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Transcrição
00:00A porta é a nossa única chance.
00:01Vamos, vamos, vamos, os três juntos.
00:02Um, dois, três.
00:14Graças a Deus.
00:16É, mas o prédio ainda pode estar abaixo, a gente tem que sair daqui.
00:19Preciso pegar o cachorrinho que está lá dentro.
00:21Não, espera.
00:22Eu vou.
00:23Isso, isso.
00:24Vocês fiquem aqui, hein?
00:25Fiquem aqui.
00:27Tá bem?
00:30Vambora, vambora, vambora.
00:34Vai, vai, vai.
00:35Tá pensando em fazer alguma coisa?
00:37Eu vou ficar com elas em casa durante um tempo.
00:39Pra fazer uma experiência.
00:40Ver se minha esposa não quer adotar.
00:42Mas e a babá?
00:43Ela pode testemunhar.
00:45Desaparece com a babá.
00:46Eu também sou autor de teatro.
00:48Trabalho com centros populares de cultura.
00:50Sim.
00:51Meu nome é Mário.
00:52E qual é o seu?
00:55Prazer.
00:56Mariano.
00:56Não foi esse o nome que você disse lá dentro.
01:00O que é que vocês querem?
01:23Leve a gente pra uma delegacia, uma prisão, qualquer coisa.
01:26Mas não faz nem uma covardinha.
01:29Por favor.
01:31Vamos conversar.
01:32Conversar é o caramba.
01:34Cala a boca.
01:35Não faz isso!
01:37Mulher bonita.
01:39Pra fazer uma festa com você, hein?
01:41Bora.
01:42Bora com isso!
01:43Deixa a gente ir embora.
01:45Eu sou pai.
01:46A minha mulher é mãe.
01:48As nossas filhas estão precisando da gente.
01:50Elas não podem ficar o tempo todo com a babá.
01:51Elas já estão sem babá.
01:58O que vocês fizeram com as minhas filhas?
02:01Pode falar, babá.
02:02Pode falar, fala.
02:03Fala pra eles agora o que a gente fez com as crianças.
02:06Ai, seu Carlos.
02:08Tô na verdade, socorro.
02:10Eu não tive culpa de se levar as crianças.
02:14As minhas filhas.
02:16Não.
02:17As minhas menininhas.
02:19Eu quero as minhas filhas.
02:37Você me disse que seu nome era José.
02:39Lembrei porque eu sou Maria e sempre presta atenção quando alguém diz que é José.
02:43Na verdade, eu me chamo José Mariana.
02:47Prazer.
02:51Prazer é todo meu.
02:52Bom, já nos apresentamos, não é?
03:04Você melhorou?
03:05Melhorei.
03:06Tô respirando bem.
03:08Então é porque o efeito do gás lacrimogêneo já passou.
03:10Tô pensando em ir pro centro encontrar o nosso pessoal.
03:13E quem é o seu pessoal?
03:15Você não conhece.
03:16Talvez eu conheça.
03:19Se for o pessoal do movimento revolucionário.
03:23O pessoal do movimento estudantil.
03:24O pessoal da Uni.
03:25Tá todo mundo indo pra faculdade de direito, perto da central.
03:29Ah.
03:30Bom, fiquei sabendo que lá tá a maior confusão.
03:33Na Cinelândia também.
03:33Onde o pessoal tá resistindo é onde eu quero estar.
03:35Maria, você acabou de escapar de um incêndio.
03:37Tem muito tumulto nas ruas.
03:39A gente tem que lutar, diz que seja tarde.
03:41Já é tarde.
03:44Bom, preciso dar pra vocês uma notícia que vocês não vão gostar.
03:47O que foi?
03:48Os militares venceram.
03:49O golpe foi dado.
03:51O presidente João Goulart está em fuga.
03:54Aconselho dos próprios generais que deveriam garantir a sua permanência no poder.
03:58Eu acredito.
03:59Isso não pode ser verdade.
