- 01/07/2025
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NotíciasTranscrição
00:00:00De conversa boa, todo mundo quer participar, o antagonista também.
00:00:07Nossa equipe recebe convidados especiais para um bate-papo leve e divertido sobre as experiências de cada um.
00:00:15Podcast O.A. Conversa boa de ver e ouvir.
00:00:20Salve, salve! Eu sou Felipe Moura Brasil. Sejam bem-vindos a mais um episódio do Podcast O.A.
00:00:25Lembrando que semana passada não teve por causa da minha sinusite, mas eu já estou bem.
00:00:29A gravação que a gente ia fazer foi adiada. É essa mesmo que você está assistindo agora.
00:00:34Lembrando que tem um episódio novo toda segunda-feira, às 19h30, no canal de YouTube de O Antagonista.
00:00:39E hoje eu tenho o prazer de receber aqui presencialmente, como é costume, do Podcast O.A.
00:00:45O Ricardo Taurizano, que sabe tudo a respeito de Santo Agostinho.
00:00:48A gente não gosta da palavra especialista, que foi banalizada aí na imprensa,
00:00:52mas ele é profundo conhecedor da vida e da obra desse que é uma inspiração para o novo Papa.
00:00:58O Papa Leão XIV, que no seu primeiro discurso já se disse um filho de Santo Agostinho.
00:01:04Então vamos esclarecer o que isso significa, se é que a gente pode dizer assim.
00:01:09Ricardo, bem-vindo.
00:01:10Bem-vindo. É um prazer, uma honra estar aqui com você, Felipe, com os nossos amigos antagonistas,
00:01:17espectadores e estamos aí. Vamos falar desse gênio Santo Agostinho, vamos falar da riqueza da sua obra.
00:01:25É, eu não conheço tanto quanto você, mas conheço um bocadinho.
00:01:29Estudei em colégio agostiniano e estudei depois a obra de Santo Agostinho.
00:01:34Tudo que eu aprendi, aliás, foi mais fora do colégio.
00:01:36E escrevi um artigo, depois que o Papa foi eleito, que é
00:01:41Por que um Papa agostiniano é bom para o Brasil?
00:01:43Por que é bom para o Brasil um Papa agostiniano?
00:01:45Claro que é uma impressão inicial, é uma torcida para que ele justamente aplique
00:01:50certas concepções agostinianas e principalmente o combate ao maniqueísmo,
00:01:55que é abordado ali no meu artigo, já que o Santo Agostinho combatia.
00:01:58E antes de fazer a primeira pergunta, só quero mostrar aqui essa obra maravilhosa
00:02:02que está disponibilizada na frente de vocês.
00:02:05O Livre Arbítrio é o livro 1, tem o 2, tem o 3, aqui tudo do Ricardo Taurizano
00:02:10sobre a obra de Santo Agostinho.
00:02:12Ainda tem esse aqui sobre a retórica, também baseado na obra de Agostinho de Hipona.
00:02:18E tem um outro livro que é o mais recente sobre um autor misterioso.
00:02:23Mas vocês estão aí, a gente ainda vai falar a respeito disso,
00:02:25esses três aqui pela E-Realizações, do nosso querido Edson,
00:02:29a quem eu mando um grande abraço.
00:02:31Então, o novo Papa é filho de Santo Agostinho.
00:02:34Como é que você contextualiza inicialmente vida e obra de Santo Agostinho
00:02:38para quem é totalmente leigo?
00:02:41Agostinho, ele se converte ao cristianismo, na verdade não ao cristianismo,
00:02:47à igreja católica, ao catolicismo, porque diz ele nas próprias confissões,
00:02:51que é um relato da sua conversão posterior, quando ele já era bispo praticamente,
00:02:57em 395, entre 395 e 340, que ele escreve a famosa obra Confissões.
00:03:03Então, é alguém olhando para trás e vai narrar os eventos que aconteceram
00:03:0710 anos antes da sua conversão com os olhos, obviamente, olhos de uma pessoa
00:03:12que já está profundamente ligado às coisas da igreja.
00:03:16Isso já com mais de 30 anos.
00:03:17Já com mais de 30 anos.
00:03:20Então, ele se converte, depois de ter passado quase 10 anos no maniqueísmo,
00:03:26por ter passado pelo ceticismo da nova academia, ou seja,
00:03:30descrença total de qualquer possibilidade de apreensão da verdade,
00:03:35por ter sido neoplatônico brevemente, quando esteve em Milão,
00:03:40antes de ter sido batizado por Santo Ambrósio.
00:03:43Então, ele tem uma vida aparentemente acidentada intelectualmente,
00:03:50mas não enriquíssima, exatamente porque ele passou por todas essas coisas.
00:03:54E a sua experiência no maniqueísmo obrigou, porque ele converteu amigos e familiares ao maniqueísmo,
00:04:00ele levou muitos ao maniqueísmo.
00:04:01Então, ele se sentiu na obrigação de trazê-los de volta para o caminho que ele achava
00:04:06que, naquele momento, era o certo.
00:04:09Então, ele vai escrever uma parte inicial da sua obra,
00:04:11cujo auge é o livre-arbítrio.
00:04:15Essa obra aqui é um diálogo escrito em três partes, que foi traduzido e comentado.
00:04:20Então, tem a tradução, tem o texto original e a tradução,
00:04:23onde ele vai comentar temas que os maniqueus tratavam de uma maneira perigosa,
00:04:30do modo de ele entender e, por exemplo, o que eles diziam?
00:04:35Que Deus era o autor do mal.
00:04:37Havia um mal natural, o universo estava dividido entre duas potências antagônicas
00:04:42e havia um mal natural que era associado pelos maniqueus,
00:04:46que era um sincretismo entre filosofias indo-irânicas,
00:04:50neoplatonismo, cristianismo.
00:04:52Então, eles associavam o Deus do Velho Testamento a um Deus mal.
00:04:56E Jesus, o Deus do Novo Testamento, a um Deus misericordioso.
00:05:01Eles repudiavam o Velho Testamento
00:05:03e queriam exaltar apenas o Novo Testamento, o Deus misericordioso.
00:05:08Só um parêntese, vamos lembrar que esse é o maniqueísmo original.
00:05:11É a seita ali criada pelo profeta Manis, se fala?
00:05:15Mani, os romanos falavam Mani, mas Maniqueus também, os latinos também falavam isso.
00:05:21Os maniqueus são os seguidores, os adeptos.
00:05:22Sim, o nome dele em latim também aparece grafado como Maniqueus, também aparece.
00:05:30Que é uma visão de bondade absoluta versus maldade absoluta,
00:05:36de luz contra a escuridão, mas de uma maneira muito binária,
00:05:40que é o que a gente vê hoje no debate público.
00:05:42Sim, sim, uma maneira binária.
00:05:44E isso trazia consequências importantes.
00:05:48Perguntas que eram lançadas, ele mesmo fazia,
00:05:50ele fez essas perguntas para os maniqueus, enquanto ele era maniqueu,
00:05:54e eles o enrolaram, eles prometeram respostas que nunca deram.
00:05:58E, obviamente, o sapato fica pequeno,
00:06:00ele foi crescendo intelectualmente, se desenvolvendo,
00:06:03as respostas não vinha, e ele teve que encontrar um outro caminho.
00:06:06O ceticismo ajudou ele a fazer essa faxina mental,
00:06:09se libertando de algumas concepções maniqueístas,
00:06:12e o neoplatonismo ajudou ele a sair, se desprender do materialismo.
00:06:16Ele era material, ele era uma pessoa que acreditava que até o espírito de Deus
00:06:22era tudo massa, era tudo matéria.
00:06:24Era uma concepção que parece estranha para a gente hoje,
00:06:26mas era uma concepção estoica,
00:06:27era uma concepção que predominava no mundo antigo, na elite romana.
00:06:31E, então, esse...
00:06:33O neoplatonismo já relacionado a Platão.
00:06:36Platão, depois Plotino.
00:06:37Ele recebe o platonismo já filtrado por Plotino e por Porfírio,
00:06:40que foi um seguidor de Plotino,
00:06:42que reuniu a obra de Plotino,
00:06:43que organizou os tratados chamados Enéas de Plotino.
00:06:47Então, Agostinho pega isso já por via indireta,
00:06:50e o neoplatonismo vai permitir que Agostinho enxergue
00:06:55que existe uma realidade espiritual que vai além da matéria.
00:06:59Que Deus não pode ser circunscrito apenas aos cinco sentidos,
00:07:03e não pode ser circunscrito apenas a conceitos
00:07:06que sejam limitados racionalmente.
00:07:09Então, ele vai abrir uma janela.
00:07:11Uma janela para o inefável, o desconhecido, o impronunciável,
00:07:15o mistério que ele vai encontrar ao longo de toda a sua carreira.
00:07:20Apesar de ter sido um teólogo considerado catafático, vamos dizer assim,
00:07:25ao contrário de Dionísio, que era apofático,
00:07:27que acreditava que de Deus você não pode falar nada,
00:07:29só pode conhecer o que ele não é, o que ele é, você não conhece.
00:07:32Agostinho acreditava que como pregador ele era obrigado a falar de Deus.
00:07:35Eu preciso falar, eu não sei o que eu vou falar, mas eu tenho que falar.
00:07:39Nada do que eu fale é suficiente, nada será suficiente,
00:07:42mas é necessário pregar, porque se eu não pregar,
00:07:44ele dizia, como Paulo diz, ai de mim se não pregar o evangelho.
00:07:47Se eu não pregar, como as pessoas vão saber?
00:07:49Como que elas vão se aproximar?
00:07:50Então é preciso tentar, de alguma maneira, essa aproximação.
00:07:53Tentar, inclusive, expressar aquilo que é imaterial,
00:07:56aquilo que é abstrato, aquilo que é mais difícil justamente de expressar.
00:08:00E nisso a sua formação retórica ajudou muito,
00:08:03porque ele foi obrigado a expandir os limites da língua latina,
00:08:06o que ele faz nas confissões de maneira brilhante, genial,
00:08:09expandindo, escrevendo um latim que até então,
00:08:12é inaudito, até então ninguém jamais tinha expresso daquela maneira,
00:08:15tentando dizer o indizível,
00:08:17que é o tema da enigma do espelho da retórica do silêncio.
00:08:22Eu tento mostrar como Agostinho exprime aquilo que é inexprimível
00:08:26através dos recursos retóricos, tentando falar de Deus, tentando dizer Deus.
00:08:31O que, obviamente, ele reconhece, que é uma tarefa em glória,
00:08:34mas é necessária, é necessária.
00:08:37O livre-arbítrio combate o maniqueísmo,
00:08:40principalmente a história de que Deus seja a causa do mal.
00:08:43Então, história.
00:08:43No livro 1, na primeira parte, chega-se à conclusão
00:08:46que o ser humano é responsável pelo mal,
00:08:48porque ele tem o livre-arbítrio, ele recebeu a liberdade de agir.
00:08:51Só constatando que livre-arbítrio é uma obra de Santo Agostinho,
00:08:54é uma obra de cerca de 100 páginas.
00:08:56É uma obra de cento e poucas páginas que está sendo comentada,
00:08:59dividida em três livros.
00:09:01Por que em três livros?
00:09:02Porque, na antiguidade, eram rolos de papiro,
00:09:05e o que cabia no rolo era o que as pessoas podiam carregar.
00:09:07Então, o que você conseguia carregar, o que cabia no rolo,
00:09:10se chamava de livro.
00:09:11Então, por isso três livros, porque, obviamente, não cabia tudo no rolo.
00:09:14A partir do momento que começam a usar o pergaminho,
00:09:17aí você tem o códice, você já pode costurar e carregar mais conteúdo.
00:09:22Mas a divisão permaneceu, a divisão cultural permanece em livros.
00:09:26Então, são três partes, vamos dizer assim, três grandes partes,
00:09:28mas que foram escritos em épocas distintas.
00:09:31Então, assim, a grande pergunta que fica e que afasta muitas pessoas,
00:09:35inclusive da fé em Deus até hoje, é,
00:09:38se existe tanto mal no mundo, não é?
00:09:40Como você pode conciliar isso com a existência de Deus?
00:09:43Como é que pode Deus existir e ser bom?
00:09:46Ser tão...
00:09:47Como os maniqueus resolviam isso?
00:09:48Eu quero ver você responder isso em um podcast.
00:09:52Isso precisa de milhares de páginas para responder.
00:09:54Eu gastei mil e setecentas páginas para explicar o que Agostinho tentou explicar em 130.
00:09:58Mas esse é o desafio do podcast,
00:10:00fazer os convidados responderem em uma hora as perguntas mais difíceis.
00:10:03Ao contrário do dualismo maniqueu,
00:10:05para Agostinho só existia um Deus,
00:10:08uma fonte de todo o bem.
00:10:09Tudo que Deus faz é bom.
00:10:11Tudo que ele faz é bom.
00:10:12O livre-arbítrio da vontade é um bem,
00:10:14porque foi dado por Deus.
00:10:15Tudo que Deus faz é bom.
00:10:16Até o diabo é bom.
00:10:17Porque foi criado por Deus.
00:10:19Ele se afastou de Deus.
00:10:20Então, o mal é o afastamento de Deus.
00:10:23Em poucas palavras, seria isso.
00:10:25Ele vai repetir esse conceito de várias maneiras possíveis.
00:10:28Mas é o afastamento de Deus.
00:10:30Quando você usa a sua vontade de maneira errada,
00:10:34o que seria de maneira errada?
00:10:35Quando você quer algo que você deveria ou ama algo.
00:10:39Querer e amar são conceitos muito próximos para Agostinho.
