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  • há 5 dias
No primeiro episódio do #BoraBrilharCast, Luanda Vieira recebe Weena Tikuna para falar sobre ancestralidade, suas perspectivas e como isso impacta na construção da identidade feminina no presente e futuro. 💜

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Weena Tikuna: @weena_tikuna
Transcrição
00:00Oi pessoal, eu sou Luanda Vieira, jornalista, e esse é o Bora Brilhar Cast, o videocast da Endemol Shine Brasil.
00:08Uma coisa é certa, o Brasil é um país miscigenado, mas raramente a gente reflete sobre as consequências disso
00:16para a construção da nossa própria identidade.
00:19Enquanto milhares de pessoas sabem exatamente de onde elas vêm,
00:23muitas outras não têm ideia de suas origens por falta de acesso a familiares ou a documento.
00:29A questão é que a ancestralidade vai muito além da genética e da terra.
00:34A ancestralidade é sobre alimentação, cultura e arte.
00:39E neste episódio falaremos justamente sobre isso com a participação de Vena Ticuna,
00:45ativista, palestrante e nutricionista.
00:47Vena, é um prazer te receber aqui hoje, principalmente para falar sobre ancestralidade,
01:02que é um assunto tão comum a nós duas.
01:05E eu começo te perguntando justamente isso, o que é ancestralidade para você?
01:09Eu disse que é um prazer poder estar aqui com você, Luanda.
01:18A ancestralidade, para mim, é a nossa identidade, é quem nós somos.
01:24Sabemos da nossa origem e acho que falar da ancestralidade é falar da nossa essência.
01:30Então, por isso que eu estou aqui com a minha identidade, com todos os brincos, a pintura,
01:40ela tem toda uma origem e uma ancestralidade, que é a nossa identidade.
01:45E eu queria que você falasse um pouco sobre em que momento da sua vida
01:49você entendeu sobre essa sua identidade, sobre a sua ancestralidade.
01:55Até então, eu não sabia que eu era diferente das pessoas,
02:00porque toda a minha infância foi dentro da aldeia indígena, na minha reserva de onde eu vim.
02:07Eu nasci na aldeia Umariaçu, que fica localizada no Amazonas, no rio Alto Solimões,
02:16porque no Amazonas nós temos dois tipos de rio, o rio Negro e o Solimões.
02:20Eu sou do Solimões, onde vive o povo ticuna.
02:23Até toda a minha infância, eu não sabia que existiam outros povos, outras línguas, outras culturas.
02:30Eu fui entender que eu era diferente quando eu comecei a falar e as pessoas não entendiam a minha língua.
02:36E aí caiu a ficha, onde eu entendi que eu não estava no meio das pessoas normais.
02:42Para mim, normal era o meu povo.
02:45E foi com muita dificuldade que eu aprendi a língua portuguesa.
02:50Aí eu vi que realmente eu estava conhecendo uma identidade, outra origem, outras pessoas,
02:58até outros povos também, porque nós que somos indígenas, no Brasil ainda somos mais de 305 povos,
03:06ainda falando mais de 205 línguas faladas.
03:10Então, a cultura nossa, ela é muito rica.
03:14Então, até aprender tudo isso foi através dos estudos mesmo.
03:18Sim, e nos bastidores você estava me contando um pouco da sua trajetória.
03:23E eu queria muito que você trouxesse isso aqui para a gente,
03:26o quanto o seu pai foi visionário ao falar que você precisava aprender o português.
03:31Então, eu queria que você contasse um pouco dessa história.
03:34E no momento ali que você não tinha ideia do porquê e o que ele te falou.
03:40Sim, no meu povo, devido à falta de comunicação, aconteceu várias tragédias.
03:47E teve um massacre de falta de comunicação entre os pajés e os garimpeiros,
03:53que estavam indo, madeireiros, que estavam indo na minha aldeia, no meu território.
03:58E aí, ninguém conversava a mesma língua.
04:01Então, eles tiveram, entraram na minha aldeia e mataram todas as crianças que estavam naquele momento.
04:09Caciques morreram.
04:10Então, é até um momento histórico que faz 37 anos que isso aconteceu.
04:18E nesse período, meu pai tinha seis filhos.
04:22E ele, com o conhecimento dele, falaram para ele que nós, como filhos,
04:28tinha que aprender o português como uma forma de nos defender, defender nosso território.
04:35E dessa forma, a gente poderia falar com o presidente,
04:39com uma pessoa que pudesse nos ajudar a fortalecer a nossa cultura e falar por nós.