04:01Mas é.
04:02O Jango desistiu de lutar.
04:04Vai fugir provavelmente pro Uruguai.
04:06Como é que você sabe disso?
04:08Ele tem fazendas na fronteira.
04:11Não, eu fiquei sabendo dessas informações pouco antes de entrar no prédio da Uni.
04:15Eu telefonei pra redação do meu jornal.
04:18Eu não acredito que a revolução do povo, dos pobres, dos oprimidos vai ser detida por essa contra-revolução militar.
04:23No momento é loucura tentar resistir.
04:25Você não tá entendendo.
04:27Eu nunca vou deixar de resistir.
04:30Nunca.
04:31Caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento, no sol de quase dezembro.
04:40Ela tá morta.
04:43Pra que que vocês fizeram isso?
04:45Pra manter de si.
04:46Não, mãe.
04:47Porque vocês fizeram com as minhas filhas.
04:49Elas estão bem, estão numa casa de família.
04:52Malditos.
04:53Filhos da mãe.
04:55Vocês vão matar a gente também.
04:56Não façam isso.
04:57Pelo amor que vocês tenham, seus filhos não façam isso.
05:00Eu não sou pai.
05:01Nem eu.
05:01Mas acho muito melhor essas crianças serem criadas por outras pessoas do que por subversivos, comunistas como vocês.
05:11Vocês não têm coração?
05:13Desgraçados.
05:15Que tipo de pessoa vocês são?
05:17O tipo que odeia comunistas de merda como vocês.
05:20Foram vocês que colocaram suas filhas em perigo.
05:24Quando resolveram se juntar a essa ideia maluca de revolução.
05:27De guerrilha.
05:29Que o Fidel Castro e o Tio Guevara querem fazer no Brasil.
05:32Com o dinheiro dos russos.
05:33Ouro de Moscou.
05:35Nós só queremos juntar por justiça.
05:37Por igualdade.
05:38Pra que esse país tão rico que é o Brasil não tenha o seu povo na miséria.
05:41Uma mulher tão linda.
05:44Pena.
05:45Pena que tá tão suja.
05:46Essa sangueira toda no lombo.
05:51Levanta a blusa.
05:52Me solta.
05:53O que você quer comigo?
05:54Deixa a minha esposa em paz.
05:56Calma a boca.
05:57Calma a boca.
05:59Você vai contar.
06:01Nome por nome desse seu grupo.
06:03Dessa dissidência do partido comunista que tá querendo a luta armada.
06:06Eu não vou falar nada.
06:08Já vai.
06:09Vai sim.
06:10Eu quero saber tudo sobre o MR.
06:13Sobre o movimento revolucionário.
06:16Eu não vou falar nada.
06:19Não.
06:20Então toma.
06:21Não.
06:22Não.
06:24Não.
06:26Não.
06:29Não.
06:29Não.
06:33O exercício de improvisação teatral que a gente vai fazer agora é sobre a tragédia.
06:40Eu queria que cada um de vocês agora falasse sobre as suas maiores dores.
06:44Pode começar.
06:50Nina.
06:54Acho que com esse golpe, nosso povo vai sofrer por muitos anos.
07:01Muita gente vai continuar na pobreza.
07:04Inclusive vários irmãos e irmãs negras que sofrem ou sofreram preconceito por causa da cor da pele.
07:10Canto uma canção, se for preciso, canto um irmão.
07:17Hoje é um dos dias mais tristes da história do Brasil.
07:23Porque hoje, dia 1º de abril, um golpe militar derrubou o governo legitimamente eleito pelo povo.
07:33Estela.
07:39Hoje, nasceu a ditadura no Brasil.
07:44O povo não vai ter as reformas que precisa.
07:48E a censura vai vir com mais força do que nunca.
07:50Eu odeio censura.
07:55Odeio toda a falta de liberdade e de expressão.
08:03João.
08:07Eu queria falar de amor e de paz.
