47a figura do Napoleão
15:49está existente
15:50na França de hoje.
15:52por mais que
15:53a França
15:54se diga
15:55que é hoje
15:56uma república estável,
15:58já aboliu de fato
15:59a figura do império,
16:00do imperador,
16:02como que
16:02a figura do Napoleão
16:04ela entra
16:05na psique
16:05do francês
16:06e ela se mantém
16:07lá até hoje?
16:09Ah, legal, Gui.
16:10Ótima,
16:11excelente pergunta.
16:12E a última vez
16:12que eu estive na França,
16:14eu lembro que estava
16:15tendo uma
16:16exposição
16:18sobre Napoleão,
16:19lembro que eu fui lá
16:20com uma amiga minha
16:21que mora lá em Paris,
16:22e aí até
16:24eu falei para ela,
16:24ó, vai tirando fotos aí
16:25para a gente ver
16:26que tipo de Napoleão
16:28está sendo apresentado
16:29nessa exposição.
16:32E aí a gente foi
16:33justamente em partes
16:34que diziam respeito
16:35ao Haiti,
16:36ao Egito,
16:37veja, Gui,
16:37nós somos do Brasil,
16:39nós vivemos num país
16:40que foi uma colônia,
16:42num país que viveu
16:43400 anos
16:43com a escravidão,
16:45então a gente,
16:46e com muita razão,
16:47é muito sensível
16:48em relação a esses temas.
16:49O Napoleão invade o Egito,
16:51promove o massacre
16:51contra populações ali
16:52do norte da África,
16:54o Napoleão
16:54restabelece a escravidão
16:56no Haiti.
16:57A Revolução Francesa
16:58tinha abolido a escravidão
17:00em 1794,
17:01a França era um império,
17:02tinha várias colônias,
17:04e o Napoleão
17:04restabeleceu a escravidão
17:06no Haiti.
17:06Ele não conseguiu,
17:07na verdade,
17:08sucesso nesse restabelecimento,
17:10porque o Haiti tem uma revolução,
17:11e o Napoleão é derrotado.
17:13Mas o Napoleão,
17:13de fato,
17:14restabelece a escravidão
17:15na Martinique,
17:16na Guiana,
17:17em Guadalupe,
17:18então isso é uma coisa
17:19que nós que somos aqui
17:21da colônia,
17:23não podemos perder de vista,
17:24Gui,
17:25que o Napoleão é alguém
17:26que promoveu a escravidão,
17:27que promoveu o imperialismo,
17:29e que inclusive
17:30ele é fundamental
17:31nessa era do imperialismo
17:32do século XIX,
17:33entender as coisas
17:34que Napoleão fez.
17:35E na França,
17:37eu vejo que,
17:38não é que isso é escondido,
17:39claro que grandes historiadores
17:40falam sobre isso,
17:41o historiador,
17:42por exemplo,
17:42o Thierry Lontes,
17:43um grande especialista
17:44nesse período,
17:46tem um livro
17:46só sobre isso,
17:47a relação entre Napoleão
17:48e as colônias,
17:49mas nas exposições,
17:51na memória oficial,
17:53a gente vê isso
17:54com uma certa frequência
17:55sendo ocultado.
17:57Para falar de maneira
17:58mais sistemática,
18:01a gente fala que existe
18:01hoje no mundo,
18:03na Europa,
18:04aí não só na França,
18:04na Europa,
18:05duas lendas sobre Napoleão.
18:07A lenda sombria,
18:09que é forte
18:09sobretudo na Inglaterra,
18:11essa lenda trata Napoleão
18:12como um ogro diabólico,
18:15um monstro, etc.
18:17E uma lenda dourada,
18:19que eu já falei
18:19de Vitor Rigaud,
18:20já falei de Alexandre Dumas,
18:22Alexandre Dumas,
18:23Alexandre Dumas
18:23tem uma biografia
18:24de Napoleão,
18:25essa lenda dourada
18:27é a lenda que vê em Napoleão
18:28o grande herói,
18:30o grande líder,
18:31a cura para os males,
18:33o Balzac falava
18:35no século XIX
18:36de um Napoleão do povo,
18:37o homem que podia tudo
18:39porque queria tudo,
18:41e alguns personagens
18:42vão junto com o Napoleão.