04:45Porque por muito tempo, nós, indígenas, fomos tutelados.
04:48Então, todas as pessoas falavam por nós, porque a gente não tinha como a gente se comunicar,
04:54porque a gente falava a língua nativa.
04:56E hoje, a gente consegue falar devido a essa persistência e resistência do meu pai,
05:02de nos tirar da aldeia e levar os filhos para a capital de Manaus,
05:08para a gente aprender a língua português.
05:11E ele sempre ensinou e sempre incentivou que a gente tinha que aprender a ler,
05:14tinha que aprender a língua português como uma forma de defender o nosso território.
05:19Sim, eu achei lindo quando você contou isso, porque é justamente o que a gente precisa, né?
05:25E eu falo, enquanto mulher negra, que é dominar a nossa narrativa, né?
05:30A gente não precisa que outras pessoas falem por nós.
05:33A gente tem que contar a nossa história.
05:35E você traz a questão de poder falar com presidentes, enfim.
05:39E eu queria que você falasse sobre a importância da gente finalmente ter uma ministra indígena, né?
05:45O que isso significa? O que isso representa?
05:48Muito. Representa muito.
05:50Porque por muito tempo, como eu falei, o povo indígena nunca teve a voz, né?
05:55Então, hoje, para a gente poder mostrar que a gente está naquele lugar de fala,
06:01a gente tem que mostrar que a gente também tem uma universidade,
06:06tem um diploma, que faz doutorado, né?
06:09Antigamente, o nosso conhecimento ancestral, as pessoas não davam tanta importância, né?
06:14Hoje, poder ter uma pessoa que representa a nossa cultura, a nossa voz, a nossa identidade,
06:20a nossa origem é algo muito importante.
06:23Depois de tantos séculos de luta e resistência dos povos indígenas,
06:27chegou o momento de uma mulher, a Sonha Guajajara, né?
06:31Uma guerreira, poder lutar juntamente com a Célia, com a Joenha,
06:36que são mulheres que enfrentaram todos os obstáculos, todos os desafios,
06:42todo o preconceito que a sociedade brasileira ainda resiste, né?
06:48Porque não conhece a sua verdadeira história, né?
06:51Eu digo que o povo brasileiro, ele tem um 3DNA do indígena, do negro e do branco, né?
06:57É um lugar que não deveria ter o preconceito, mas infelizmente, isso é só falas, né?
07:03Mas a gente sente na pele, dentro das universidades, nas ruas, se eu ando assim, se eu saio assim,
07:08onde é o carnaval, né?
07:10Então as pessoas não sabem que isso daqui não é carnaval, né?
07:14Não é fantasia, né?
07:15As minhas pinturas, as minhas roupas não são de carnaval,
07:18é a minha identidade, a minha origem, a minha ancestralidade, né?
07:22Então é isso que a gente tem que colocar em pauta, né?
07:25E assim, quando eu recebi o convite, eu fiquei muito feliz, né?
07:29Porque esses espaços, por muito tempo, a gente não tinha esses espaços, né?
07:35É muito importante a gente poder aldear todos os espaços,
07:40ocupar esses espaços que por muito tempo, ela nunca foi aberta para nós, né?
07:45Então hoje, poder estar aqui, falar da nossa identidade, da nossa ancestralidade,
07:50poder ocupar, né, desse protagonismo que é muito necessário, né?
07:55Ser ouvida, ser escutada, mostrar toda a importância do povo indígena, né?
08:01No mercado, né?
08:02Se a gente pensar, se você anda aqui em São Paulo, várias ruas, né?
08:07Cidades têm nome da origem indígena, né?
08:10Mesmo assim, ainda a gente sofre o preconceito, a discriminação, né?
08:15É como se o indígena, ela não fosse tão, não tivesse tanta importância, né?
08:19E hoje a gente mostra, não, que a nossa identidade, ela é muito forte ainda.
08:23Sim, eu acho que você traz isso também com a ajuda das redes sociais.
08:28Eu queria que você me falasse isso, o quanto as redes sociais mudaram a sua vida
08:33em relação a poder espalhar sobre a sua cultura, poder falar que você existe.
08:39Eu conheci o computador, né?
08:43Foi na minha comunidade indígena, na capital de Manaus, na comunidade indígena Wotimanku,
08:51quando a gente recebeu uma doação, né, de máquinas, né?
08:54Onde a gente estava aprendendo tudo e até não sabia como usar, né, desse sistema.