00:10:42Então, quando você ama alguma coisa
00:10:43que você deveria usar e não amar como um fim em si mesmo,
00:10:47em vez de usá-la como um instrumento para chegar nesse fim,
00:10:51você está usando mal a sua vontade.
00:10:52Esse mau uso da vontade afasta,
00:10:55acaba corrompendo a vontade do seu fim determinado por Deus,
00:10:58que é o bem.
00:10:59Qual é o único fim em si mesmo para Agostinho?
00:11:03É Deus.
00:11:03Deus é o fim em si mesmo.
00:11:04Todo o resto é instrumento para chegar a Deus.
00:11:07Vamos dizer assim.
00:11:08Essa é uma crítica que se faz.
00:11:09Até a amizade, por exemplo, seria se deve amar as pessoas.
00:11:12Não usá-las para chegar a Deus,
00:11:14mas sabendo que Deus é o fim.
00:11:16Você deve amá-las tendo Deus por fim.
00:11:18O amor que você tem pelos seres humanos deve ter sempre Deus por fim.
00:11:21Para que vocês estejam juntos,
00:11:23contemplando Deus face a face, vamos dizer assim,
00:11:25num futuro que seria depois desta vida.
00:11:29Então, eu não sei se a pergunta inicial com relação ao Papa,
00:11:32foi essa a pergunta inicial.
00:11:35Sim, a gente colocou Santo Agostinho no contexto do Papa se declarar um filho dele.
00:11:41As imagens de Agostinho sempre tem um coração em chamas,
00:11:44em cima de um livro.
00:11:46Porque é um erudito, uma pessoa extremamente inteligente,
00:11:50que usou toda a sua linguagem,
00:11:53tendo dois objetivos.
00:11:54Tudo que Agostinho escreveu,
00:11:55e ele falou isso no início da sua carreira,
00:11:57numa obra chamada Solilócus.
00:11:58Ele falou assim, é um diálogo.
00:12:00Solilócus é um diálogo entre ele e a razão.
00:12:03A razão pergunta, mas o que você quer conhecer?
00:12:06Duas coisas que eu quero apenas.
00:12:08Conhecer a alma e conhecer Deus.
00:12:10Não dá para conhecer a alma sem conhecer Deus,
00:12:11e não dá para conhecer Deus sem conhecer a alma.
00:12:13Eu preciso conhecer as duas coisas.
00:12:14E ele vai chegar à conclusão que você precisa,
00:12:17o jeito de conhecer Deus é mergulhando no interior da alma.
00:12:20Dizem que é o pai da interioridade.
00:12:22É um conceito que depois vai se desdobrar.
00:12:25Não vem ao caso aqui,
00:12:26porque senão precisaríamos mais de um podcast para falar disso.
00:12:29Então, assim, ele é um filósofo do amor,
00:12:31mas, ao mesmo tempo, é um filósofo da inteligência.
00:12:34É o filósofo da unidade, acima de tudo.
00:12:36Por quê?
00:12:37Uma das heresias, não apenas a primeira,
00:12:40que, na verdade, é considerada uma heresia o maniqueísmo,
00:12:43mas a segunda, o donatismo, não é uma heresia.
00:12:45Era um cisma, uma divisão,
00:12:48contra as quais ele lutou, essas duas,
00:12:49o maniqueísmo e o donatismo.
00:12:52No fim das contas, pregavam divisão.
00:12:54O maniqueísmo, divisão das vontades,
00:12:56divisão das divindades, divisão dos caminhos.
00:12:59Ou seja, você tem dois lados, o mundo se divide em duas partes,
00:13:02num conflito eterno entre o bem e o mal.
00:13:04E os donatistas, de certa maneira, também dividiram a igreja.
00:13:09E ele lutou muito contra isso.
00:13:11Eles diziam que apenas os puros é que poderiam fazer parte da igreja.
00:13:17Agostinho era muito sábio.
00:13:19Quem é que pode garantir que uma pessoa é pura?
00:13:22Só Deus é que pode garantir.
00:13:24Então, eles queriam que todos os que tivessem entregue as escrituras,
00:13:29a última perseguição de Diocleciano,
00:13:31no finzinho do século III e início do IV,
00:13:34que todos esses padres, todos esses bispos,
00:13:38esses que tiveram batizado na igreja,
00:13:42que esses batizados fossem anulados.
00:13:44Essas pessoas tinham que ser expulsas da igreja,
00:13:47tinham que ser afastadas,
00:13:48e as pessoas que foram batizadas tinham que ser rebatizadas.
00:13:51Essa visão donatista.
00:13:52Donatista. Agostinho era contra isso.
00:13:54Por quê? O que ele dizia?
00:13:55Quem batiza é Jesus Cristo.
00:13:58Não são as pessoas que batizam.
00:14:00Ele defendeu o sacramento.
00:14:02Por quê?
00:14:02O sacramento, como uma constituição numa república,
00:14:05ele está acima das pessoas.
00:14:07As pessoas são falíveis, as pessoas são mutáveis.
00:14:09É preciso que haja algo que esteja acima,
00:14:11que seja imutável.
00:14:13É preciso você ter uma base.
00:14:15Como no platonismo, a base é Deus.
00:14:17Ao contrário da disputa entre Platão e os sofistas, por exemplo,
00:14:20o Protágoras dizia, o homem é a medida de todas as coisas.
00:14:23Platão dizia, não, Deus é a medida de todas as coisas.
00:14:25É preciso você ter uma medida que seja imutável,
00:14:27que seja fixa, que seja segura, que seja confiável.
00:14:30Agostinho vai pelo mesmo caminho,
00:14:31num outro contexto completamente diferente.
00:14:33É preciso que você tenha uma base,
00:14:35que seja imutável, que seja fixa,
00:14:37que seja estável.
00:14:38O ser humano é instável.
00:14:40Se você...
00:14:41Primeiro que você não tem como julgar
00:14:42se o ser humano é bom ou não.
00:14:43Por outro lado, se você colocou como critério
00:14:47o caráter de uma pessoa,
00:14:48você já não tem como avaliar.
00:14:50Mas imagine que você possa avaliar.
00:14:52Quem é que vai sobrar?
00:14:53Como que você vai manter uma igreja
00:14:57só de pessoas puras, nobres e boas?
00:14:59É muito complicado.
00:15:00Então, assim, ele lutou contra essa divisão.
00:15:03Eu acredito que esse chamado para Agostinho,
00:15:07que o Papa fez questão de destacar
00:15:09no seu primeiro pronunciamento,
00:15:11é um chamado para unidade.
00:15:13Exato.
00:15:14Ele frisou bastante essa palavra.
00:15:15É um chamado para unidade.
00:15:16A unidade não é apenas uma unidade retórica
00:15:18no mau sentido.
00:15:19A palavra é usada pejorativamente.
00:15:21Não é uma unidade apenas no discurso.
00:15:23É uma unidade na prática.
00:15:25Saber que existem divergências, ele reconhece.
00:15:27Existem problemas, ele reconhece.
00:15:28O ser humano é falível.
00:15:30Ele reconhece.
00:15:31Como diz o Salmo,
00:15:32não há um só que faz o bem, um sequer.
00:15:34Então, o ser humano é falível.
00:15:35Agostinho adorava citar.
00:15:36Acho que é Jeremias que diz
00:15:38maldito homem que confia no homem.
00:15:39Não é que você não deve confiar no ser humano.
00:15:42A fé, você precisa da fé para acreditar.
00:15:45Um dos argumentos que ele dá
00:15:46para defender a necessidade da fé
00:15:48está em uma obra chamada
00:15:49Utilidade de Crer.
00:15:51Ele diz assim,
00:15:51como você pode manter uma amizade sem a fé?
00:15:54Por exemplo,
00:15:55você, Felipe, me diz
00:15:56que, olha, Ricardo,
00:15:57você é um cara muito legal.
00:15:58Eu tenho que acreditar no seu testemunho.
00:16:00É fé.
00:16:01É fé.
00:16:02Quando você ia ao cartório antigamente,
00:16:03acho que tinha um carinho,
00:16:04dou fé que este documento...
00:16:06Fé.
00:16:06É a fides latina.
00:16:07É a confiança no testemunho,
00:16:10na palavra dada.
00:16:12Se você não confia,
00:16:13as relações pessoais,
00:16:15elas são impossíveis de acontecer.
00:16:17A história.
00:16:18A gente não viveu.
00:16:19A gente não sabe
00:16:20o que aconteceu com Alexandre,
00:16:22com César.
00:16:22A gente tem o testemunho dos historiadores.
00:16:25Se você não der fé no testemunho deles
00:16:26e nos documentos que eles deixaram,
00:16:28que estão sujeitos à interpretação,
00:16:31o que sobra?
00:16:31Então, assim,
00:16:32a fé é necessária,
00:16:33a fé é importante,
00:16:34sem dúvida nenhuma.
00:16:35Então, assim,
00:16:36é necessário
00:16:37essa confiança
00:16:39para saber que as pessoas são falíveis.
00:16:42A divisão existe.
00:16:44As opiniões são divergentes.
00:16:45Mas é importante,
00:16:46acima de tudo,
00:16:47entender que Deus é um só.
00:16:49Que entender
00:16:49que no princípio existe a unidade.
00:16:52Que se você quer manter uma instituição,
00:16:55é preciso que essa instituição
00:16:56esteja coesa.
00:16:57Se você quer
00:16:58manter um grupo de pessoas,
00:16:59se não existe um limite,
00:17:01o que é um limite?
00:17:02Por exemplo,
00:17:02uma circunferência.
00:17:03Se você cortar a circunferência,
00:17:05é como furar uma bexiga.
00:17:06Todo o ar que está lá dentro
00:17:07se esvai.
00:17:09Então, a mesma coisa
00:17:10qualquer instituição,
00:17:11qualquer grupo.
00:17:12Se você não tem uma unidade,
00:17:13o conteúdo se esvai.
00:17:14Ele não é mais um grupo.
00:17:15E acho que a unidade
00:17:16pressupõe uma base comum.
00:17:17Sim.
00:17:18Seja de valores,
00:17:19seja de elementos
00:17:20da própria realidade.
00:17:22Porque,
00:17:23até quando eu analiso
00:17:24o que está acontecendo
00:17:25no ambiente cultural brasileiro,
00:17:26no debate público mundial,
00:17:28virtual,
00:17:28muitas vezes a gente vê
00:17:30as pessoas se digladiando
00:17:32nesse grande duelo tribal
00:17:34em que você perde
00:17:36o elemento comum
00:17:37de realidade.
00:17:38Quer dizer,
00:17:38a base comum,
00:17:39objetiva,
00:17:39dos fatos.
00:17:40Esses são fatos aqui
00:17:42que são verificáveis
00:17:43e tal,
00:17:44são indiscutíveis.
00:17:45Aqui você tem
00:17:46uma zona cinzenta,
00:17:47cada um tem uma alegação,
00:17:49etc.
00:17:49Mas se você não delimita
00:17:51certo ambiente comum,
00:17:53e acho que isso é importante
00:17:54em relação a fatos,
00:17:55em relação a valores,
00:17:56principalmente quando você está
00:17:56lidando com as relações humanas,
00:17:58fica muito difícil,
00:17:59vira uma grande guerra,
00:18:00porque hoje cada um
00:18:01tem seus fatos,
00:18:02mais até do que as suas opiniões.
00:18:05Então,
00:18:05para resgatar a unidade,
00:18:07é preciso,
00:18:07como você falou,
00:18:08ter uma referência
00:18:09que seja estável,
00:18:10ao contrário do que é muita gente.
00:18:15Veja como certos conteúdos
00:18:17são universais.
00:18:19É um nome clássico,
00:18:20o nome que você dá
00:18:20para a cultura clássica,
00:18:22para o pensamento clássico,
00:18:23realmente é essa universalidade.
00:18:25Isso que você está falando,
00:18:27você pode voltar atrás,
00:18:28você vai encontrar na disputa
00:18:29com Sócrates e Platão
00:18:30e os sofistas,
00:18:31você vai encontrar com o Agostinho,
00:18:32não só com os donatistas,
00:18:34mas com os maniqueus,
00:18:35com os pelagianos.
00:18:36A ideia é de que você
00:18:37precisa ter essa base,
00:18:39você precisa construir
00:18:41em cima de alguma coisa,
00:18:43esse valor universal.
00:18:44Qual é o oposto disso?
00:18:45É o relativismo.
00:18:46O relativismo de Protágoras,
00:18:47dos sofistas,
00:18:48que volta depois,
00:18:49em várias épocas da humanidade,
00:18:51volta com o nominalismo
00:18:52na Idade Média,
00:18:53volta,
00:18:53depois vai desembocar no niilismo
00:18:55e hoje com esse radical relativismo
00:19:00que a gente tem em tudo.
00:19:02Cada um tem não apenas
00:19:03a sua verdade,
00:19:04o que para Agostinho
00:19:05seria um absurdo
00:19:06você dizer a verdade é Jesus Cristo,
00:19:07a verdade é Deus.
00:19:08ou seja,
00:19:09que está acima de todos nós.
00:19:10A verdade é a base,
00:19:11é o fundamento de tudo.
00:19:13Se cada um tem a sua verdade,
00:19:15não existe verdade.
00:19:16O relativismo é contraditório em si,
00:19:18porque quando você define
00:19:19que a verdade não existe,
00:19:20como é que você vai fazer isso
00:19:21sem estabelecer uma verdade,
00:19:23que é a que a verdade não existe?
00:19:25É o primeiro argumento dele
00:19:27contra os céticos.