18:43O Talleyrand
18:44se torna o príncipe
18:45dos diplomatas,
18:46o Talleyrand
18:46que é apresentado
18:47como uma figura
18:47bem esquisita no filme,
18:49o Fouché
18:50se torna o inventor
18:51da polícia moderna,
18:53então o Napoleão
18:54vive ainda muito fortemente
18:56como lenda lá,
18:57e ainda há uma certa dificuldade
18:59em criticar o Napoleão.
19:00Por exemplo,
19:01uma revista de direita
19:02lá na França,
19:04nesse momento,
19:05semana passada,
19:05publicou um Napoleão
19:07anti-woke,
19:09quer dizer,
19:09um Napoleão
19:10que seria uma figura
19:11enérgica,
19:12militar,
19:13uma grande liderança,
19:15que combateria
19:16isso que eles gostam
19:16de chamar
19:17de a cultura woke,
19:19enfim,
19:19que é uma denominação
19:19bem problemática,
19:21mas não vamos discutir
19:21isso aqui hoje.
19:23Então,
19:23se há na Europa,
19:24sobretudo no mundo
19:25anglo-saxão,
19:27uma certa lenda sombria
19:28que exagera Napoleão
19:29como se fosse um demônio,
19:31o que também é complicado,
19:32porque veja,
19:33no século XVIII,
19:35a coroa inglesa
19:36dominou a Índia,
19:38a Companhia das Índias,
19:39da Inglaterra,
19:41faz brutalidades na Índia.
19:43A coroa inglesa
19:44reprime
19:45as revoltas na Irlanda
19:47em 1798,
19:49calculamos 40 mil mortos
19:50na Irlanda,
19:51isso é mais que o dobro
19:52dos guilhotinados
19:53no terror,
19:54você entende?
19:54São 17 mil guilhotinados
19:55no terror,
19:57e a Inglaterra
19:58tinha matado o dobro
19:59ali na Irlanda,
20:00para não falar
20:00que a Inglaterra
20:01conquistou ali
20:01regiões vastíssimas
20:02do Canadá,
20:04então essa coisa de
20:04o Napoleão
20:05é o mausão,
20:06a Inglaterra
20:06é a boazinha,
20:07isso não se sustenta
20:08historicamente,
20:09só vê o que a Inglaterra
20:10fez na Índia,
20:11só vê o que a Inglaterra
20:12fez na Irlanda,
20:13só vê o que a Inglaterra
20:14fez na América do Norte,
20:15então a lenda sombria
20:15é uma lenda
20:16para usar o vocabulário
20:17de redes sociais
20:18que passa pano
20:19para a Inglaterra,
20:21só que a lenda dourada
20:23passa pano
20:23para Napoleão também,
20:24e essa lenda dourada
20:25é muito forte na França,
20:27tanto que eu produzi
20:28uma resenha
20:29sobre esse filme
20:30que saiu lá
20:31no site Café História,
20:33e nessa resenha,
20:35quando eu fui produzir
20:35essa resenha,
20:36eu li todas as resenhas
20:37que eu consegui
20:37que tinham saído na França,
20:39e muitas resenhas
20:40do filme que saíram na França
20:41chamavam o filme
20:42de anti-francês,
20:44eu não acho
20:45que é um filme anti-francês,
20:47mas por que que saiu,
20:48saíram muitas resenhas
20:49chamando o filme
20:50do Ridley Scott
20:50de anti-francês?
20:51Penso eu,
20:52porque falar de Napoleão,
20:54e aí respondendo efetivamente
20:55a sua pergunta,
20:56né, Gui,
20:57mexe muito
20:58com o orgulho
20:58dos franceses,
21:00mexe profundamente
21:02com o orgulho
21:03nacional dos franceses,
21:04a minha avó
21:05era francesa
21:07e se chamava Amélie,
21:08inclusive,
21:08e era de Paris,
21:10e eu via isso
21:11na minha avó,
21:12quando se fala,
21:14eu falava com ela
21:15sobre Napoleão,
21:16da mesma maneira
21:16quando eu falava
21:17com a minha avó
21:18sobre Luiz XIV,
21:20minha avó
21:20que nasceu lá
21:21nos anos 10,
21:211910,
21:23morreu bem velhinha,
21:24isso mexia muito
21:25com ela,
21:26até poucos anos atrás
21:28quando ela faleceu,
21:29então,
21:30isso ainda é
21:31bastante forte lá.