09:00E foi muito importante pra mim, quando eu entrei na faculdade, quando as pessoas me olhavam, né?
09:07E falavam assim, nossa, você parece uma japonesa, né?
09:11Nossa, as suas pinturas, o que isso significa?
09:14Nossa, as suas roupas, você que faz, né?
09:16Então, quando eu tive o conhecimento da internet, né, de começar a falar,
09:22não foi por, assim, você é uma influência, porque naquela época não existia, no ano de 2009, né?
09:28Não existia isso.
09:30Pra mim, né?
09:31Pra mim, estava tão distante.
09:33E aí eu comecei a falar, poxa, eu poderia falar, né?
09:37As pessoas querem saber, né?
09:39Muitas vezes o preconceito existe porque as pessoas também não têm conhecimento, né?
09:46Da sua cultura, da originalidade.
09:49Então, eu vi, eu falei, vou começar a falar.
09:51Vou falar das minhas pinturas, das músicas, né?
09:55Das minhas roupas.
09:57E foi assim surgindo.
09:58Primeiro no Facebook, depois foi pro YouTube, do YouTube foi hoje pro Instagram, né?
10:05E foi começando a crescer.
10:06As pessoas interessadas em ouvir, conhecer a cultura, né?
10:10Falei, poxa, que legal.
10:11E eu comecei a lançar bonecas, comecei a lançar a minha marca, né?
10:16Comecei a criar minhas roupas.
10:18E as pessoas foram chegando, né?
10:19Com curiosidade.
10:21E os convites foram chegando.
10:22Então, eu acho que a rede social, ela traz isso, né?
10:26Essas informações, que a gente conhece as pessoas de vários lugares do mundo, né?
10:31Que tem a carência, né?
10:33De conhecer a verdadeira história, né?
10:35Quando fala, eu sou povo ticuna.
10:38Ah, não.
10:38Mas o ticuna não é uma nação?
10:41Não.
10:41É uma nação, sim.
10:43Né?
10:43Mas é uma etnia, né?
10:45Até isso, as pessoas não sabem o que é etnia, né?
10:48Então, o que é toda essa nossa informação, né?
10:52Dos povos indígenas.
10:53E cada um, o povo, tem a sua língua, sua espiritualidade, né?
10:57Então, aí eu fui explicando, né?
10:59Pro meu público, tudo isso.
11:01Então, eu fui gostando, né?
11:03Então, os convites foram surgindo daí, né?
11:05Então, hoje, a gente dá palestra fora do país, né?
11:10Hoje, eu tenho a minha própria marca, né?
11:12Então, estamos vivendo uma era, né?
11:16De as pessoas estão reconhecendo o nosso trabalho,
11:18tendo mulheres tão empoderadas, né?
11:21Poder fazer parte desses encontros, né?
11:24De líderes, né?
11:25Hoje, eu faço parte também das mudanças climáticas, né?
11:29Por muito tempo, assim, até eu fico emocionada em falar
11:34que a minha avó, toda a minha infância dentro da aldeia indígena,
11:38ela sempre falava com as plantas.
11:40E as pessoas, se eu converso com a planta, eu falo, você é louca, né?
11:44Mas era tão importante falar, porque ela fala, as plantas nos ouvem, né?
11:50Se você fala, ela vai crescer, ela vai te dar frutos.
11:53E se tem uma semente, você não deve jogar, você deve plantar, né?
11:57Se você come uma fruta, né?
12:00Você não tem que jogar, você deve plantar.
12:02Se você tá comendo, andando aqui na floresta,
12:05alguém plantou pra você poder se alimentar.
12:07Então, você tem que fazer a mesma coisa.
12:09E você tem que ensinar os seus filhos a mesma coisa.
12:12Por isso que tem alimento dentro da minha aldeia.
12:14E aí, foi tão importante essa fala dela pra mim,
12:17que hoje eu falo dessa informação.
12:20Minha avó já falava sobre isso.
12:23Sobre a preservação, sobre o cuidar pra gente.
12:25Tudo é...
12:25O tu, na minha língua, é sagrado.
12:29As pessoas, não tem tanta importância à floresta, aos rios,
12:32mas a floresta, a terra, ela é a nossa vida.
12:36Sem água, você não consegue viver.
12:38Sem a floresta, você morre de calor, né?
12:42Então, é muito importante a gente conscientizar as pessoas, né?
12:47Ela realmente ver que essas mudanças climáticas
12:50que nós estamos sentindo na pele,
12:52até na minha aldeia, secas, que nunca aconteceram,
12:55está acontecendo porque as pessoas nunca ouviram os originários.