00:19:28Os céticos dizem
00:19:29não acredito em nada.
00:19:30Essa é a única coisa
00:19:31em que eu acredito.
00:19:32Mas dizer que não acredito em nada,
00:19:34você já está dizendo
00:19:34que você acredita em alguma coisa.
00:19:35dizer que não acredita em alguma coisa
00:19:38já é acreditar em alguma coisa.
00:19:39Então, assim,
00:19:40o argumento já cai por terra,
00:19:41porque é preciso acreditar em alguma coisa,
00:19:43até para dizer que você não acredita em nada.
00:19:45Onde tudo é quadrado,
00:19:46não existe nada quadrado.
00:19:47Onde tudo é escuro,
00:19:49não existe nada escuro.
00:19:50Então, onde cada um tem a sua verdade,
00:19:52não existe verdade nenhuma.
00:19:53E as pessoas ficam perdidas completamente.
00:19:55Então, Agostinho
00:19:56é muito atual nesse aspecto.
00:19:58E vamos agora desvencilhar um pouquinho
00:20:00do Papa Leão XIV
00:20:02para falar um pouco mais sobre Santo Agostinho.
00:20:04Você falou da obra Livre Arbítrio,
00:20:06algo que sempre me chamou a atenção
00:20:08na obra Confissões.
00:20:11É uma impressão minha
00:20:12de que aquela obra
00:20:14é centrada também
00:20:15na responsabilidade individual.
00:20:17A partir do momento que ele está ali
00:20:19se confessando,
00:20:20confessando tudo aquilo que ele viveu,
00:20:23que ele testemunhou,
00:20:24que ele pensa,
00:20:25existe essa volta
00:20:27para a responsabilidade
00:20:29do indivíduo,
00:20:30que é diferente
00:20:33desse coletivismo
00:20:34que a gente vive hoje
00:20:35em muitas searas
00:20:38do debate público mundial também.
00:20:41Você vê o legado
00:20:43da noção de responsabilidade individual
00:20:45como algo agostiniano?
00:20:47Sem dúvida nenhuma.
00:20:48Sem dúvida.
00:20:49Apesar dele sofrer críticas
00:20:51por conta da doutrina da graça,
00:20:53que foi desenvolvida no fim da vida,
00:20:55é algo que a gente pode entrar
00:20:57se você quiser,
00:20:57é algo complexo,
00:20:58mas dá para tentar resumir.
00:21:00Sem dúvida nenhuma.
00:21:01Por quê?
00:21:02O primeiro disputa dele
00:21:03foi contra os maniqueus,
00:21:04porque ele foi maniqueu
00:21:05e sentiu a necessidade
00:21:06de limpar,
00:21:07vamos dizer assim,
00:21:08não só fazer uma higiene mental
00:21:10para ele mesmo,
00:21:10mas para o círculo de amigos.
00:21:13Quando você diz
00:21:14que você tem uma potência má
00:21:15que é a causa do mal no mundo,
00:21:17qual é a consequência disso?
00:21:19É a transferência da responsabilidade.
00:21:21Eu não tenho culpa de nada.
00:21:22Não fui eu.
00:21:23Entendeu?
00:21:24Exatamente.
00:21:24Foi uma força externa.
00:21:26Eu fui levado a isso.
00:21:27Eu não tenho responsabilidade.
00:21:29Bom, Agostinho vai dizer que não.
00:21:31O próprio livre-arbítrio
00:21:32é escrito exatamente para dizer isso.
00:21:34Não é Deus a causa do mal.
00:21:36A liberdade está no ser humano.
00:21:39O livre-arbítrio
00:21:40foi um dom dado por Deus.
00:21:41Ah, mas se Deus é bom,
00:21:44essa é uma das perguntas
00:21:45do livre-arbítrio,
00:21:46que ele vai responder
00:21:47a partir do segundo livro,
00:21:48porque no primeiro livro
00:21:49ele chega à conclusão
00:21:49que o livre-arbítrio.
00:21:50O mal não está em Deus,
00:21:51está no livre-arbítrio da vontade.
00:21:53Mas o interlocutor dele
00:21:54que se chama Evódio,
00:21:55que foi discípulo dele,
00:21:56depois virou bispo de Usales
00:21:58no norte da África,
00:22:00ele pergunta,
00:22:00mas está bom,
00:22:01o livre-arbítrio é a causa do mal.
00:22:03Mas se Deus deu o livre-arbítrio
00:22:04para o homem,
00:22:05então como é que não é Deus
00:22:06em última instância
00:22:07o autor do mal,
00:22:07já que foi Deus
00:22:08que deu o livre-arbítrio
00:22:09para o homem?
00:22:09Deus não é presciente?
00:22:11Ele não sabia
00:22:11que o homem iria pecar?
00:22:13Ele na sua eternidade
00:22:14é presciente?
00:22:14Ele sabia então.
00:22:15Ele é responsável.
00:22:16Agostinho vai ser obrigado
00:22:17a desdobrar a ontologia
00:22:19do livre-arbítrio.
00:22:20Ele vai dizer que existem
00:22:21bens altos, grandes,
00:22:24bens médios e bens ínfimos.
00:22:26Os bens grandes
00:22:27são aqueles bens
00:22:28que não podem ser
00:22:28mal utilizados.
00:22:30Os bens ínfimos
00:22:30são aqueles que são
00:22:31desnecessários
00:22:32para a prática do bem,
00:22:33são prescindíveis.
00:22:34E os bens médios
00:22:35são aqueles que podem ser
00:22:36bem ou mal utilizados,
00:22:37como o livre-arbítrio.
00:22:38Não é porque,
00:22:39ele dá vários exemplos,
00:22:41mas não é porque
00:22:41alguém pega uma faca
00:22:42e mata alguém
00:22:43que a faca é responsável
00:22:44pelo mal.
00:22:45É a pessoa que empunhou
00:22:46a faca.
00:22:47E esse é um debate frequente.
00:22:48Sim.
00:22:48Então, não é o livre-arbítrio
00:22:50que é o responsável.
00:22:50O livre-arbítrio
00:22:51é um bem médio
00:22:51que foi dado
00:22:52para que o homem
00:22:54faça o bem.
00:22:55Se o homem não fez o bem,
00:22:56não é porque,
00:22:57a culpa não é de Deus.
00:22:59No livro 3 vai surgir...
00:23:00A culpa não é da liberdade
00:23:01concedida a ele.
00:23:02Não, não é da liberdade.
00:23:03Até porque,
00:23:04qual seria a outra alternativa?
00:23:06Se Deus não desse a liberdade,
00:23:07o que seria o ser humano?
00:23:08Seria um autômato,
00:23:09seria um bonequinho,
00:23:10uma marionete.
00:23:11Aí a capa do livro
00:23:12é uma marionete
00:23:13ao mesmo tempo
00:23:14que ele está segurando.
00:23:15É aquela contradição.
00:23:16Quanto de liberdade você tem?
00:23:18Então, assim,
00:23:19você é livre.
00:23:20Você pode escolher
00:23:22o caminho certo.
00:23:23Deus é o livre-arbítrio
00:23:24para que você use
00:23:25o livre-arbítrio
00:23:26para fazer coisas boas.
00:23:28Se você usa para fazer o mal,
00:23:29a responsabilidade é sua.
00:23:30Então, nesse aspecto,
00:23:31o Agostinho,
00:23:32ele vai defender isso
00:23:32até o fim da vida.
00:23:35Mesmo que,
00:23:36em um dado momento
00:23:37na vida dele,
00:23:37ele recebe
00:23:38o grande baque
00:23:39da vida dele,
00:23:39que é o pelagianismo,
00:23:40a disputa com o Pelagio
00:23:42e depois Juliano de Eclano,
00:23:45muito inteligente,
00:23:46um jovem
00:23:47que é seguidor de Pelagio,
00:23:49que vai contra essa ideia.
00:23:52Agostinho,
00:23:52o que acontece?
00:23:53Nas confissões,
00:23:54Agostinho reconhece,
00:23:55misticamente,
00:23:56que muita coisa
00:23:57que acontece na vida
00:23:58foge ao nosso controle.
00:24:00Nem tudo você tem controle.
00:24:02Às vezes,
00:24:02você tenta,
00:24:03tenta,
00:24:03tenta entrar por uma porta
00:24:04e aquela porta não abre.
00:24:06De repente,
00:24:06você é arrastado
00:24:08por um outro caminho.
00:24:08Ele percebeu isso.
00:24:10Ele percebeu,
00:24:11por mais que você seja
00:24:12racionalista,
00:24:13por mais que você seja
00:24:13cético,
00:24:14um filósofo,
00:24:15por mais que você procure
00:24:16a razão para todas as coisas,
00:24:18existe alguma coisa a mais
00:24:20que te leva muitas vezes...
00:24:21O conhecimento e sabedoria
00:24:22que você tem,
00:24:23tem coisas que não dependem de você.
00:24:24Não,
00:24:24tem coisas que não dependem.
00:24:25Então, assim,
00:24:26quando ele confessa,
00:24:26ele faz a confissão de fé,
00:24:28ele confessa a sua fé,
00:24:31mas ele confessa o seu pecado
00:24:32e também confessa
00:24:32o seu louvor a Deus.
00:24:33São três modos de confissão
00:24:35que aparecem nos salmos.
00:24:36Então, ele confessa a necessidade
00:24:38de louvar a Deus por tudo isso
00:24:39e em todos os momentos
00:24:41perpassa,
00:24:41da primeira a última página
00:24:43das confissões,
00:24:43já mesmo que ele não tenha
00:24:44elaborado uma doutrina
00:24:45da graça,
00:24:46que em última instância
00:24:48é Deus está acima de tudo.
00:24:50Existe um mistério
00:24:51que determina
00:24:52por algum motivo
00:24:53desde a sua eternidade
00:24:54imperscrutável
00:24:56que certos caminhos
00:24:58são interditos para alguns
00:24:59e estão abertos para outros
00:25:00por algum motivo.
00:25:01Isso é inexplicável.
00:25:03Então, isso perpassa
00:25:05a obra inteira de Agostinho.
00:25:06Só que isso jamais
00:25:07tirou responsabilidade individual.
00:25:09Ele jamais negou
00:25:10responsabilidade individual.
00:25:11E Juliano de Eclano,
00:25:12através de Pelágio
00:25:14ou a partir de Pelágio,
00:25:16diz que Agostinho
00:25:17destrói o livre-arbítrio
00:25:18ao advogar
00:25:19uma doutrina da graça.
00:25:21Agostinho vai até o fim da vida
00:25:22insistir que não.
00:25:23Isso, filosoficamente,
00:25:24é impossível.
00:25:25Realmente,
00:25:25é como se...
00:25:26Isso é uma das questões
00:25:28que aparecem no livre-arbítrio
00:25:29também,
00:25:29uma das perguntas.
00:25:30Se Deus é presciente
00:25:31de todos os atos futuros,
00:25:32como você tem o livre-arbítrio?
00:25:34Como é que você pode dizer
00:25:35eu vou virar à esquerda
00:25:37se Deus previu
00:25:37na eternidade
00:25:39antes de criar você,
00:25:40que você iria virar à direita
00:25:42lá naquele dia?
00:25:43Como é que você pode ter
00:25:43a liberdade para virar à esquerda?
00:25:45Agostinho vai dizer
00:25:46que não é porque Deus previu
00:25:47que eu vou fazer
00:25:48diferente,
00:25:49eu vou fazer,
00:25:49eu não vou ter a liberdade.
00:25:51Deus previu
00:25:51que eu teria o livre-arbítrio,
00:25:52que eu agiria com liberdade.
00:25:54Essa é a resposta,
00:25:54em última instância,
00:25:55que ele dá.
00:25:56Deus previu
00:25:56o meu livre-arbítrio.
00:25:57Se ele previu
00:25:58o meu livre-arbítrio,
00:25:59eu tenho o livre-arbítrio.
00:26:00E o livre-arbítrio
00:26:00não pode ser,
00:26:02não existe vontade
00:26:03que não seja livre.
00:26:03Se não for livre,
00:26:04não é vontade.
00:26:05Então Deus previu
00:26:06que eu teria uma vontade,
00:26:07mas isso racionalmente
00:26:08é muito difícil de explicar.
00:26:09Eu tento desdobrar isso.
00:26:10No livro gasto muitas páginas,
00:26:12mas é complicado.
00:26:13Então a doutrina da graça
00:26:14para Agostinho
00:26:15é um complemento.
00:26:16Então nunca desdiz
00:26:18na cabeça dele
00:26:19o livre-arbítrio,
00:26:19o que filosoficamente
00:26:21até hoje é polêmico.
00:26:23Mas a doutrina da graça
00:26:24em si é o que exatamente?
00:26:26A doutrina da graça,
00:26:27tudo é graça de Deus.
00:26:28Qual o argumento
00:26:30que ele dá
00:26:30nas confissões?
00:26:31Muito bonito.
00:26:32Ele diz assim,
00:26:33como é que eu posso dizer
00:26:34que eu mereço qualquer coisa
00:26:35se antes de existir
00:26:37eu não fiz nada
00:26:38para merecer?
00:26:39Porque é o mérito.
00:26:40O mérito é o preço
00:26:42que você paga
00:26:43ou recebe por um produto,
00:26:44por alguma coisa
00:26:45que você faça.
00:26:46Então assim,
00:26:47se a lei de Deus diz
00:26:48que se você fizer o bem
00:26:49você vai ser recompensado,
00:26:51então você merece
00:26:52ser recompensado.
00:26:53Deus é obrigado
00:26:53a te recompensar.
