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Dez anos depois do rompimento da barragem com rejeitos de minério em Mariana, na tarde de 5 de novembro de 2015, o Estado de Minas voltou ao local da tragédia para falar com ex-moradores que conversaram com nossa reportagem na época para o especial Vozes de Mariana.

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Notícias
Transcrição
00:00O negócio era correr ou morrer. A gente correu.
00:02Pois, aquela avião que tinha de golpe de ano-bento, não existe mais.
00:09A gente achava que a gente tinha a vida digna de novo, só que realmente não é o que está acontecendo.
00:16Para os verdadeiros atingidos, não.
00:21Dez anos depois do rompimento de barragem com rejeitos de minério em Mariana, na tarde de 5 de novembro de 2015,
00:28o estado de Minas voltou ao local da tragédia para falar com ex-moradores,
00:33que conversaram com nossa reportagem na época para o especial Vozes de Mariana.
00:40Vou mostrar para vocês os meus cavalos. Bora comigo.
00:44Paula Geralda Alves salvou inúmeras vidas ao saber do rompimento da barragem
00:49e usar a moto para avisar aos moradores de Bento Rodrigues.
00:52Essa é a irada e essa é a isada.
01:00As faixas dos campeonatos.
01:07Nessa casa era um ponto de referência lá, que minha mãe enfeitava tudo com pneus
01:11e colocava flores, plantava flores nos pneus.
01:14Tinha uma escada de pedra, tinha uma cerca de bambu toda pintada de marrom,
01:18ao redor da área que a gente tinha, que a gente fazia churrasco.
01:23E assim, era uma casa diferente.
01:25Às vezes passava a gente lá, aí parava a casa assim,
01:27aqui é um bar, não, é casa de família mesmo.
01:30E sempre a gente fazia as reuniões, claro, entre família mesmo,
01:34fazia um churrasquinho, um almoço.
01:35Cada domingo era almoço na casa de um irmão,
01:37que a gente sempre foi unido, entendeu?
01:39Há 10 anos atrás, eu morava em Bento Rodrigues
01:44e eu trabalhava numa terceirizada da Samarco.
01:48A gente estava lá conversando, tudo, falando o que tinha feito, né, o dia todo.
01:53Aí a gente começou a escutar o barulho, parecia onda do mar, avião, helicóptero, tudo junto.
01:59O nosso técnico de segurança saiu, aí ligou o rádio de comunicação da caminhonete,
02:05que a gente tinha dois caminhonetes de apoio.
02:07Aí na hora que ele ligou o rádio, as pessoas estavam comunicando,
02:10mas não comunicando com a gente, comunicando o rádio mesmo,
02:12que a barragem tinha rompido.
02:13Ele falou assim, é a barragem que rompeu.
02:15Aí nisso eu peguei e falei assim, tchau por vocês, eu vou avisar meu povo.
02:18Eu corri, peguei a minha moto, a Berenice, uma Joyce, 50,
02:21e saí gritando e buzinando pra rua.
02:25E assim, as pessoas foram assim, eu não tirei ninguém,
02:28foram se ajudando, uma chamando a outra, uma gritando a outra,
02:31todo mundo correndo para a mesma direção,
02:33que era o ponto mais alto lá de Bento Rodrigues.
02:36Meu menino estava em casa com meus pais, ele tinha 5 anos na época,
02:39ele conseguiu sair também, hoje ele está com 15 anos.
02:42Aí assim, foi uma tarde de terror e bravura,
02:47porque a gente foi bravo, a gente correu mesmo.
02:51O negócio era correr ou morrer, a gente correu.
02:55Aqui é o lugar que a gente faz a produção da geleia de pimenta-biquinho.
03:02Aqui é a nossa produção de ontem.
03:06Marinalva dos Santos viu sua casa ser desintegrada,
03:09mas preservou a tradição de Bento Rodrigues,
03:12de produzir a geleia de pimenta-biquinho.
03:14Morava eu e meus filhos, três filhos e um neto.
03:21A minha sala era uma sala grandona,
03:23tinha o lugar da gente colocar o sofá para a gente assistir a televisão
03:26e tinha uma parte que a gente colocava a mesinha de jantar.
03:29Aí vinha a minha cozinha, toda cerâmica até em cima,
03:33muito bonita que eu consigo,
03:35com o balcão separando tudo, a sala para a cozinha,
03:38que era o meu sonho, nunca tive.
03:39Aí era muito gostoso, viu?
03:42Demorei anos para não conseguir fazer minha casinha sozinha.
03:45Eu trabalho com a geleia de pimenta.
03:47Porque depois dessa tragédia, ela está conhecida mundialmente, né?
03:51Tem muita encomenda, mas não tem onde a gente trabalhar.
03:53De manhã a gente estava no plantio.
03:56Plantava, deus da sementeira até a colheita.