12:59Nunca ouviram os povos indígenas.
13:01A gente sempre alertou da importância da floresta,
13:05a importância dos rios, né?
13:07Então, hoje, aqui no Brasil, vai cair a COP, né?
13:11Agora em novembro, em Belém.
13:14Então, é o momento, realmente, de as pessoas se conscientizar
13:17por que tudo isso?
13:19Por que essas mudanças climáticas?
13:21Tanto calor, tanta chuva, né?
13:24Tantos lugares, né?
13:25Pessoas morrendo, né?
13:27Então, é muito importante a gente conscientizar as pessoas dessa forma, né?
13:32Eu sempre fui conscientizada.
13:34E eu digo que nós, indígenas, a gente já nasce ativista, né?
13:39Eu não vou titular que eu sou ativista indígena.
13:42Eu já nasço ativista desde o momento que eu protejo o meu território.
13:48Desde o momento que eu sou ensinada a cuidar das pessoas que estão à minha volta, né?
13:54Porque nós, indígenas, somos assim, nós nos cuidamos um do outro
13:58para manter viva a tradição, para manter viva a nossa identidade, né?
14:03Para que podamos ocupar esse espaço de fala que nós estamos tendo hoje, né?
14:08Mostrar que a nossa identidade, a nossa ancestralidade, ela tem que permanecer.
14:13A gente não pode permitir que ela possa virar peça de museu.
14:17A gente tem que manter viva a nossa identidade.
14:19Por isso, nós estamos aqui hoje.
14:21Sim, com certeza.
14:22E qual que é a importância para você das raízes culturais e históricas
14:26para reforçar a identidade feminina?
14:29É muito importante.
14:31A gente fala sempre em todos os nossos encontros, né?
14:34Aliás, nós temos a Marcha das Mulheres Indígenas, né?
14:38Onde todas as mulheres anciãs se encontram, né?
14:43Todo ano, né?
14:45Em Brasília.
14:46Por que a gente tem esse encontro de ancestralidade?
14:50Porque nós sabemos que o papel da mulher, né?
14:53Tanto na sua casa, né?
14:57Tanto no seu trabalho, quanto na cultura indígena,
15:00a mulher que ocupa, né?
15:02A mulher que caça, a mulher que cuida dos filhos,
15:06a mulher que faz o alimento.
15:08Porque no meu povo, a mulher que planta, né?
15:10O marido vai lá para caçar, para ajudar, né?
15:13Mas a mulher, ela está sempre na frente.
15:15Então, eu sou ensinado por mulheres, né?
15:19Toda essa identidade, principalmente os cânticos sagrados
15:22que nós utilizamos no meu povo, né?
15:25Para não perder a nossa identidade.
15:27Porque, infelizmente, cada ano que passa,
15:30perde uma identidade.
15:31Quando perde uma identidade,
15:33não tem como reinventar uma língua, né?
15:37Se morre junto àquela cultura.
15:39Então, hoje é muito importante a gente manter as tradições.
15:43Então, as mulheres, elas têm um papel fundamental
15:47para poder manter esse ciclo.
15:50Por exemplo, eu sou mãe.
15:51Eu tenho uma filha de três anos.
15:53Então, eu desde pequena, eu ensino ela a importância, né?
15:57Das pinturas, a importância da identidade dela, né?
16:01Por isso, ela é batizada com o nome indígena, né?
16:04Ela tem dois DNA, né?
16:06Ela tem DNA indígena e o pai dela é branco, né?
16:10Então, ela tem um DNA da cultura da branquitude, né?
16:15Ela vai ter essa identidade, ela vai saber que ela é uma mestiça, né?
16:19Ela vai entender que a cultura da mãe dela é diferente da cultura do pai dela, né?
16:24Então, aí as pessoas vão me questionar.
16:26Mas por que você casou com um homem branco?
16:29Por muito tempo, né?
16:31As pessoas questionam a questão da pele, né?
16:34E aí que você vê também o preconceito das pessoas.
16:37Nós, desde pequena, eu aprendi.
16:40Eu nasci sem sabendo que existia preconceito.
16:45Só porque a pessoa é cor negra ou cor branca ou cor indígena, né?
16:49Eu aprendi o que é preconceito dentro da cidade.
16:53É algo que me chocou muito, né?
16:56Que as pessoas discrimina as pessoas pela cor, né?