00:26:54Isso incomodava Agostinho.
00:26:55Deus é obrigado
00:26:56a fazer qualquer coisa.
00:26:57Deus te recompensa
00:26:58porque ele quer
00:26:59graciosamente
00:27:00e não porque ele é obrigado
00:27:01a nada.
00:27:01Deus não pode ser obrigado
00:27:02a nada.
00:27:02Deus não pode ser constrangido
00:27:03a nada.
00:27:04Senão os meus bons atos
00:27:05vão constranger Deus.
00:27:06Como que pode ser Deus
00:27:07se ele vai ser constrangido,
00:27:08ser dominado pela criatura?
00:27:10Então eu vou
00:27:11fazer boas ações
00:27:13com o intuito
00:27:14de ser recompensado
00:27:15e ele vai ser obrigado
00:27:16a me recompensar.
00:27:18Então existe
00:27:19esse pensamento
00:27:19ele absorve
00:27:21na carta aos romanos
00:27:22de Paulo principalmente,
00:27:23mas é um pensamento
00:27:24paulino,
00:27:25que Deus dá graça
00:27:26para quem ele quer
00:27:26quando ele quer
00:27:27porque Deus é autônomo,
00:27:28ele faz o que ele quer
00:27:29e é um grande mistério
00:27:30porque que Deus vai salvar
00:27:31alguns e não vai salvar outros.
00:27:32Eu não tenho resposta
00:27:33para isso.
00:27:34Então a doutrina da graça
00:27:35diz no fundo,
00:27:36no fundo,
00:27:37aquilo que você vai encontrar
00:27:38na primeira e última página
00:27:39das escrituras
00:27:40e da primeira e última página
00:27:41de Agostinho,
00:27:42inclusive no livre-arbítrio.
00:27:44Deus é soberano,
00:27:45eu acredito que ele é
00:27:46sumamente bom,
00:27:48mas eu não tenho controle
00:27:49sobre a vontade dele
00:27:50e também não tenho controle
00:27:51sobre a minha própria salvação.
00:27:52Ele é o Senhor da minha salvação.
00:27:55O que eu posso fazer
00:27:55é seguir os preceitos dele
00:27:57e esperar com toda a fé possível,
00:27:59com toda a força
00:28:00que eu vá ser salvo.
00:28:02Mas garantia,
00:28:03ninguém tem de ser salvo.
00:28:05Mas isso não anula
00:28:06o livre-arbítrio.
00:28:07Ele defende isso
00:28:08até o fim da vida
00:28:09e muito menos
00:28:09a noção de responsabilidade
00:28:11porque eu sempre posso
00:28:12me afastar dele.
00:28:13Eu posso...
00:28:15O neoplatonismo
00:28:16defendia algo
00:28:18que Agostinho também
00:28:18veio a repugnar depois.
00:28:20Isso ajudou no início
00:28:21a que ele se aproximasse de Deus
00:28:23e encontrasse
00:28:24o conteúdo espiritual,
00:28:25a realidade espiritual.
00:28:27Mas o neoplatonismo
00:28:28defendia através de Plotino,
00:28:29principalmente,
00:28:30que você pode chegar a Deus.
00:28:31Bastava você fazer exercícios
00:28:32de assese,
00:28:33asqueses em grego,
00:28:34exercícios espirituais
00:28:35de desprendimento
00:28:36e que você podia
00:28:38entrar em êxtase
00:28:39e chegar até Deus,
00:28:41enfim,
00:28:42por seu próprio esforço.
00:28:43Agostinho dizia que não.
00:28:45Agostinho dizia que não.
00:28:46Que ninguém consegue subir.
00:28:48Você pode se afastar
00:28:49por seu próprio esforço.
00:28:51Mas subir,
00:28:51você depende da graça de Deus.
00:28:53O que ele está querendo
00:28:54defender em última instância?
00:28:55A própria existência de Deus,
00:28:57a própria imutabilidade,
00:28:59o próprio infinito
00:29:01que é Deus,
00:29:03a própria necessidade
00:29:05daquilo que a gente estava
00:29:06falando no início,
00:29:07de você ter uma base universal
00:29:08inatingível,
00:29:10mas que seja fixa,
00:29:12que seja indestrutível,
00:29:14que esteja além
00:29:16dos arrasoasos,
00:29:18dos sofismos humanos.
00:29:19Porque qual é o contrário disso?
00:29:21É o relativismo
00:29:22que a gente tem hoje.
00:29:23Através de discursos verbais,
00:29:25através de idiosincrasias,
00:29:28cada um tem a sua realidade,
00:29:30cada um tem a sua verdade,
00:29:31cada um tem a sua opinião,
00:29:32ninguém quer ouvir,
00:29:33todo mundo quer falar,
00:29:34ninguém respeita,
00:29:35e fala-se muito,
00:29:36prega-se unidade,
00:29:37mas que unidade?
00:29:39Cada um quer o seu mundo,
00:29:41cada um quer o seu caminho,
00:29:43ninguém respeita o caminho alheio,
00:29:44então que unidade é essa que é possível?
00:29:46Era isso no fundo
00:29:47que ele estava querendo defender,
00:29:49e é isso que eu acho
00:29:50que ser agostiniano no fundo
00:29:51em última instância significa,
00:29:54entendeu?
00:29:54A unidade que é Deus,
00:29:56para o neoplatonismo
00:29:57como para Agostinho,
00:29:58Deus é o uno por excelência,
00:29:59a simples unidade indivisível,
00:30:01a absoluta.
00:30:03Agora, vamos falar um pouquinho
00:30:04de teologia da libertação,
00:30:06inclusive foi assunto aqui
00:30:07com o padre Leandro Razeira,
00:30:08que já participou aqui
00:30:09do podcast O.A.,
00:30:11que organizou inclusive
00:30:12a obra do irmão
00:30:13do Leonardo Boff,
00:30:14o irmão que é um dissidente
00:30:15da teologia da libertação,
00:30:17defendida pelo Boff,
00:30:18que é mais ligado aí
00:30:19ao lulismo,
00:30:21e a gente costuma ver
00:30:23a teologia da libertação
00:30:24como uma leitura do evangelho
00:30:26sobre o prisma da luta de classes,
00:30:28quer dizer,
00:30:28algo ali que teve
00:30:29uma contaminação marxista,
00:30:31que o Razeira,
00:30:32inclusive, explica
00:30:33que teve o seu momento
00:30:34ali na igreja,
00:30:35no entanto,
00:30:35depois desvirtuou completamente,
00:30:37e hoje acaba influenciando
00:30:40campanhas da fraternidade,
00:30:42que se tornam muito mais sociais
00:30:44do que a pregação
00:30:45da palavra de Deus,
00:30:46e a igreja acaba
00:30:47tendo um ativismo
00:30:50que foge um pouco
00:30:51aquilo que ele gostaria
00:30:52que a igreja tivesse.
00:30:54Estou resumindo aqui,
00:30:55grosseiramente,
00:30:56claro,
00:30:56tem todo um estudo,
00:30:57uma obra
00:30:57a respeito disso,
00:30:59mas dá para a gente falar
00:31:02em obra de Santo Agostinho
00:31:05em contraponto
00:31:06à teologia da libertação?
00:31:08Porque a teologia da libertação
00:31:09veio depois.
00:31:11Sem dúvida,
00:31:11no meu modo de entender,
00:31:13completamente,
00:31:14deve-se falar.
00:31:16Há uma frase nos comentários
00:31:17que Agostinho escreve
00:31:18no fim da vida,
00:31:19são sermões que ele escreve
00:31:21para explicar o evangelho de João,
00:31:23e ele diz,
00:31:24temos que meditar
00:31:25na nossa peregrinação,
00:31:27ele via a vida
00:31:27como uma peregrinação,
00:31:28ele chamava inclusive
00:31:29a vida como
00:31:30o mar deste século,
00:31:31cycle em latim,
00:31:33representa não um século
00:31:34apenas o passar dos 100 anos,
00:31:37mas representa esse mundo
00:31:38em contraste
00:31:39com o mundo do porvir,
00:31:41o reino dos céus,
00:31:43por assim dizer.
00:31:44Então ele dizia,
00:31:44no mar desta peregrinação,
00:31:46nós temos que atravessar,
00:31:47a cruz de Cristo
00:31:48seria a arca de Noé,
00:31:49ele compara a cruz de Cristo
00:31:51com a arca de Noé,
00:31:52para chegarmos do outro lado,
00:31:53e temos que meditar
00:31:54nessa nossa peregrinação
00:31:55numa única coisa,
00:31:56que é essencial,
00:31:57non rique semperérimos,
00:32:00traduzindo,
00:32:00não estaremos sempre aqui,
00:32:03ou seja,
00:32:03a igreja é peregrina,
00:32:04nós não estaremos sempre aqui,
00:32:06é aquela promessa de Jesus,
00:32:07o meu reino não é deste mundo.
00:32:09Essa é,
00:32:09podemos traduzir
00:32:11de modo grosseiro também,
00:32:13como uma teologia vertical,
00:32:14ou seja,
00:32:15uma teologia que busca Deus.
00:32:17A teologia horizontal,
00:32:19a teologia social,
00:32:20e eu acho que nem Marx
00:32:21imaginou as consequências
00:32:22do pensamento dele,
00:32:23nem podia imaginar.
00:32:24Mas essa imagem é ótima,
00:32:26vertical e horizontal.
00:32:27Sim,
00:32:27ela afasta muita gente da igreja.
00:32:30Às vezes você chega lá na igreja
00:32:31esperando realmente um contato,
00:32:33religião,
00:32:34segundo uma das etimologias,
00:32:35é religação,
00:32:36você busca de Deus,
00:32:37você chega lá em busca de Deus
00:32:38e você escuta pregação
00:32:39marxista,
00:32:41pregação socialista,
00:32:43pregação política,
00:32:44pregação voltada para as coisas
00:32:45desse mundo,
00:32:46mas você já tem isso no dia a dia,
00:32:48você não precisa ir para a igreja,
00:32:50para a casa de Deus
00:32:51para encontrar isso,
00:32:52você quer uma porta,
00:32:53você quer alguém que te puxe,
00:32:55você quer que a arquitetura,
00:32:57inclusive interna,
00:32:58a beleza,
00:33:00e Dionísio vai falar muito da beleza,
00:33:02nesse aspecto há uma comunhão
00:33:04muito grande entre Agostinho e Dionísio,
00:33:05um pensamento muito estético
00:33:07nos dois autores,
00:33:09a beleza da igreja,
00:33:10o silêncio,
00:33:11a música,
00:33:12tudo isso,
00:33:13o canto gregoriano,
00:33:14na Idade Média,
00:33:15a igreja gótica,
00:33:16com aqueles vitrais maravilhosos,
00:33:18como a Catedral de Milão,
00:33:20por exemplo,
00:33:20aquilo tudo eleva,
00:33:23traz uma elevação,
00:33:24porque é mais perene
00:33:26em contraste com aquilo
00:33:27que é mais efêmero,
00:33:28que é mais da moda.
00:33:29Deveria favorecer a oração,
00:33:30o silêncio,
00:33:31o que mais,
00:33:32o que é difícil,
00:33:33muitas vezes,
00:33:34hoje você chega na igreja,
00:33:34tudo que você encontra,
00:33:35qualquer coisa,
00:33:36menos o silêncio,
00:33:37é muito difícil,
00:33:38é barulho,
00:33:39é ruído,
00:33:39em todos os sentidos,
00:33:41então assim,
00:33:41essa teologia horizontal,
00:33:44ela é anti-agostiniana,
00:33:46isso,
00:33:47assim,
00:33:47dizer assim,
00:33:48não,
00:33:48mas é uma preocupação com o social,
00:33:50Agostinho foi um pastor de almas,
00:33:51Agostinho foi um bis,
00:33:52ele tinha preocupação,
00:33:53ele lutou contra,
00:33:54sim,
00:33:54ele teve que defender a igreja
00:33:56contra o divisionismo dos donatistas,
00:33:59e não conseguiu,
00:34:01eles sobreviveram,
00:34:02Agostinho morreu,
00:34:03e o donatismo continuou por um tempo,
00:34:05o maniqueísmo foi encontrado na China,
00:34:07acho que no século IX,
00:34:08no século X,
00:34:09escrito de maniqueísmo na China,
00:34:11então assim,
00:34:12mas ele deixou algo perene,
00:34:14o pensamento dele,
00:34:16o pensamento da unidade,
00:34:17o pensamento do amor,
00:34:18o pensamento da responsabilidade individual,
00:34:20da bondade de Deus,
00:34:22Agostinho,
00:34:23Agostinho vinha a bondade de tudo,
00:34:24beleza em tudo,
00:34:25Deus é o belo em si,
00:34:26Deus é o bem em si,
00:34:28então assim,
00:34:28só um parênteses,
00:34:29não perde o que você ia falar não,
00:34:30mas é que é uma coisa que eu falo muito aqui nos programas,
00:34:33porque muita gente às vezes manda mensagem,
00:34:35quando a gente está fazendo ali uma refutação,
00:34:37sobre a mentira contada por um político,
00:34:39que tem grandes massas de manobra,
00:34:41e a pessoa fala,
00:34:42não adianta,
00:34:43e eu falo,
00:34:44adianta,
00:34:45sempre adianta,
00:34:47mostrar a verdade,
00:34:48defender aquilo que é verdadeiro,
00:34:50aquilo que é justo,
00:34:52porque mesmo que você não tenha o resultado imediato,
00:34:56daquela vitória,
00:34:58de você,
00:34:59mesmo convencer outras pessoas,
00:35:01de uma realidade que elas não querem enxergar,
00:35:04ou você fazer com que uma pessoa impostora,
00:35:08não fique mais no poder,
00:35:09e mesmo que você não tenha essa vitória imediata,
00:35:12você tem o exemplo,
00:35:13você tem o legado,
00:35:14você tem a obra que fica,
00:35:15e que pode ser usada depois,
00:35:18por outras pessoas,
00:35:19para também combater determinados males,
00:35:21determinados obscurantismos,
00:35:23então assim,
00:35:24o Santo Augusto,
00:35:24ele pode não ter vencido os donatistas naquela época,
00:35:27ele pode não ter acabado com o maniqueísmo,
00:35:30de determinada maneira,
00:35:31mas ele deixou ali um legado de combate,
00:35:34com todo um aprendizado que as pessoas podem ter,
00:35:37a partir dessa obra.