21:32Excelente,
21:33e professor,
21:34para fecharmos já,
21:37eu queria,
21:37eu queria ter
21:38uma curiosidade
21:39que eu queria muito tirar
21:39depois de ter assistido
21:40esse filme,
21:41também fiquei com
21:42essa sensação
21:43de que a história
21:44é muito resumida,
21:45mas a gente espera
21:46que a versão
21:46que saia
21:47supostamente
21:48com quatro horas
21:49de duração,
21:51seja mais ou menos
21:51a diferença
21:52dos miseráveis
21:53que a gente estuda
21:54no colégio
21:55pro miseráveis
21:56de verdade,
21:57que é aquele livro
21:57de duas mil páginas
21:58do Victor Hugo,
22:00e eu queria saber
22:00se hoje,
22:01na sua visão,
22:02há algum governante,
22:04líder mundial
22:04que mantenha
22:06esse espírito
22:07napoleônico
22:08em qualquer sentido,
22:09seja na expertise
22:10militar,
22:11seja no caráter
22:12expansionista,
22:14ou no próprio
22:15senso autocrata,
22:17você enxerga
22:18algum deles
22:18dessa maneira?
22:19Legal,
22:20Guedes,
22:20essa pergunta
22:21é bem divertida,
22:22né?
22:23E eu poderia
22:24te responder
22:24de duas maneiras
22:26também,
22:26e as duas
22:27estariam corretas,
22:28poderia te dizer
22:28todos
22:29e poderia
22:30te dizer nenhum.
22:32Por quê?
22:33Por que eu poderia
22:34te dizer nenhum?
22:35Eu poderia te dizer
22:36nenhum,
22:37sendo historiador
22:37e observando
22:40que,
22:40assim,
22:41as condições
22:42históricas
22:43nas quais
22:43Napoleão
22:44cresceu e viveu
22:45eram muito
22:46diferentes
22:46das atuais.
22:47profundamente
22:49diferentes.
22:49Então,
22:50por exemplo,
22:50essa própria trajetória
22:52de alguém,
22:52Napoleão
22:52veio da nobreza,
22:54Napoleão
22:54não poderia
22:55ascender
22:56a determinado
22:57cargo ali
22:58no exército,
22:58mas a Revolução
22:59Francesa,
23:00em 1791,
23:02a Revolução
23:02Francesa
23:02faz uma
23:03constituição
23:03militar,
23:05foi feita
23:05por um cara
23:05chamado
23:06Lex Fondo
23:06de Lamé,
23:07e essa
23:08constituição
23:08militar
23:09abole os
23:09privilégios
23:10da nobreza
23:11no exército,
23:11nas forças
23:12armadas.
23:13E com isso,
23:13Napoleão
23:14não pode
23:14crescer
23:16e atingir
23:16postos mais
23:17importantes
23:17na república.
23:19Então,
23:19essa trajetória
23:20é uma trajetória
23:20que simplesmente
23:21não tem
23:22como alguém
23:23reproduzir,
23:24porque é muito
23:25diferente.
23:26A própria
23:26situação
23:27na qual
23:28Napoleão
23:28se encontrava
23:29era muito
23:30diferente.
23:30Como é que a gente
23:31entende as guerras
23:32napoleônicas?
23:33A gente entende
23:33como uma
23:34continuação,
23:35em parte como
23:36uma continuação,
23:36não apenas isso,
23:37mas em grande parte
23:38como uma continuação
23:39de um conflito
23:40entre dois sistemas.
23:42O sistema
23:43inglês previa
23:45a existência
23:46na Europa
23:47de vários
23:48pequenos estados
23:49em certo
23:50conflito,
23:50em certo
23:50equilíbrio,
23:51e essa multiplicidade
23:52de estados
23:53permitiria à Inglaterra
23:54uma certa
23:55supremacia
23:55sobre os mares.
23:57Isso era o que
23:57queria o sistema
23:58inglês.