17:00E isso foi algo que eu, até hoje, falei
17:03Como assim as pessoas? Nós somos iguais.
17:06A gente tem o cabelo, tem os olhos.
17:08Só as peles diferentes, a cultura diferente, a identidade diferente.
17:11Mas nós somos seres humanos, né?
17:13A gente tem coração, a gente tem alma, né?
17:16A gente abraça as pessoas.
17:17E isso é algo que me pesa bastante, né?
17:21Refletindo.
17:21Então, algo que eu falo, não, eu vou quebrar.
17:23Isso, né?
17:24Então, eu já namorei, já noivei um indígena, né?
17:29E a gente não manda no coração, né?
17:31É assim a identidade das pessoas, né?
17:34A identidade, as pessoas tinham que quebrar esse olhar de preconceito e amar, né?
17:40Amar o mundo, amar a floresta, né?
17:43Essa é a questão da espiritualidade.
17:45E a mulher, ela é a mãe.
17:47Ela é a mãe natureza, né?
17:48Ela é o ciclo do fortalecimento, ela é o ciclo da continuação.
17:54Então, a gente poder falar hoje da mulher, né?
17:58Não falo da mulher indígena, mas se a gente falar que a mulher indígena, ela é a matriz do povo brasileiro, né?
18:04Ela é o DNA da originalidade.
18:08Então, falar das mulheres, né?
18:10Porque a gente, quando fala de mulher, a gente não fala de nós.
18:14A gente fala das, né?
18:16Porque elas que fazem acontecer todo o movimento, todo o trabalho, todo o ciclo, né?
18:22Porque nós somos o quê?
18:23Somos fortes e poderosas, né?
18:25Sim, e eu queria entender de você, quando que você e como você aprendeu a lidar com esse choque cultural.
18:34Porque quando eu te ouço falar o quanto na sua aldeia a mulher, ela é a potência, né?
18:40E eu sei que na sociedade, em geral, a mulher também é a potência, ela é a base de tudo que acontece,
18:47mas ela não é respeitada como tal.
18:49Então, como foi pra você encontrar esse tipo de situação e aprender a lidar com isso, né?
18:57Foi através da minha mãe.
18:59Ela sempre mostrou quem mandava, né?
19:03Então, dentro da minha casa, eu sempre via a minha mãe como uma guerreira, né?
19:08Então, por ver ela uma guerreira, uma indígena, né?
19:12Uma artesã, uma mulher que batalha pra ver os filhos crescerem, né?
19:18A não se perder no meio do caminho, né?
19:21Então, ela me ensinou o que é ser.
19:24Ela é clã de arara e eu sou clã de onça.
19:27Porque no meu povo, nós somos divididos por clã de animais.
19:30E quando a gente leva o nosso nome, ela leva o nosso poder, né?
19:34Por exemplo, meu nome, ela quer dizer a onça que nada para o outro lado do rio.
19:39E ela sempre me falou, me ensinou que o meu nome é a minha identidade.
19:44Se é minha identidade, né?
19:46É a minha coragem.
19:47Se eu sou uma onça, eu tenho que alcançar o que eu almejo, né?
19:53Então, foi através das palavras dela, né?
19:56Como mulher que me ensinou a...
19:59Mesmo sofrendo preconceito dentro da universidade, com os professores, né?
20:05Ou fora também, até nas redes sociais.
20:08Ela sempre me fortaleceu com palavras positivas.
20:11Então, algo que eu levo sempre comigo.
20:13Eu nunca devo escutar pessoas negativas.
20:15Eu devo sempre me afirmar com coisas positivas.
20:21Que ela me fala, você pode, você consegue.
20:25Então, se eu estou aqui hoje, de sou quem sou hoje, né?
20:29Porque através dos meus pais, principalmente da minha mãe, que ela nunca abaixou a cabeça para nenhum homem, nem para o meu pai.
20:37Ela sempre via ela como uma mulher forte.
20:40Uma mulher que domina a casa.
20:43Então, a gente pega, né?
20:45Então, por isso que os filhos são os espelhos dos pais.
20:49Então, como a minha mãe é tão guerreira, eu também sou.
20:52E eu queria que você me falasse um pouco sobre como você cuida da sua saúde mental.
20:58Porque quando você diz sobre o preconceito que a gente sofre na faculdade, enfim, a gente não desiste, né?
21:06Porque a gente sabe o quanto aquilo é importante para a gente, mas precisa de muita coragem e força.
21:11Mas isso acaba com a nossa saúde mental também.