00:35:38Pode não ter acabado,
00:35:39naquele momento,
00:35:40para não ter tido o gosto de ver que eles voltaram para a igreja,
00:35:43porque ele não queria destruir,
00:35:45ele não queria destruir os donatistas,
00:35:46havia uma igreja donatista na frente da Basílica da Paz em Ipona,
00:35:50onde ele pregou por anos,
00:35:52ele não queria,
00:35:52queria que eles voltassem,
00:35:54que eles se unissem,
00:35:55e ele aceitava,
00:35:57o batismo donatista,
00:35:58é aceito,
00:35:59nós aceitamos,
00:36:00mas os donatistas não aceitavam o batismo católico,
00:36:02eles queriam rebatizar,
00:36:03então assim,
00:36:04vocês são mais do que Cristo,
00:36:05o batismo foi dado por Cristo,
00:36:07não foi dado por um sacerdote,
00:36:08foi dado por Cristo,
00:36:09foi ele que batiza,
00:36:10é ele que batiza,
00:36:12então assim,
00:36:12ele queria unir,
00:36:13ele não queria destruir,
00:36:14mas,
00:36:15mesmo assim,
00:36:17tem uma passagem das confissões,
00:36:19em que ele diz,
00:36:20quando ele está tratando,
00:36:21acho que é do quarto livro,
00:36:22logo no início,
00:36:22ele diz assim,
00:36:24o que é que eu vou dizer a respeito de meu Deus,
00:36:26o que é que eu vou dizer,
00:36:26o que eu posso dizer,
00:36:27mas ai de mim se não falar,
00:36:29ai de mim se não,
00:36:31o ai está quente vos,
00:36:32ai dos que se calam a teu respeito,
00:36:34por que?
00:36:35porque loquases são mudos,
00:36:39apesar de falar muito,
00:36:40são mudos,
00:36:41porque não falam o que tem que falar,
00:36:42então,
00:36:43outra coisa,
00:36:44além da unidade,
00:36:45que a gente pode dizer,
00:36:46com relação inclusive ao Papa,
00:36:47é uma pessoa que não se furtou a falar,
00:36:50ele não,
00:36:51no fim da vida,
00:36:51ele até reclamava,
00:36:52numa obra chamada Retratações,
00:36:54ele diz assim,
00:36:54é difícil,
00:36:55e eu me compadeci disso,
00:36:57eu até fiz uma nota de rodapé,
00:36:59ele diz assim,
00:37:00não tem um lugar para onde eu vou,
00:37:01que eles não me acham,
00:37:02não adianta,
00:37:03eu não consigo ir para um canto,
00:37:04assistir,
00:37:05participar de uma missa,
00:37:07vamos dizer assim,
00:37:08quietinho no meu canto,
00:37:09porque eles chamam,
00:37:10Agostinho está aí,
00:37:11chama,
00:37:11vem pregar,
00:37:12vem pregar,
00:37:13vem ensinar,
00:37:14e virou uma autoridade,
00:37:15uma autoridade internacional,
00:37:16os papas mandavam cartas para ele,
00:37:18perguntando a opinião dele,
00:37:19a respeito de questões teológicas,
00:37:21porque virou uma autoridade,
00:37:22então ele não tinha essa paz,
00:37:23mas ele entendia a responsabilidade dele,
00:37:26então só para não deixar a sua pergunta sem resposta,
00:37:29sem dúvida nenhuma,
00:37:29é muito agostiniana,
00:37:31a ideia de uma teologia vertical,
00:37:34busca por Deus,
00:37:35volta a falar,
00:37:36duas coisas que interessavam Agostinho,
00:37:37a alma,
00:37:38é uma busca interior,
00:37:40e Deus,
00:37:41são as duas coisas,
00:37:41eu quero conhecer a alma e Deus,
00:37:43para conhecer a minha alma,
00:37:44eu preciso conhecer Deus,
00:37:45e vice-versa,
00:37:45para chegar até Deus,
00:37:46eu preciso mergulhar no interior da minha alma,
00:37:48e é um caminho para dentro e para cima,
00:37:50não um caminho horizontal,
00:37:51tudo que se faz,
00:37:52o fim último é Deus,
00:37:54e parece que o fim último,
00:37:55foi um pouco desviado,
00:37:57pela teologia da libertação,
00:37:59acabou sendo um fim material,
00:38:00como se o reino de Deus,
00:38:03fosse se realizar aqui e agora,
00:38:05e não,
00:38:06no porvir,
00:38:07vamos dizer assim,
00:38:08então,
00:38:09ele é acusado de outro mundista,
00:38:11nesse aspecto,
00:38:12mas eu acho que é uma acusação,
00:38:13leviana e equivocada,
00:38:15não é?
00:38:15Porque eu acho que essa é a essência do cristianismo,
00:38:17no meu modo de entender,
00:38:18talvez aí haja discordância.
00:38:21E só lembrando aí da questão política,
00:38:22que a teologia da libertação,
00:38:24ela foi adotada pela esquerda brasileira,
00:38:26e é explorada até hoje,
00:38:28agora,
00:38:29eu sei que você tem muito cuidado para falar,
00:38:31da igreja católica,
00:38:32dos papas,
00:38:33etc,
00:38:34que você faz o estudo da obra do Santo Agostinho,
00:38:37mas,
00:38:38tem impressões,
00:38:39sobre o que está acontecendo na igreja,
00:38:42etc,
00:38:42com essas ressalvas,
00:38:45evidentemente,
00:38:46com todo esse cuidado,
00:38:46você associa mais o Papa Francisco
00:38:49à teologia da libertação,
00:38:51e o Papa Leão XIV,
00:38:54ainda é uma incógnita,
00:38:56se ele vai pender mais
00:38:57para o lado da teologia da libertação,
00:38:59ou para o Santo Agostinho mesmo,
00:39:01como ele se diz, filho?
00:39:02Eu espero,
00:39:03e acredito,
00:39:05que não,
00:39:07porque,
00:39:08pelo fato de ele ser agostiniano,
00:39:10eu acredito que realmente seria um Agostinho
00:39:12que eu não reconheceria,
00:39:13se fosse um Agostinho horizontal,
00:39:14um Agostinho muito voltado
00:39:16para a teologia da libertação,
00:39:18não sei,
00:39:19não conheço a história dele,
00:39:21eu sei que ele foi indicado,
00:39:22foi escolhido,
00:39:24não sei o termo técnico correto
00:39:25quando se elege um cardeal,
00:39:27se é escolhido,
00:39:28se é indicado,
00:39:28se é consagrado,
00:39:30qual é o termo que se dá,
00:39:31mas pelo Papa Francisco,
00:39:32então,
00:39:32alguma afinidade com o Papa Francisco,
00:39:34ele deve ter,
00:39:35ou o Papa deve ter visto
00:39:36alguma afinidade,
00:39:37então,
00:39:37assim,
00:39:37não acredito que vai haver
00:39:38uma ruptura muito radical
00:39:40com o que o Papa vinha fazendo,
00:39:42mas eu acredito que vai haver
00:39:43um redirecionamento,
00:39:46perdão,
00:39:47para uma tradição da igreja,
00:39:49uma espiritualidade maior,
00:39:51e eu acho isso necessário,
00:39:54por quê?
00:39:55Voltando à questão da beleza,
00:39:56por exemplo,
00:39:57esse autor Dionísio Areopagita
00:39:58entendia o mundo,
00:39:59e Agostinho do mesmo jeito,
00:40:01de maneira estética,
00:40:01como o quê?
00:40:02Uma epifania,
00:40:03ou seja,
00:40:04tudo é manifestação de Deus,
00:40:05Deus é incognosivo,
00:40:07Deus é infinito,
00:40:08Deus é inefável,
00:40:09Deus é imperscrutável,
00:40:10como é que eu chego até Deus?
00:40:11Lá no Solilóquios,
00:40:13a pergunta que a razão faz para ele,
00:40:14assim,
00:40:14tá bom,
00:40:15você quer conhecer a Deus,
00:40:16e como é que você vai saber
00:40:16quando você conheceu,
00:40:17se Deus é incognosivo,
00:40:19se Deus é imperscrutável,
00:40:20inatingível,
00:40:21como é que você vai saber,
00:40:22agora já cheguei até Deus,
00:40:24se você não pode conhecer a Deus,
00:40:25como é que você pode dizer
00:40:25que você chegou?
00:40:27Parece o discurso daquela
00:40:28que diz que vou dobrar a meta,
00:40:29não sei qual que é a meta,
00:40:30mas vou dobrar a meta,
00:40:31se não tem meta,
00:40:31eu não posso dobrar,
00:40:32então como é que eu vou saber,
00:40:34se Deus é alguém
00:40:35que eu não posso conhecer,
00:40:36como que eu posso dizer
00:40:36que eu já cheguei até lá?
00:40:38Então sim,
00:40:38é um mistério,
00:40:41isso se responde na criação,
00:40:44a criação era estética
00:40:46no sentido de apreensível
00:40:47pelos cinco sentidos,
00:40:48tudo é manifestação de Deus,
00:40:49está lá em 1 Romanos 20,
00:40:51que através do mundo visível,
00:40:52Deus invisível se fez presente,
00:40:55e eles são inexcusáveis,
00:40:58aqueles que não se converteram
00:40:59são inexcusáveis,
00:41:00ele estava se referindo aos pagãos,
00:41:01são inexcusáveis por quê?
00:41:03Porque eles viram a obra,
00:41:06eles veem a obra,
00:41:07e a obra de Deus é bela,
00:41:08para Agostinho era tudo,
00:41:09tudo sumamente bom,
00:41:11ou corrigindo,
00:41:12era tudo bom em algum grau,
00:41:14maior ou menor,
00:41:15intermediário,
00:41:15mas era tudo bom
00:41:16porque foi criado por Deus,
00:41:18não é?
00:41:18Então assim,
00:41:19se é tudo bom,
00:41:20se é tudo belo,
00:41:21é preciso que você veja Deus em tudo,
00:41:24e ver Deus em tudo,
00:41:25é ver beleza em tudo também,
00:41:27o que isso tem a ver
00:41:27com a questão da igreja,
00:41:28o que isso tem a ver
00:41:29com a questão da teologia
00:41:30da libertação,
00:41:31e como eu vejo as coisas,
00:41:33acho que consequência
00:41:35desse afastamento
00:41:37dessa verticalidade,
00:41:39talvez seja sintomático,
00:41:40talvez não seja a igreja a causa,
00:41:42não,
00:41:42não estou dizendo isso,
00:41:43mas acho que é sintomático
00:41:44do tempo que a gente vive
00:41:44desse relativismo,
00:41:45é o culto ao feio,
00:41:47o culto à deformidade,
00:41:49forma era sinônimo de beleza,
00:41:50deformidade seria o oposto da forma,
00:41:53o afastamento da forma,
00:41:55então o culto à deformidade,
00:41:56não apenas o relativismo,
00:41:57o culto à feiura,
00:41:58deformidade,
00:41:59e você vê isso manifestado
00:42:00na própria igreja,
00:42:02não é?
00:42:03Aquela arte sacra belíssima,
00:42:05que até hoje atrai as pessoas
00:42:06para a Europa,
00:42:06para ver,
00:42:07não só a arquitetura externa,
00:42:11mas as obras de arte
00:42:13que estão nas igrejas,
00:42:14que são museus em Roma,
00:42:16obras de Caravaggio,
00:42:17de Michelangelo,
00:42:17e tudo mais,
00:42:18então assim,
00:42:19hoje você vê,
00:42:20você vê a feiura presente,
00:42:21inclusive,
00:42:23na música que se toca,
00:42:24no ruído,
00:42:25nos discursos,
00:42:28nas palavras,
00:42:28na má formação,
00:42:30então assim,
00:42:31isso tudo,
00:42:32no meu modo de entender,
00:42:33é sintomático,
00:42:34desse afastamento,
00:42:35dessa ideia agostiniana,
00:42:36dessa verticalidade,
00:42:37dessa espiritualidade,
00:42:38dessa valorização,
00:42:40da verdade,
00:42:40de valores universais,
00:42:42e de um Deus uno,
00:42:44indivisível,
00:42:45que deveria estar presente em tudo,
00:42:47cuja obra é o mundo,
00:42:49é a sua manifestação,
00:42:51se ele é o criador de tudo,
00:42:52tudo é manifestação de Deus,
00:42:53não é?