23:59O sistema
23:59francês,
24:00desde Luís XIV,
24:02previa que existiria
24:03na Inglaterra,
24:04que existiria
24:05na Europa
24:05continental,
24:06uma ou duas
24:07potências
24:08que viveriam
24:09num certo
24:10equilíbrio,
24:11e assim conseguiriam
24:12contrabalancear
24:12o poder inglês.
24:13Então,
24:14se a gente analisa
24:14a história
24:15das guerras
24:15napoleônicas,
24:16é muito isso
24:17que está em jogo.
24:18Tanto que,
24:18quando Napoleão
24:19faz a paz
24:19com a Rússia,
24:21antes de Napoleão
24:22invadir a Rússia
24:23e ser derrotado,
24:24ele tem que tomar
24:24paz com a Rússia.
24:26E o plano
24:27de paz
24:27de Napoleão
24:27com a Rússia
24:28era um plano
24:31muito claramente
24:33bastante...
24:35Opa!
24:37Um plano
24:37muito claramente
24:38ancorado
24:40numa ideia
24:40de uma Rússia
24:41com potência,
24:42de uma França
24:42com potência
24:43e equilíbrio.
24:44E aí Napoleão
24:44visava solapar
24:45a Prússia.
24:46Prússia,
24:47uma parte grande
24:48do que hoje a Alemanha.
24:48A Alemanha ainda
24:49não existia.
24:50Então,
24:50por que eu estou
24:51dizendo isso?
24:52Para tentar dizer
24:52para quem está
24:53nos assistindo
24:53que eram condições
24:54histórico-políticas
24:55muito diferentes.
24:56As ideias de poder,
24:58as ideias de exército,
24:59as ideias de guerra
24:59são muito diferentes.
25:00Agora,
25:01em contrapartida,
25:04na era napoleônica
25:05são fundadas coisas
25:07que existem
25:08até os dias de hoje.
25:10E nesse sentido,
25:11de alguma maneira,
25:12todas as guerras
25:12são herdeiras
25:13das guerras napoleônicas,
25:14em certo sentido específico.
25:15Em qual sentido?
25:17Tem um historiador
25:18que eu gosto muito,
25:19chamado David Bell,
25:21que ele diz
25:22que a nossa moderna
25:23ideia de guerra
25:24nasce
25:25na era napoleônica.
25:27E por que o David Bell
25:28sustenta isso?
25:30Porque antes
25:31da era napoleônica
25:32e da Revolução Francesa,
25:33as guerras
25:35eram sobretudo
25:35guerras entre reis.
25:37Então são dois reis
25:38que entram em confronto
25:40e que fazem depois
25:42um acordo.
25:43Então Luís XIV
25:43entra em guerra
25:44com o Stadtholder
25:45dos Países Baixos.
25:47Depois da guerra
25:48eles fazem um acordo,
25:49um pega uma terra,
25:49outro pega outra terra.
25:50Geralmente,
25:51esses monarcas da Europa
25:52eram todos parentes,
25:53eram todo mundo primo
25:54de todo mundo.
25:56Aí o David Bell diz
25:57que na era napoleônica
25:58e na Revolução Francesa também,
26:00que ele vê como um bloco,
26:02as guerras
26:03deixam de ser guerras
26:05entre monarcas
26:06e passam a ser guerras
26:08entre povos
26:10guiados por ideologias.
26:13E aí que na Revolução Francesa,
26:15e o Napoleão continua isso,
26:17eles consolidam
26:18a convocação em massa.
26:21Depois,
26:21com a lei
26:22Jourdain de Brel,
26:23uma lei da Revolução Francesa,
26:25você tem
26:26um alistamento militar
26:27obrigatório.
26:28E todas as medidas
26:29da Revolução Francesa
26:30da era napoleônica,
26:31a convocação em massa,
26:32o alistamento militar
26:33obrigatório,
26:34são copiados
26:35por outros países
26:36ao longo das guerras
26:37napoleônicas.
26:39Então,
26:39em certa medida,
26:41nasce ali,
26:42conforme-se ali,
26:44uma certa ideia
26:45de guerra
26:45a qual,
26:47sei lá,
26:48a guerra na Ucrânia,
26:49a guerra de Israel-Palestina,
26:50é de uma maneira
26:51devedora.