04:00Aí quando era tarde, a gente já ia para a fábrica.
04:03O pessoal já gritando que a barragem tinha estourado.
04:07A gente saiu, a gente só não sabia
04:08como que ia ser, né?
04:11A profundidade, como que a lama ia chegar.
04:15A gente correu tudo num lugar só.
04:18Aí quando a gente chegou no alto,
04:21aí não tinha ninguém para resgatar a gente.
04:23A gente tinha que passar uma noite inteira naquele sofrimento.
04:26Que é uma coisa que a gente,
04:27eu acho que da memória nunca mais vai sair.
04:31A gente plantava a pimenta biquinho
04:34e fazia a geleia.
04:37Portanto, que a gente aqui,
04:38depois que a gente veio para aqui,
04:40a gente, logo em seguida, a gente já começou.
04:43Porque a parte do plantio, ela foi destruída.
04:46Mas onde é que estava o depósito,
04:47a gente conseguiu salvar algumas pimentas.
04:50Aí a gente achou melhor a gente
04:51continuar trabalhando,
04:53que era um momento até de a gente ficar mais, né?
04:55unido com, pelo menos com a gente,
04:59as associadas.
05:01E hoje nós somos oito mulheres trabalhando, né?
05:05Então, pelo menos essas oito se juntavam.
05:09Aí a gente começou a fazer em seguida.
05:11A gente não parou muitos dias, não.
05:13Eu estava trabalhando.
05:13Quando eu fiquei sabendo a notícia,
05:15eu peguei a minha motinha,
05:16o meu colega saiu primeiro,
05:17que é eu para ir embora.
05:19Eu vi ele saindo,
05:20peguei meu telefone, liguei.
05:22Aí falou, a barragem estourou.
05:24Falei, vou correr para casa,
05:24vou salvar alguma coisa.
05:26Só que eu cheguei lá, já era muito tarde.
05:29Era onde,
05:32como é que eu falo,
05:33onde a gente sabia viver,
05:34onde a gente gostava de viver, né?
05:36A sensação era muito boa.
05:40Não é que hoje,
05:42hoje a vida tem mais conforto,
05:43mas não mais alegria do que tinha.
05:46Se eu pudesse salvar mais,
05:48eu tirava minha coleção de camisa.
05:51Era qualquer camisa do Galo.
05:52Para mim, o que importa é isso.
05:54O símbolo.
05:55O tênis aqui, para mim, está bom.
05:58O futebol, para mim, continua tudo.
05:59Só que hoje,
06:00eu não estou presente mais,
06:02igual eu era.
06:03Hoje, eu não sou dirigente.
06:05Eu sou um dirigente lá,
06:06mas que nem acompanho.
06:08Mas gosto de ver os meninos
06:09ir lá jogar bola.
06:10de vez em quando, quando eu posso,
06:11quando eu posso, eu vou lá sempre viver.
06:14Torço muito para o time,
06:15torço para dar certo.
06:17Hoje, eles têm um equipamento de primeira geração.
06:21Para quem não conhece ainda,
06:23tem um só site ali de coisa do outro mundo.
06:27A gente achava que a gente tem a vida digna de novo.
06:31Só que realmente não é o que está acontecendo.
06:35Para os verdadeiros atingidos, não.
06:39Agora, alguns que apareceram,
06:41está tendo todas as regalias,
06:43está tendo tudo.
06:44E a gente só tem má fama.
06:46O pessoal joga a gente até hoje,
06:50que a gente está milionário.
06:53E a gente imaginou que a gente tem
06:55um lugar de paz, de sossego.
06:58E é um lugar que a gente está aqui com medo.
07:01Porque a polícia quase não vem aqui.
07:05Tem os vigias.
07:07Os vigias não podem andar armados.
07:09Eles estão tentando roubar aqui direto.
07:12E não foi aquilo que a gente imagina.
07:14Vocês estão vendo o Bento aqui?
07:16Vocês veem o Bento do jeito.
07:18Mas as casas são maravilhosas.
07:20São, mas estão todas em reforma.
07:23Já estão todas em reforma.
07:25Portanto, a minha reforma vai ser entregue
07:27essa semana, pela terceira vez.
07:30E já não é aquela coisa mais...
07:33A família já não é com a família mais unida,
07:36que é um para um lado e para o outro.
07:38Amizade, a gente já não tem aquela amizade mais.
07:41E uma...
07:42E a má fé também, que a companhia fez com a gente também.
07:46Ela mandou a lama na gente,
07:48com três minutos,
07:50porque ela mandou a lama para matar a gente.
07:52E agora ela quer 20 anos
07:54para pagar o direito da gente.
07:56Eu tenho o sonho de ter uma casa
07:57para mim, mas meu filho.
07:59Aí espero que...