00:42:54Agostinho mesmo dizia,
00:42:55até o diabo,
00:42:56até o diabo,
00:42:57enquanto criatura,
00:42:58ele é um bem,
00:42:59porque foi criado por Deus,
00:43:01enquanto pecador,
00:43:01tudo bem,
00:43:02ele é mal,
00:43:03e ele dizia,
00:43:03do próprio homem,
00:43:05isso é um dos ensaios,
00:43:06que eu escrevi,
00:43:07lá no introdutório,
00:43:08no livro arbítrio,
00:43:09eu peguei esse oxymoro,
00:43:12que Agostinho usa,
00:43:14que ele recorre,
00:43:15numa obra chamada,
00:43:15Inquiridion Manual,
00:43:16chama Manual da Fé,
00:43:17Esperança e Caridade,
00:43:19ele diz que o homem,
00:43:19é um mau bem,
00:43:20o homem é um mau bem,
00:43:22porque ele é mau,
00:43:22enquanto pecador,
00:43:23mas ele é um bem,
00:43:24enquanto criatura de Deus,
00:43:26então o homem,
00:43:27é sempre um bem.
00:43:28Agora Ricardo,
00:43:29vamos falar um pouquinho,
00:43:30de retórica,
00:43:30porque você entende bem,
00:43:31desse assunto,
00:43:32e falou também,
00:43:33da própria retórica agostiniana,
00:43:35e isso é um tema,
00:43:36que foi bastante,
00:43:37esmiuçado ali,
00:43:39por Platão,
00:43:40por Aristóteles,
00:43:41e que,
00:43:42no fundo,
00:43:42é tema,
00:43:43diário aqui,
00:43:44do nosso trabalho jornalístico,
00:43:45porque a gente faz análise de discurso,
00:43:47a gente contrasta,
00:43:48com a realidade,
00:43:49você mesmo chegou aqui,
00:43:50citando,
00:43:51um comentário que eu tinha feito,
00:43:52sobre um discurso da Janja,
00:43:54da primeira dama,
00:43:55que eu ironizo,
00:43:56como primeira blogueira,
00:43:57que ela está sempre aprontando,
00:43:59quando ela foi justificar a intervenção que ela fez,
00:44:03numa reunião entre o Lula e o Xi Jinping,
00:44:06lá na China,
00:44:07dizendo que ela reclamou do TikTok,
00:44:12de não ter certos limites,
00:44:13porque ela estava em defesa das crianças e das mulheres,
00:44:17quando na verdade a gente sabe que ela está incomodada,
00:44:19com a proliferação de conteúdos que ela chama de extrema direita,
00:44:24mas enfim,
00:44:25que são conteúdos de oposição,
00:44:26são críticos, etc.
00:44:28Então ela fez aquilo que é um apelo sentimental,
00:44:31que é uma das características da retórica,
00:44:34quer dizer,
00:44:34ou pelo menos de um uso malandro,
00:44:38traiçoeiro,
00:44:39ardiloso,
00:44:40que se pode fazer da retórica,
00:44:42não que a retórica seja inteiramente algo ruim,
00:44:45o que você tem para trazer a respeito da retórica
00:44:50que possa nos ajudar como ferramenta ali na contemporaneidade?
00:44:55Não que a retórica seja algo ruim,
00:44:57a retórica, no meu modo de entender,
00:44:59é uma disciplina que devia ser ensinada nas escolas,
00:45:02desde como era no mundo greco-romano,
00:45:04de cultura greco-romana,
00:45:06império romano, império greco-romano,
00:45:07que a cultura era toda grega.
00:45:09Então a retórica é uma disciplina excepcional.
00:45:12E o apelo patético,
00:45:14que em grego se dizia patos,
00:45:16é um dos três modos de persuasão.
00:45:20A retórica definida por Aristóteles
00:45:22na sua arte retórica,
00:45:25a obra mais famosa da retórica na antiguidade,
00:45:29não digo a primeira porque a gente não tem obras anteriores,
00:45:32mas a que chegou até nós.
00:45:34Ele vai dizer que há três modos de convencimento.
00:45:37Ele vai dizer que a retórica é a arte
00:45:39de encontrar os meios de persuasão no discurso.
00:45:42E, tecnicamente, é a teoria do discurso.
00:45:46É a teoria do discurso.
00:45:47Porque todo discurso é carregado de intencionalidade.
00:45:50Ninguém fala algo sem uma intenção.
00:45:53Que intenção?
00:45:53Você pode louvar, você pode deliberar,
00:45:55você pode julgar.
00:45:57Aí ele vai dizer que é o discurso epidítico,
00:45:59que é o de louvor,
00:46:00o deliberativo, que é com vistas ao futuro,
00:46:02a decisão, o certo ou errado,
00:46:04o que fazer, o que é útil ou inútil,
00:46:06ou então o judiciário,
00:46:07voltado para o passado,
00:46:09que analisa o que foi certo,
00:46:11o que foi errado.
00:46:12Então trata do certo e do errado,
00:46:14do bom e do mal.
00:46:15E o estético trata do belo e do feio.
00:46:18Em grosso modo, é mais complexo do que isso.
00:46:20Mas tem o mais descritivo
00:46:21e tem aquele que quer gerar uma ação
00:46:23no interlocutor, na plateia.
00:46:24Sim, depende do ambiente da plateia.
00:46:26Sim, então o sistema retórico é muito complexo,
00:46:29ele se desenvolveu ao longo do tempo
00:46:30e é riquíssimo.
00:46:31E Agostinho era professor de retórica,
00:46:33era especialista de retórica,
00:46:34porque a carreira mais valorizada no mundo romano
00:46:37até o final da antiguidade
00:46:39era a carreira de advogado,
00:46:41que era o retórico.
00:46:42Aquele que proferia discursos
00:46:43no início político,
00:46:45mas depois de Augusto,
00:46:48depois do Império,
00:46:49você não tinha mais muita liberdade política,
00:46:51mas a retórica não deixou de ser importante,
00:46:53como um mecanismo de teoria literária,
00:46:55como, vamos dizer assim,
00:46:58uma prescrição literária,
00:46:59mas também como trabalho de advogados,
00:47:03como Cícero, por exemplo.
00:47:03Cícero foi político,
00:47:05mas Cícero também foi advogado
00:47:07de causas pessoais.
00:47:09Pois bem, o que Aristóteles dizia?
00:47:10Três modos são os modos de persuadir.
00:47:12Logos, patos e etos.
00:47:14Você pode persuadir pelo caráter do orador,
00:47:17o etos.
00:47:18Isso a gente vê na propaganda,
00:47:19quando você tem um artista famoso,
00:47:20uma pessoa que tem credibilidade pública,
00:47:22que está vendendo um produto.
00:47:24A pessoa deveria, no caso,
00:47:26ter ética e saber.
00:47:27Por dinheiro ela vende qualquer coisa,
00:47:28sem ética nenhuma.
00:47:30Então, às vezes,
00:47:31é contra os seus valores
00:47:32fazer propaganda de casa de apostas,
00:47:34de cassino,
00:47:34mas a pessoa, por dinheiro,
00:47:35vai lá e faz.
00:47:36Por quê?
00:47:36Ela tem um etos.
00:47:38A empresa chama aquela pessoa
00:47:39porque tem, vamos dizer assim,
00:47:42tem respeito na sociedade.
00:47:44A palavra dela vale alguma coisa.
00:47:45Então, é uma maneira de convencer.
00:47:47Isso acontece, principalmente em período eleitoral,
00:47:50mas também fora dele,
00:47:51com pessoas que têm muita credibilidade na sociedade
00:47:55em razão de algum talento específico,
00:47:57musical, cinematográfico,
00:47:59e aí elas emprestam aquela credibilidade
00:48:02para um apoio político.
00:48:03Sim.
00:48:03Certo?
00:48:04Isso é o etos.
00:48:05É o etos.
00:48:07Outra maneira de convencer seria o logos.
00:48:09Seria argumentos.
00:48:11Infelizmente, caiu em descrédito.
00:48:14Você não consegue convencer.
00:48:15Você não consegue convencer.
00:48:17É como crianças.
00:48:18Mas nós insistimos.
00:48:19Nós insistimos.
00:48:20É como crianças.
00:48:21Os contos de fadas,
00:48:22eles trabalham com imagens
00:48:26e com um certo e errado,
00:48:27o bem e o mal.
00:48:28Uma visão maniqueísta do mundo.
00:48:29É a bruxa, é o príncipe, é o...
00:48:31Porque a criança ainda não consegue raciocinar,
00:48:33ela não consegue distinguir nuances.
00:48:35Então, trabalha com esses contrastes
00:48:37para poder educar através dos contos de fadas,
00:48:41que ao longo da Idade Média,
00:48:42na própria Antiguidade,
00:48:43as fábulas,
00:48:44as crianças eram educadas.
00:48:45Os pais contavam historinhas.
00:48:47Olha, não faça tal coisa.
00:48:48Então, contando aquela história,
00:48:49a criança tinha aquele exemplo e sabia.
00:48:51Que, olha, se apontar o dedo para a estrela,
00:48:53vai nascer uma verruga na ponta do dedo.
00:48:55Que era para ensinar a criança
00:48:56que não serve apontar o dedo para as pessoas.
00:48:59Que é feio.
00:48:59Para o pai não passar o constrangimento do filho.
00:49:01Olha, pai, fulano de tal.
00:49:03Está vestido de um jeito esquisito e tal.
00:49:05Então, aí você tem...
00:49:07Você não tem um argumento.
00:49:09Você vai usar essas imagens fortes.
00:49:11Mas o argumento você usa.
00:49:13E o argumento retórico é diferente do argumento silogístico,
00:49:16filosófico, que é mais elaborado,
00:49:18é mais técnico e exige mais tempo,
00:49:20não é mais trabalho,
00:49:21que é o que Agostinho faz no Livre Arbítrio.
00:49:23Você tem um argumento retórico,
00:49:24que ele chamava de antemema,
00:49:25mas que é muito comum.
00:49:26Que é um argumento que não é 100% completo,
00:49:29mas ainda assim é um argumento.
00:49:30E existe o patos,
00:49:31que é o apelo sentimental.
00:49:32Aristóteles vai, no segundo livro da retórica,
00:49:34tratar extensivamente do argumento.
00:49:37E não é negativo.
00:49:39Você pode fazer um apelo emocional positivo.
00:49:42Quando você quer alguma coisa boa,
00:49:43depende do fim que você quer alcançar.
00:49:45Infelizmente, hoje, o que a gente vê
00:49:47é o tempo inteiro o apelo emocional para tudo.
00:49:49Exatamente.
00:49:49Então, assim,
00:49:50você quer vender qualquer ideia,
00:49:53aí no final daquela ideia,
00:49:55óbvio que o ouvinte vai identificar
00:49:57quem é que usa esse estratagema.
00:49:59Não, porque nós queremos combater a fome.
00:50:01Queremos acabar com a fome.
00:50:03Ou então, nós queremos censurar as redes
00:50:05porque nós queremos defender as criancinhas.
00:50:08Quem é que vai contra isso?
00:50:09Isso é um apelo sentimental.
00:50:11Quem é louco de dizer com...
00:50:12Olha e tal.
00:50:13Então, nesse aspecto,
00:50:14isso acontece muito.
00:50:17Mas, infelizmente,
00:50:17está acontecendo mais para o mal do que para o bem.
00:50:20Muitas vezes, quando você quer cancelar as pessoas,
00:50:22você usa um rótulo,
00:50:25você coloca aquele rótulo na pessoa,
00:50:26porque aquele rótulo,
00:50:27você desumaniza a pessoa.
00:50:29Você coloca aquele rótulo na pessoa,
00:50:30não importa o que aquela pessoa faça.
00:50:32O que você está fazendo com isso?
00:50:33Não é só o apelo emocional.
00:50:34Você está destruindo o etos da pessoa.
00:50:36Você está destruindo o caráter dela.
00:50:37Qualquer coisa que ela fizer a partir daí
00:50:39não vai ter valor,
00:50:40porque você destruiu o caráter da pessoa.
00:50:42É o que se diz desumanizar, né?
00:50:43Vamos dizer assim.
00:50:44É.
00:50:44O que as pessoas estão fazendo,
00:50:45principalmente na seara política,
00:50:47é defender medidas autoritárias
00:50:48sobre pretextos nobres.
00:50:51De salvar...
00:50:52De salvar crianças,
00:50:54de salvar idosos,
00:50:55idosos que estão sendo roubados agora
00:50:57no esquema do INSS,
00:50:59de salvar as mulheres,
00:51:02enfim.
00:51:03Democracia.
00:51:03A democracia.
00:51:05Quantos males são feitos
00:51:06em nome da defesa da democracia?
00:51:09Quantos atos antidemocráticos
00:51:10para salvar a democracia.
00:51:12Exatamente.
00:51:13Quantas excepcionalidades.
00:51:15Mas você vê que o padrão é sempre o mesmo.
00:51:16Você demoniza algo,
00:51:18ou seja,
00:51:18você destrói o etos,
00:51:19o caráter de algo,
00:51:21porque se encontra um ponto
00:51:22que seja o mínimo denominador comum,
00:51:25um conceito que todo mundo...
00:51:26É unânime.
00:51:27Então, por exemplo,
00:51:28certa doutrina é unanimemente criticada,
00:51:31não tem ninguém que vai levantar a mão
00:51:32e falar,
00:51:32não, mas espera um pouquinho,
00:51:33vamos ver,
00:51:34essa doutrina tem um lado positivo.
00:51:35Não.
00:51:36Então, o que você faz?
00:51:37Você vai colocar a pecha
00:51:38de membro daquele partido.
00:51:40Nazista, por exemplo.
00:51:41É.
00:51:41Eu não quis usar o nome,
00:51:43porque eu não sei se essa palavra...
00:51:46Claro, não.
00:51:47Ela pode ser usada.
00:51:48Você aponta o adversário
00:51:50ou qualquer pessoa
00:51:50que defenda aquela ideia como nazista.