08:08Mas parece que o tempo é de guerra, de ódio, de violência.
08:15É muito triste ver que tudo isso acontece no nosso país.
08:17Eu queria que a política me fizesse feliz e não triste.
08:24Miriam.
08:25Eu choro porque eu não tenho um amor.
08:31Eu choro porque eu sou sozinha.
08:36Eu choro porque eu queria me casar e ainda não me casei.
08:45Vocês estão rindo?
08:47Por que vocês estão rindo?
08:49Poxa, a gente está aqui falando de assuntos super tristes e vocês riem.
08:52Miriam, a sua fala foi de melodrama ou até de trágico-média.
08:56Mas não de tragédia, como o Duarte pediu.
08:59Eu, hein?
08:59Para vocês, não ter um amor até pode ser um drama.
09:03Mas para mim é uma tragédia.
09:05Eu acho que a Miriam tem razão.
09:07É um direito dela.
09:08Isso, exatamente.
09:09Gente, pessoal, vamos concentrar aqui na improvisação, por favor.
09:13Gina!
09:14Gina!
09:15Pati, Estela!
09:16Estela!
09:19Oh, meu amor.
09:22Ah, que bom que você conseguiu fugir.
09:25Tive tanto medo de te perder.
09:27Ah, eu estava desesperada.
09:30Achando que podiam ter te prendido ou até coisa pior.
09:34Encontrar você viva aqui tirou um peso imenso das minhas costas.
09:37Cada vez que eu te abraço, eu queria que o mundo parasse de rodar.
09:43Eu sei, eu sei, mas Gina, Gina, a gente precisa sair daqui agora.
09:48O sítio está muito vigiado.
09:49Eu consegui escapar por muito pouco dessa vez, Matisteli.
09:53Comigo foi a mesma coisa.
09:54Aquele desgraçado oranha estava com uma gana de me pegar.
09:58Aquele agente filho da mãe do Dobbs?
10:00Sim, ele mesmo.
10:02Estou tão feliz de te encontrar aqui viva.
10:04Ai, eu também, eu também.
10:08Eu fiquei tão assustada, achando que a gente poderia morrer um longe do outro.
10:14Não, nem pense nisso.
10:16Agora, para o nosso aparelho ter caído, é porque alguém falou.
10:18Quem pode ter sido?
10:19Alguém do nosso grupo que foi preso.
10:22Ou um traidor?
10:22Não sei, não sei.
10:23Deixa eu te contar.
10:25Quando eu estava na mata, escondida, eu ouvi a conversa de dois soldados dizendo que os militares conseguiram dar o golpe.
10:30Eu sei.
10:31Eu ouvi a mesma coisa do miserável Doranha, mas eu não sei se ele está falando a verdade ou não.
10:35E se for verdade, Matisteli?
10:37E se os militares conseguirem vencer?
10:39E se eles assumirem o poder, o que vai ser desse país, Matisteli?
10:42Esse país vai entrar em guerra.
10:44Nós temos que sair daqui mais, nosso povo.
10:46A gente está muito perto do sítio.
10:47Aqui está muito perigoso.
10:48É, e o pior é que eu não tenho dinheiro nenhum.
10:50Eu tenho alguns trocados no bolso.
10:51A gente não pode voltar para o sítio de forma nenhuma.
10:53A gente precisa encontrar alguns amigos, pedir alguma grana emprestada,
10:57e refazer o contato com o Movimento Revolucionário em São Paulo.
10:59Isso, vamos.
11:12Boa tarde.
11:15Oi, meu filho.
11:16Quem são essas meninas?
11:18Foram deixadas no quartel.
11:19Como assim?
11:19É, os pais sumiram.
11:21E quem são os pais delas?
11:23Eu não sei direito.
11:24O que me disseram é que são dois subversivos que foram sequestrados por um movimento anticomunista.
11:28Movimento anticomunista?
11:30É.
11:30Meu pai foi sequestrado.
11:31O que não aconteceu?
11:32Ai, meninas, por favor.