08:01Às vezes, no terreiro da minha casa,
08:03dá para me fazer pelo menos uns dois cômodos
08:04para nós dois.
08:06Até dois anos após romper a barragem,
08:08a gente tinha muita esperança.
08:11A gente escolheu um novo lugar.
08:12A gente foi na primeira missa, no Novo Bento.
08:20E assim, aí os dois primeiros anos foi muito expectativa.
08:23A gente tinha aquela esperança e tudo.
08:25Depois era muita burocracia,
08:27muita licença, as coisas foram demorando,
08:29foram demorando.
08:31Aí há seis anos atrás,
08:32a gente comprou essa casa aqui,
08:35com o dinheiro de indenização em Bandeirantes.
08:37Aí há seis anos, as coisas foram mudando.
08:40E assim, eu me familiarizei aqui em Bandeirantes.
08:43Eu gosto muito daqui, eu moro aqui.
08:45Aí meus pais pegaram a casa.
08:47Tem um ano, no Novo Bento.
08:49Aí fica lá um mês lá, um mês aqui.
08:52E às vezes, quando meus pais estão lá,
08:55aí eu fico aqui de dia cuidando.
08:57E à tarde eu vou para lá,
08:58para dormir lá com eles.
08:59Depois, aí de manhã eu volto.
09:02E assim, eu fui reconhecida como um núcleo
09:05há nove anos, né?
09:07no rompimento da barragem, no ano passado.
09:09E assim, meu pai me deu um terreno.
09:11Isso era construído uma casa lá em Novo Bento.
09:14Vou ter uma casa para mim, para o João Pedro.
09:17Mas assim, tudo mudou.
09:18Meu filho criou uma paixão por cavalos.
09:22Aí assim, o dinheiro que eu peguei da indenização,
09:25eu investi nisso para ele.
09:27Aí eu tenho os cavalos,
09:29tenho dois langa larga,
09:30tenho outros dois comuns.
09:32E a gente vai em competições de marcha picada,
09:35marcha batida, competição de marcha.
09:36Aí eu acompanho, assim, minha rotina,
09:39assim, fim de semana,
09:40eu estou acompanhando meu filho
09:42nos concursos de marcha.
09:43Eu salvaria meu cachorro,
09:45porque ele é vívido.
09:49Eu salvaria meu cachorro.
09:51Chamava Jason.
09:53Porque ele tomava conta da minha família.
09:57Eu criei para isso.
09:58Nós era,
10:00não era um homem, um animal.
10:03Nós era companheiro.
10:06Era um cachorro que dentro de casa,
10:11só dentro da minha casa,
10:12só entrava o convidado.
10:15Mas lá de fora,
10:16podia sair com ele,
10:17se eu falasse com ele,
10:18que não podia mexer com ninguém.
10:20Era obediente.
10:21Deus,
10:22na hora que ninguém tocasse em mim,
10:26só.
10:28Não aguento nem falar dele.
10:31Era uma coisa,
10:33era um animal
10:34espetacular.
10:36Não é animal,
10:36não era um companheiro.
10:37Não.
10:41Eu já pensei em arrumar um outro,
10:43mas eu nem arrumo,
10:44porque eu sei que não vai chegar nem
10:45o nível.
10:48Foi Deus que me usou,
10:50naquele momento,
10:51para me fazer isso.
10:52Estar gritando,
10:53ter força.
10:53Deus me deixou olhar para trás
10:55de momento nenhum.
10:56Entendeu?
10:57Foi Deus.
10:58Eu fui usada por Deus.
11:00Fui usada por Deus
11:01para estar fazendo isso,
11:02para estar gritando as pessoas.
11:04Eu me sinto muito feliz
11:06por ter salvado
11:07uma, duas,
11:09dez vidas.
11:10Entendeu?
11:10Ou mais.
11:11É porque, assim,
11:13a única coisa que a gente tem
11:15e, assim,
11:16que não tem volta
11:17é a vida.
11:18E eu sinto muito importante
11:19de ter contribuído
11:21para que outras pessoas
11:22pudessem, né,
11:23continuar vivendo
11:24e correr atrás dos sonhos.
11:26Porque o que a gente deixou para trás
11:28foi bens materiais.
11:30E eu lamento os que se foram
11:31naquele dia 5 de novembro.
11:33E esses 10 anos também
11:34se foram muita gente
11:35com depressão,
11:36doenças mesmo,
11:38tristeza.
11:40E, assim,
11:40é muito triste
11:41porque pessoas, assim,
11:44tem muita gente
11:44que não conheceu
11:46o Novo Bento,
11:47não teve a possibilidade
11:48de conhecer o Novo Bento.
11:49É muita burocracia
11:51para a gente chegar
11:52até onde a gente chegou hoje.
11:54Ainda tem muita coisa
11:54para vir ainda.
11:55Entendeu?
11:56O Novo Bento,
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