00:51:52Você coloca aquele rótulo naquela pessoa,
00:51:54você destruiu o etos,
00:51:56você destruiu o caráter da pessoa, pronto.
00:51:58Não importa o que ela faça.
00:51:59Está cancelada.
00:52:01Então, o que é horrível,
00:52:02é um linchamento.
00:52:03É um linchamento moral.
00:52:04E você associa determinadas ideias
00:52:06que são divergentes em relação às suas,
00:52:09aos nazistas, aos fascistas,
00:52:10aquelas pessoas demoníacas, diabólicas,
00:52:13ruins e malvadas e perversas.
00:52:15E posso falar algo que me entristece?
00:52:16Em vez de você argumentar,
00:52:18só concluindo,
00:52:20a favor da sua ideia
00:52:22e em combate aos elementos específicos
00:52:26da ideia contrária,
00:52:27você simplesmente demoniza as pessoas
00:52:29que defendem aquela outra ideia
00:52:31para pousar de salvador,
00:52:33daquele que vai chegar com a ideia mágica.
00:52:34O maniqueísmo, voltamos para o início.
00:52:36Exatamente.
00:52:37Os dois lados,
00:52:38só tem dois lados na história.
00:52:39Aí viram nós contra eles.
00:52:41É o populismo que acaba resgatando,
00:52:44realçando,
00:52:45turbinando o maniqueísmo.
00:52:47E isso continua sendo usado,
00:52:48o que me entristece é o fato
00:52:49de que você é tão antigo.
00:52:51Isso está na retórica de Aristóteles.
00:52:53Exato.
00:52:53Os acadêmicos sabem,
00:52:54os estudiosos sabem,
00:52:55todo mundo sabe,
00:52:56e as pessoas continuam usando
00:52:57os mesmos artifícios,
00:52:59os mesmos argumentos,
00:52:59e ninguém encontra a defesa,
00:53:01ninguém explica.
00:53:02Gente, olha,
00:53:02isso está acontecendo,
00:53:03é isso, está errado.
00:53:05Por exemplo,
00:53:05as redes sociais.
00:53:06O mais enlouquecedor
00:53:08não é que impostores continuem usando
00:53:11ou pessoas mal intencionadas,
00:53:13é que muita gente caia ainda
00:53:15nesse truque
00:53:16que já foi diagnosticado,
00:53:20esquadrinhado, esmiuçado
00:53:21séculos atrás.
00:53:23Por isso que a gente tem que resgatar.
00:53:24Veja como o conteúdo universal
00:53:25não envelhece.
00:53:27Um dos exemplos que eu disse
00:53:28no livre-arbítrio,
00:53:29que Agostinho recorreu para falar
00:53:30do livre-arbítrio,
00:53:31não é porque a faca
00:53:32foi usada para matar
00:53:33que nós vamos parar
00:53:34de usar a faca
00:53:35para cortar o pão.
00:53:36Não é porque o livre-arbítrio
00:53:37é usado para o mal
00:53:38que o livre-arbítrio
00:53:38seja a causa do mal.
00:53:40Então não é porque algo
00:53:41está sendo mal usado
00:53:42que o problema está nisso,
00:53:43está sendo nas pessoas
00:53:44que usam o mal.
00:53:45Isso vale para as redes sociais.
00:53:47Exato.
00:53:47Isso vale para tudo.
00:53:49Ou seja,
00:53:49porque as pessoas
00:53:50estão falando mal
00:53:51de tal pessoa,
00:53:52estão falando coisas
00:53:53que são indefensáveis,
00:53:54nós vamos cortar a língua
00:53:55das pessoas?
00:53:56É a mesma coisa,
00:53:57você está cortando
00:53:58a língua das pessoas.
00:53:59Ou seja,
00:53:59é o mesmo truque retórico
00:54:01de sempre.
00:54:02Você está usando
00:54:02o etos,
00:54:03você está destruindo
00:54:06o caráter da pessoa,
00:54:07está usando o partos,
00:54:09que é a chantagem sentimental,
00:54:11e zero logos,
00:54:12zero argumento.
00:54:14Zero argumento.
00:54:14Você usa a chantagem sentimental,
00:54:16o apelo patético,
00:54:18você usa a destruição
00:54:19do caráter da pessoa,
00:54:20você cancela a pessoa,
00:54:21mas você não tem argumento.
00:54:22E quando você chama a pessoa,
00:54:23vamos argumentar,
00:54:24dá suas razões,
00:54:25a pessoa fica em silêncio,
00:54:28muda de assunto.
00:54:28E lamentavelmente,
00:54:30essa linguagem que até,
00:54:31pelo menos algumas décadas atrás,
00:54:33estava mais restrita
00:54:34a uma militância política,
00:54:35ela foi invadindo
00:54:37o poder judiciário.
00:54:39E ela está sendo usada
00:54:40em votos,
00:54:41em decisões judiciais
00:54:42que ditam os rumos do país.
00:54:44Então,
00:54:44é gravíssimo
00:54:45e, obviamente,
00:54:46com consequência
00:54:46para milhões de pessoas.
00:54:48Agora,
00:54:49não quero encerrar
00:54:50esse podcast
00:54:50sem tocar
00:54:51num ponto específico,
00:54:53tratando aqui
00:54:53da obra de Santo Agostinho
00:54:55e de várias outras
00:54:56relacionadas a Deus,
00:54:58à Igreja Católica.
00:55:00As pessoas
00:55:01que não acreditam
00:55:02em Deus,
00:55:03as pessoas
00:55:04que têm
00:55:05outras crenças,
00:55:06as pessoas
00:55:07que até
00:55:08têm críticas
00:55:09à Igreja Católica
00:55:10por diversas razões,
00:55:12etc.
00:55:13Ainda assim,
00:55:15elas têm
00:55:15o que aprender
00:55:16com a obra
00:55:17de Santo Agostinho,
00:55:18porque tudo
00:55:18que a gente estava
00:55:19falando aqui,
00:55:20embora você
00:55:20sempre colocando
00:55:22a questão de Deus
00:55:23na obra agostiniana,
00:55:26é de suma importância
00:55:29para qualquer pessoa
00:55:31hoje.
00:55:31Quer dizer,
00:55:32essa noção
00:55:32de responsabilidade
00:55:33individual,
00:55:34essa sinceridade
00:55:36consigo,
00:55:37antes de tudo,
00:55:39eu entendo
00:55:41que tem um legado
00:55:43aí,
00:55:44mesmo que a pessoa
00:55:44não creia em Deus.
00:55:47Você enxerga assim?
00:55:48Como é que você avalia?
00:55:50Eu fiz meu doutorado,
00:55:52meu mestrado
00:55:53na USP,
00:55:54o mestrado em Letras
00:55:55e o doutorado
00:55:55em Filosofia,
00:55:57e tem uma cadeira
00:55:57para professores
00:55:59que estudam Agostinho.
00:56:01Eu não tenho estatísticas,
00:56:03mas eu sei que é um
00:56:03dos filósofos mais procurados,
00:56:05acho que se for
00:56:05índice das buscas
00:56:07no Google
00:56:07e em sites
00:56:09de artigos acadêmicos,
00:56:11talvez Agostinho
00:56:11seja um dos filósofos
00:56:13mais procurados,
00:56:13mais pesquisados.
00:56:15E a maioria das pessoas,
00:56:16não sei se a maioria,
00:56:17mas grande parte
00:56:18não são pessoas crentes
00:56:20que acreditam em Deus.
00:56:21Então, assim,
00:56:21se você acredita no belo,
00:56:23se você acredita no bem,
00:56:25se você acredita
00:56:27em tentar honestamente
00:56:31buscar a verdade,
00:56:33com profundidade
00:56:35e com sinceridade,
00:56:36não tem como você
00:56:37não se apaixonar
00:56:38por Agostinho.
00:56:39Não só por conta
00:56:39da linguagem,
00:56:40ao contrário
00:56:41da aridez de Aristóteles.
00:56:42É até um adjetivo
00:56:45talvez injusto
00:56:48com relação a Aristóteles,
00:56:49porque o que chegou
00:56:50até nós
00:56:50não foi a obra dele completa,
00:56:52foi a obra editada,
00:56:54notas para alunos
00:56:54e tudo mais.
00:56:55Mas você tem
00:56:56Tomás de Aquino,
00:56:56por exemplo,
00:56:57que é outro grande pensador,
00:56:58mas cuja obra é árida.
00:57:00Agostinho era um poeta,
00:57:01como Platão.
00:57:02Platão era um poeta trágico
00:57:03antes de ser filósofo.
00:57:04Então, a obra de Platão
00:57:05é uma delícia,
00:57:06porque ele domina as palavras.
00:57:09Agostinho é a mesma coisa,
00:57:10ele domina as palavras.
00:57:11A obra é extremamente poética.
00:57:12As confissões
00:57:13são uma oração,
00:57:15é um salmo.
00:57:16Ele quase que emula,
00:57:18vamos dizer assim,
00:57:18a linguagem dos salmos
00:57:19para falar de filosofia,
00:57:21de termos filosóficos.
00:57:22Tem uma riqueza literária.
00:57:24Sim, com certeza.
00:57:25Então, assim,
00:57:25por gosto estético,
00:57:27sem dúvida nenhuma.
00:57:28O latim,
00:57:29sou apaixonado,
00:57:30acho que se Deus fala
00:57:31alguma língua,
00:57:32Deus não fala.
00:57:32Mas existe em português.
00:57:33Se Deus falasse alguma língua,
00:57:34tinha que ser o latim,
00:57:35apesar de se apaixonar
00:57:36por grego,
00:57:37Dionísio escreveu em grego,
00:57:38o latim é uma língua belíssima.
00:57:40Óbvio que o livro
00:57:41está em português.
00:57:42Então, deixar claro,
00:57:43as pessoas acharem
00:57:431.600 pais escritos em latim,
00:57:45não, o latim é língua morta,
00:57:46óbvio, a gente traduz,
00:57:47a gente estuda.
00:57:48Então, assim,
00:57:49Agostinho que falou
00:57:50sobre estética,
00:57:52sobre beleza,
00:57:53Agostinho que falou
00:57:53sobre questões eternas,
00:57:56como origem do mal,
00:57:58não é?
00:57:58Ele tenta explicar
00:57:59o sofrimento das crianças,
00:58:01o sofrimento dos animais,
00:58:02não é?
00:58:02A questão da graça
00:58:04da liberdade
00:58:05envolve a questão
00:58:06que hoje a neurociência toca.
00:58:08Afinal de contas,
00:58:09existe realmente
00:58:10o livre-arbítrio
00:58:11se somos geneticamente determinados,
00:58:14porque a gente,
00:58:15há quem defenda
00:58:16o determinismo genético,
00:58:18ou seja,
00:58:18que a pessoa já nasce
00:58:20com o gene
00:58:20do malfeitor
00:58:22ou do estuprador
00:58:23e coisas assim.
00:58:24Então, assim,
00:58:25há correntes
00:58:25que defendem
00:58:26esse pensamento.
00:58:27e ele já está tratando
00:58:28dessas coisas.
00:58:29Então, assim,
00:58:30é uma obra riquíssima,
00:58:31é um grande pensador,
00:58:32uma obra riquíssima
00:58:33que merece ser conhecida.
00:58:35Então,
00:58:36não tenho elogios,
00:58:38não tenho suficientes
00:58:39para Agostinho,
00:58:40sem dúvida.
00:58:40Eu digo isso
00:58:40até porque o relativismo
00:58:42e todo um movimento político
00:58:44anticristão,
00:58:45eles geraram,
00:58:46principalmente,
00:58:46acho que nas novas gerações,
00:58:48um certo preconceito
00:58:49contra autores
00:58:50ligados ao cristianismo.
00:58:52não é como se,
00:58:52ah,
00:58:53isso aí é
00:58:53pregação religiosa
00:58:56e as pessoas
00:58:57perdem
00:58:58todo esse universo.
00:58:59Nada mais equivocado
00:59:01e há filósofos
00:59:02e, olha,
00:59:03para ter uma noção,
00:59:03Ana Arendt.
00:59:05Sim,
00:59:05você falou origem do mal
00:59:07e eu já pensei
00:59:07em origens do totalitarismo
00:59:09da Ana Arendt.
00:59:09A tese dela
00:59:10foi em Santo Agostinho,
00:59:11quem foi o orientador
00:59:12foi o Heidegger,
00:59:13que era apaixonado
00:59:14por Santo Agostinho
00:59:15e Heidegger
00:59:15era tudo menos um cristão.
00:59:17Heidegger não era.
00:59:19Acabou se alinhando
00:59:20ao nazismo,
00:59:21tem toda uma história
00:59:22grande filósofo,
00:59:23sem dúvida nenhuma.
00:59:24E ele era agostiniano,
00:59:25apaixonado por outro filósofo,
00:59:26talvez considerado por alguns
00:59:28como o maior filósofo
00:59:29do século XX,
00:59:31o Wittgenstein.
00:59:32O Wittgenstein,
00:59:33uma das suas obras
00:59:33mais importantes
00:59:34em investigações filosóficas,
00:59:36ele começa a obra
00:59:37analisando uma passagem
00:59:39nas Confissões,
00:59:40em que Agostinho está lá
00:59:41falando da linguagem,
00:59:42como a criança aprende
00:59:43a linguagem,
00:59:43ele vai lá e usa essa obra,
00:59:45mostrando que era
00:59:45leitor de Agostinho.
00:59:47Então, assim,
00:59:47a lista de filósofos
00:59:49do século XX,
00:59:50só para ficar no século XX,
00:59:51que estudam,
00:59:52leem,
00:59:53se interessam para Agostinho,
00:59:54é imensa.