21:14Então, eu queria saber quais são os seus cuidados para se manter firme e viva.
21:19Olha, é algo que é uma doença da atualidade, né?
21:23A doença que as pessoas realmente sofrem, né?
21:28Ataques, hoje, às redes sociais, é uma doença, né?
21:31As pessoas nem conhecem você, nem sabem a sua identidade, né?
21:36A sua história, a sua resistência.
21:38E ela vê algo que você faz, vai lá te criticar, né?
21:42Ou coloca palavras, que palavras, elas têm poder para nós, né?
21:47Então, eu sempre, quando ouço coisas negativas ou coisas que me afetam, né?
21:53Eu sempre coloco algo que isso também pode me ensinar a ser melhor, né?
21:58Então, palavras que as pessoas, às vezes, que me atacam ou que falam algo negativo,
22:05sempre eu vou ouvir, vou escutar sim, por que não, né?
22:10E aí, como eu trabalho na questão da espiritualidade, né?
22:14A gente tem que sempre pensar em nós, né?
22:18Na nossa espiritualidade, no que nós somos de fato, né?
22:22Se a gente ouve as pessoas nos atacando, sem saber a tua coragem, a sua história,
22:31a sua resistência de estar onde você está, né?
22:34Ela nunca vai entender quem você é, né?
22:37Então, eu sempre digo, posso ser quem você é, sem deixar de ser quem sou.
22:44Posso ser indígena, posso ser artista plástica, nutricionista, design, ativista,
22:50mas a minha origem é a minha identidade, o que me move, o que me fortalece
22:56pra manter viva toda essa identidade, toda essa história, né?
23:00Eu sempre falo, tem uma música da minha irmã Joena, que ela fez pra minha avó, né?
23:05Que é a mãe da minha mãe.
23:07Só pra você falar, ver como mulher é o ciclo na nossa vida, né?
23:11Como mulher, ela nos transforma no quem nós somos, né?
23:16E ela, minha avó sempre dizia, tudo é o t'u.
23:20O t'u quer dizer sagrado.
23:22A água é sagrada, as crianças é sagrado, né?
23:26As pessoas são sagradas, os anciões são sagrados, as nossas músicas são sagradas.
23:32Então, ela diz na música, eu deixo esse legado pra vocês, né?
23:38Esse legado pra vocês continuar, né? Levando pra frente.
23:42Então, se é um legado, como mulher, né?
23:45A gente tem que somente o que é nos fortalecer pra levar para, né?
23:50Até o fim.
23:51Vena, e pra finalizar a nossa conversa, eu queria que você fizesse um balanço.
23:56Se você acredita que a gente vê um avanço na presença de pessoas indígenas
24:02em todos os ambientes hoje?
24:04Ainda é pouco, né? Por tempo que nós estamos aqui, né?
24:10Então, a luta pra nós, ela é contínua, né?
24:14A luta, ela não para.
24:16A luta, principalmente, pra sobreviver, né?
24:19A toda essa tempestade, história, né?
24:22Todo esse movimento, tem muitas terras ainda não demarcadas, né?
24:26Então, a nossa luta, ela é realmente constante.
24:29Então, são poucos espaços, né?
24:33Como de agora, né?
24:34Que a gente tem a oportunidade de expressar, né?
24:37Da nossa gratidão, do nosso conhecimento, né?
24:40Para as pessoas e poder realmente conhecer, né?
24:43E convidar as pessoas a conhecerem os indígenas, professores indígenas, né?
24:50Acessar sobre o conhecimento indígena, conhecer livros indígenas, né?
24:54Mulheres indígenas que estão no movimento de luta, né?
24:57Para manter toda essa tradição, né?
25:00Sobre esse discurso tão importante, né?
25:04De ancestralidade, né?
25:05Que pra nós, isso é a nossa identidade, né?
25:09Quem nós somos.
25:10Isso, pra mim, é muito importante.
25:12Não existe um ideal de ancestralidade.
25:21Embora mulheres negras, mulheres indígenas e mulheres LGBTQIA+,
25:26sejam constantemente cobradas sobre como devem se comportar.
25:30A verdade é que cada uma tem a sua história
25:33e sabe exatamente o que chamar de ancestralidade.
25:36Pena, foi um prazer poder te ouvir hoje.
25:39Muito obrigada pela disponibilidade.
25:41Na minha língua, a gente agradece, assim, moêntima.
25:45O que quer dizer? Gratidão.
25:47Eu que agradeço o carinho e moêntima a todos.
25:51Obrigada.

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