26:52Quer dizer,
26:52a ideia de que guerras
26:53são guerras entre povos,
26:55a ideia de que você tem
26:56ideologias revolucionárias,
26:58a ideia de que é possível
27:00uma guerra para acabar
27:02com todas as guerras,
27:03isso que o David Bell
27:03diz,
27:04ele diz que no Antigo Regime
27:05via-se a guerra
27:08como parte da vida,
27:09no Antigo Regime,
27:10eu quero dizer,
27:10antes da Revolução Francesa,
27:11né?
27:13Via-se a guerra
27:13como uma coisa natural,
27:15que sempre faria parte de nós.
27:17A Revolução Francesa
27:18estabelece a ideia
27:18de que é possível
27:19garantir,
27:20em algum momento,
27:20uma paz,
27:21e, consequentemente,
27:22a ideia de que é possível
27:23estabelecer uma guerra
27:24para acabar com todas as guerras.
27:26o David Bell
27:28diz, então,
27:29que nasce
27:29na Revolução Francesa,
27:33na Era Napoleônica,
27:34a própria ideia
27:35de guerra total,
27:37uma mobilização
27:38da sociedade,
27:40de um povo,
27:42pela guerra,
27:42e não ver a guerra
27:43como uma briga
27:44entre primos,
27:45uma briga entre monarcas
27:46por um determinado território.
27:48Pense, por exemplo,
27:49e aí já encaminho
27:50para terminar essa resposta,
27:52que no Antigo Regime,
27:53os oficiais,
27:54quer dizer,
27:54as altas patentes
27:55do exército,
27:56digamos assim,
27:57eram restritas
27:58à nobreza.
28:00A Revolução Francesa
28:01instaura
28:02a meritocracia
28:03nos exércitos.
28:05E a Constituição Militar
28:06de 1791
28:07da Revolução Francesa
28:08é fundamental nesse caminho.
28:10Então, em certa medida,
28:11todos somos.
28:11E poderia também dizer,
28:13para terminar,
28:14dos feitos políticos
28:15de Napoleão Bonaparte.
28:16Então, como eu disse,
28:17o Código Civil Napoleônico
28:18está na origem
28:20de boa parte
28:21dos códigos civis
28:22do mundo inteiro.
28:23não só da Europa
28:24e não só do Ocidente,
28:25do mundo inteiro.
28:27Então, em alguma medida,
28:27todos somos herdeiros
28:28de estruturas
28:29político-administrativas
28:31derivadas
28:32da Era Napoleônica.
28:34O Napoleão, por exemplo,
28:35cria o Banco da França
28:36com uma moeda,
28:38o Franco Germinal,
28:39que se tornou estável
28:40até a Primeira Guerra Mundial
28:41da Era Napoleônica,
28:42do comecinho do século XIX
28:43até o comecinho do século XX,
28:45por praticamente 100 anos,
28:47estabilidade monetária
28:48na França.
28:49E isso também é copiado
28:50por outros países.
28:50Então, do ponto de vista
28:51político-administrativo,
28:52do ponto de vista militar,
28:54de alguma maneira,
28:54somos todos herdeiros
28:55da Era Napoleônica.
29:00Excelente,
29:00sensacional,
29:01professor Daniel.
29:02Muito obrigado
29:03por essa praticamente
29:04aula sobre um personagem
29:06que no filme
29:07fala que o seu único crime
29:09foi amar demais o país.
29:11É, acho que não.
29:12Acho que restabelecer
29:13a escravidão
29:14é bem pior do que isso.
29:15excelente, professor.
29:18Este foi o Cruzoé
29:19Entrevistas dessa semana.
29:20Queria agradecer demais
29:21a presença do professor
29:22Daniel Gomes de Carvalho
29:23do Departamento de História
29:26da UNB,
29:26Especialista em História Contemporânea.
29:28Professor,
29:29muito obrigado
29:29e até uma próxima oportunidade.
29:31Eu que agradeço, Gui.
29:32Espero que a entrevista
29:33tenha ajudado.
29:34Espero que vocês
29:35que estão assistindo
29:35tenham gostado também.
29:37Um grande abraço.
29:38Excelente.
29:39Este foi mais um
29:40Cruzoé Entrevistas.
29:41Nós voltamos
29:42na semana que vem.
29:43Até lá.
29:45Transcrição e Legendas Pedro Negri
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