00:59:54Aquele que acha que
00:59:55Santo Agostinho
00:59:56é um beato
00:59:58no mau sentido da igreja,
00:59:59que beato quer dizer feliz,
01:00:00se ele fosse um beato,
01:00:01ele já estaria satisfeito,
01:00:02é uma pessoa feliz,
01:00:03porque essa é a palavra
01:00:04beatus em latim quer dizer feliz,
01:00:06é uma pessoa bem-aventurada.
01:00:08Mas que seja apenas um religioso
01:00:09que tem uma obra devocional,
01:00:11muito circunscrita,
01:00:12um ambiente eclesiástico,
01:00:14está muito equivocado.
01:00:16Ele é um grande pensador universal
01:00:17e, no meu modo de entender,
01:00:19ao lado do Platão,
01:00:20é um dos dois grandes pensadores
01:00:23do mundo ocidental.
01:00:25Aliás, você citou
01:00:26Santo Tomás de Aquino
01:00:27como um dos exemplos
01:00:28de um texto mais árido,
01:00:30mas, felizmente,
01:00:31também existem os neotomistas,
01:00:33quer dizer,
01:00:33aqueles que estudaram
01:00:34a obra de Santo Tomás de Aquino
01:00:36e, pelo menos,
01:00:37que se inspiraram nela também
01:00:38para produzir suas próprias obras
01:00:40que tornaram ela mais palatável,
01:00:42como o próprio Sertilans,
01:00:44que tem o livro
01:00:45A Vida Intelectual,
01:00:46que, para mim,
01:00:46é uma referência básica
01:00:47para quem quer ter uma vida mental,
01:00:49rica, de fato,
01:00:51porque não é autoajuda,
01:00:55mas ele consegue falar ali
01:00:58sobre o próprio cotidiano,
01:00:59sobre a própria rotina
01:01:00que deve ter alguém
01:01:01que precisa,
01:01:02como você,
01:01:03como eu,
01:01:04transitar entre os livros,
01:01:06entre o conhecimento histórico
01:01:07deixado como legado
01:01:10ao longo dos séculos
01:01:11e o mundo prático.
01:01:13Quer dizer,
01:01:13a gente precisa trabalhar,
01:01:14a gente precisa ir na rua,
01:01:15precisa fazer as nossas compras,
01:01:18precisa resolver a burocracia, etc.
01:01:20Como ter uma vida intelectual e tal?
01:01:22E o Sertilans organiza isso
01:01:24naquela obra.
01:01:26Então, tem muitos autores
01:01:27que conseguiram transformar a obra
01:01:31de autores mais áridos
01:01:33em algo mais palatável
01:01:35para as novas gerações.
01:01:36Essa história do ateísmo
01:01:37é uma coisa do século XX para cá,
01:01:40porque se você olhar para trás
01:01:41na história dos grandes filósofos,
01:01:44é difícil se encontrar
01:01:45uma mão de filósofos
01:01:47que não acreditavam em Deus.
01:01:49O próprio Platão é um teólogo.
01:01:51Aristóteles,
01:01:54puxa vida,
01:01:54o termo teologia
01:01:55praticamente surge com ele.
01:01:58Então,
01:01:58num sentido diferente,
01:01:59sem dúvida.
01:02:00Então, assim,
01:02:01essa noção
01:02:01de que existe algo além
01:02:03que o ser humano,
01:02:05essa humildade de saber
01:02:06que o ser humano
01:02:06não tem respostas para tudo,
01:02:07que a razão não dá conta de tudo,
01:02:10é um sinal
01:02:12de uma grande humildade
01:02:13e eu acho que a humildade
01:02:14é um dos legados de Sócrates,
01:02:17que todo filósofo
01:02:18deveria seguir.
01:02:19O filósofo de nariz empinado
01:02:20é um contra-acesso.
01:02:21Ricardo Taurizano,
01:02:22senhoras e senhores,
01:02:23que alegria,
01:02:24que honra
01:02:24e que prazer poder filosofar
01:02:26aqui no meio da tarde,
01:02:27um dia de semana,
01:02:28enquanto está acontecendo
01:02:29um monte de coisa na política
01:02:30e eu agora,
01:02:31assim que acabar,
01:02:32vou ter que ler exatamente
01:02:34tudo o que está acontecendo,
01:02:35mas como é bom
01:02:36e importante
01:02:37a gente transitar
01:02:38entre aquele mundo imediato
01:02:41das notícias,
01:02:42tudo o que acontece ali
01:02:44e que muita gente
01:02:45lê superficialmente,
01:02:46mas trazer as questões de fundo
01:02:48e é um dos objetivos
01:02:49aqui do nosso podcast,
01:02:50Gaishuá,
01:02:50pra gente justamente
01:02:51poder aprofundar o debate.
01:02:53Então, parabéns pela sua obra,
01:02:55parabéns por conseguir,
01:02:56eu sei que é muito difícil,
01:02:58viver uma vida intelectual,
01:03:00principalmente num país
01:03:01como o Brasil,
01:03:02que te dá muito poucas ferramentas,
01:03:04você tem que correr atrás
01:03:05contra muitas adversidades,
01:03:06pra construir um tempo
01:03:08pra ler,
01:03:09pra estudar
01:03:10e ainda refletir sobre aquilo
01:03:12e ainda escrever sobre aquilo
01:03:14que dá muito trabalho
01:03:15e conseguir
01:03:16ter dinheiro,
01:03:18ter salário,
01:03:19pra conseguir se alimentar,
01:03:20pra conseguir construir
01:03:21a sua família.
01:03:21É um grande desafio
01:03:22ter uma vida intelectual
01:03:24no Brasil.
01:03:24Aliás,
01:03:24só pra encerrar,
01:03:25você não sente isso?
01:03:27É um desafio
01:03:28e, mas no meu modo de entender,
01:03:30como pra Agostinho e pros antigos,
01:03:32não existe uma separação
01:03:33entre a filosofia e a vida.
01:03:34A filosofia pros antigos
01:03:36era um modus vivendi,
01:03:37ou seja,
01:03:37um modo de vida.
01:03:38A filosofia não era
01:03:39um exercício intelectual,
01:03:41você fica numa torre de marquinha ali,
01:03:43especulando apenas,
01:03:45como muitas vezes acontece
01:03:46no mundo acadêmico.
01:03:47Era um modo de vida.
01:03:48Então, assim,
01:03:49aplicar a filosofia
01:03:50na própria vida.
01:03:51Não apenas os cristãos,
01:03:53mas você vai ver isso
01:03:54com o estoicismo,
01:03:54com o epicurismo,
01:03:55com o platonismo,
01:03:56todos eles aplicavam aquilo.
01:03:58Aquilo era um modo de vida
01:03:59pra eles.
01:03:59Então, assim, realmente...
01:04:00É o que prega a certilândia,
01:04:01inclusive.
01:04:01É muito difícil
01:04:02num mundo em que as pessoas
01:04:03não valorizam mais o livro.
01:04:05Você chega numa casa,
01:04:06você não encontra um livro
01:04:07em lugar nenhum.
01:04:08Antigamente,
01:04:08você tinha estantes de livro
01:04:09na sala de estar,
01:04:10hoje em dia,
01:04:10o livro tá escondido
01:04:11em algum lugar.
01:04:12Talvez embaixo da mesa,
01:04:13porque a mesa tá com o pé manco,
01:04:14então a pessoa botou um livrinho ali
01:04:18e, infelizmente,
01:04:19isso é uma característica
01:04:20do nosso tempo, não é?
01:04:22Agora...
01:04:23Mas eu acho que o livro
01:04:23não vai morrer.
01:04:24Eu acho que esses grandes pensados
01:04:26que daqui a dois mil anos
01:04:27as pessoas ainda vão estar lendo
01:04:28Augustinho e Platão.
01:04:29E, pra mim,
01:04:30é uma honra
01:04:31estar aqui conversando com você.
01:04:32Admiro demais o seu trabalho.
01:04:34Admiro...
01:04:34Muito obrigado.
01:04:35Admiro.
01:04:35E sou um espectador
01:04:37através do canal do YouTube.
01:04:40Então, deixo um abraço também
01:04:41pro Duda,
01:04:42que é o seu comentarista.
01:04:44Sim, Duda Teixeira.
01:04:45Tá aqui na redação,
01:04:46trabalhando enquanto a gente
01:04:46tá aqui gravando.
01:04:47Então, uma honra pra mim.
01:04:48Espero que não tenha sido cansativo.
01:04:49Passou rápido pra mim.
01:04:51Não sei se passou rápido
01:04:51pra audiência.
01:04:52Imagina.
01:04:53E, só pra terminar,
01:04:54as dicas,
01:04:54Merchan,
01:04:55são esses livros?
01:04:57Eles podem ser comprados onde?
01:04:59Pro Amazon.
01:05:00Amazon.
01:05:01Amazon.
01:05:02Esse aqui tá fora de catálogo.
01:05:03Vou reeditar
01:05:04pra outra editora,
01:05:05mas ainda se encontra
01:05:06um preço inflacionado,
01:05:09porque ele não tá sendo editado mais,
01:05:11mas eu vou relançar.
01:05:12Esse acabou de ser lançado,
01:05:13você encontra na Amazon,
01:05:14encontra na editora CRV.
01:05:16Esse você encontra na Amazon,
01:05:18Realizações,
01:05:20que a Filocalia também é um selo
01:05:22da Realizações,
01:05:22através do Edson,
01:05:24que fez esse brilhante trabalho.
01:05:25Então, eles estão ali,
01:05:26eles estão sendo vendidos,
01:05:28estão ali.
01:05:28Então, tem palestra no YouTube também,
01:05:30explicando um pouquinho,
01:05:32tem uma palestra de lançamento do livro,
01:05:33explicando um pouquinho sobre o livro.
01:05:35Exato.
01:05:35Então, é isso.
01:05:36Foi a palestra que o Edson me indicou,
01:05:38e aí eu conheci o seu trabalho.
01:05:40E a sua formação, qual é?
01:05:41Eu sou formado em letras.
01:05:43Minha segunda formação,
01:05:45sou formado em matemática financeira.
01:05:47Olha só.
01:05:47Eu sou matemática financeira no exterior,
01:05:49e não era o meu caminho.
01:05:51E quase uma década depois,
01:05:53fui fazer letras,
01:05:54me apaixonei pelo latim,
01:05:55através do latim,
01:05:56cheguei a Agostinho,
01:05:57aí fiz mestrado em letras,
01:06:00letras clássicas,
01:06:00e pôs o doutorado em filosofia medieval,
01:06:02tudo na USP.
01:06:03É, porque a gente é jovem,
01:06:04acho que você devia ter isso,
01:06:06é um raciocínio lógico mais apurado,
01:06:08e acaba levando mais para as exatas,
01:06:10porque eu fiz dois anos de engenharia,
01:06:11mas o raciocínio lógico
01:06:12é muito importante para tudo isso.
01:06:14Nossa senhora.
01:06:14Nossa, matemática era a disciplina
01:06:16mais importante para Platão,
01:06:17a matemática.
01:06:19Pois é.
01:06:19Ele tinha, diz Diógenes Laércio,
01:06:23um dos biógrafos,
01:06:23dos filósofos,
01:06:24que em cima da academia,
01:06:26na entrada da academia,
01:06:26estava lá.
01:06:27O seguinte dizer,
01:06:28se não for geômetro,
01:06:30geômetro não entre.
01:06:31Ou seja.
01:06:32Exatamente,
01:06:32porque ajuda a desenvolver
01:06:34a capacidade de abstração,
01:06:35de organização da ideia,
01:06:38da própria retórica,
01:06:40das palavras.
01:06:41Então, muitos colégios,
01:06:42eu falo isso quando dou entrevista
01:06:43e pode dizer que eles acabam empurrando
01:06:44quem tem raciocínio lógico
01:06:45para as exatas,
01:06:47quando na verdade a gente precisa
01:06:48de mais gente com raciocínio lógico
01:06:50nas áreas humanas também.
01:06:51A lógica é matemática em letras,
01:06:53vamos dizer assim,
01:06:54praticamente.
01:06:55Porque a lógica é raciocínio matemático.
01:06:56E a lógica é um dos estudos também
01:06:58dos grandes filósofos.
01:06:59Sim, é uma das partes da filosofia
01:07:00desde a antiguidade.
01:07:01E aí dêem o logos também,
01:07:03que é o raciocínio lógico,
01:07:04que é uma das maneiras de convencer,
01:07:06de argumentar,
01:07:07de defender e vender ideias.
01:07:09Ricardo Taurizano,
01:07:10muito obrigado pela sua participação
01:07:12no Podcast O.A.
01:07:13A gente está aqui todo dia,
01:07:15segunda a sexta-feira,
01:07:16com o Papo Antagonista,
01:07:17de 18h às 19h30,
01:07:19ao vivo na TV BMC
01:07:20e no canal de YouTube
01:07:21de O Antagonista.
01:07:22No canal de YouTube
01:07:23tem outros programas também.
01:07:24E o Podcast O.A.,
01:07:25toda segunda,
01:07:26com um convidado diferente,
01:07:27presencial,
01:07:28aqui no estúdio,
01:07:29às 19h30.
01:07:32Recomendem esse episódio
01:07:33para os seus amigos
01:07:34e também assistam aos outros.
01:07:35Um grande abraço
01:07:36e até a próxima.
01:07:37Tchau.
01:07:37Podcast O.A.
01:07:45Conversa boa de ver e ouvir.
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