11:35Calma, calma.
11:36Vai ficar tudo bem.
11:40Ai, eu sinto tanta pena de criança chorando.
11:43Calma, meu irmão.
11:44Calma.
11:45Vai ficar tudo bem.
11:46Eu vou descobrir o que aconteceu com seus pais.
11:48Com a égua.
11:50Para quem é a sua violência?
11:52Você já queria ou não queria um governo no Brasil?
11:55Então agora aguenta.
11:58Por favor, será que vocês não aceitem?
12:01Eu e o Carlos só queremos ajudar a melhorar as condições de vida do povo.
12:03Que mal há nisso?
12:05Eu não sei de você.
12:06Vocês querem acabar com a propriedade privada no Brasil?
12:11Querem fazer revolução com a ajuda da China, de Cuba?
12:14Querem fazer uma guerrilha com o dinheiro dos russos?
12:17A gente já sabe de tudo.
12:18Vocês romperam o partido porque o PCB não está apoiando a luta armada.
12:22Os carros prestes acharam que podia fazer uma revolução de esquerda sem sangue, controlando o chão.
12:26Caíram, caíram todos vocês, comunistas de merda.
12:31Não, não, não.
12:35Para com essa violência.
12:38Vocês não têm família, vocês não respeitam nada.
12:42Eu levei um tiro, eu preciso de um médico, por favor, para com isso.
12:45Primeiro vocês vão contar tudo o que o doutor quer saber.
12:47O doutor e eu.
12:48Antes eu quero ver essa ferida.
12:50Levanta a porra dessa blusa.
12:52E aí, tiro de raspão, doutor, não está saindo nem mais sangue.
12:59Você não vai falar nada, não?
13:01Então eu vou abusar da sua mulher na sua frente.
13:04Não.
13:07Então o que é que vocês querem saber?
13:09Não fala nada, Carlos.
13:10A gente não vai falar nada.
13:12A gente não vai falar, é.
13:14Vai ver o que eu vou fazer contigo.
13:16Na frente do teu marido.
13:18Não, não.
13:22Que história é essa de trazer essas meninas para cá?
13:30Com os pais desaparecidos, o que eu ia fazer com elas?
13:33Levasse para o juizado de menores.
13:34Não.
13:35Os pais delas foram sequestrados por gente do nosso movimento, a cúpula anticomunista.
13:39E por isso precisava trazer essas meninas para cá?
13:41Escuta.
13:42Os pais delas vão ser justiçados hoje à noite.
13:46Hoje?
13:47É.
13:48O Aranha, o Fritz e o Thelmo estão com eles.
13:49E as meninas, elas poderiam falar demais para um juiz ou para a polícia.
13:54E os corpos poderiam aparecer.
13:55Queima ou joga no mar.
13:57Tá, mas sei lá.
13:59A imprensa poderia se mobilizar.
14:01Poderiam querer pegar a gente, por exemplo, conter a tropa.
14:05Pai, vai por mim.
14:06É melhor deixar passar um tempo.
14:08Elas esquecerem qualquer data, esfriarem provas.
14:10E assim fica mais difícil qualquer possível investigação.
14:13Não gostei nada dessa ideia de trazer essas meninas para cá.
14:17Ainda mais filhas de comunistas assassinados.
14:20Criança alegra a casa.
14:22E esse lugar tá precisando de riso de criança, como diz Olivia, né?
14:25Então faça um filho.
14:26Como se Olivia é estéreo.
14:27Adota se quiser.
14:30Vamos trazer duas meninas sequestradas.
14:34Filhas de pais assassinados pela cúpula anticomunista.
14:39Diz que ideia!
14:40Seu cúmulo!
14:41Onde é que você está com a cabeça?
14:45Escuta, pai.
14:46Pra todos os efeitos, elas foram deixadas no quartel à tardinha.
14:50Eu fiquei preocupado em deixar as duas lá naquela hora.
14:53E trouxe pra minha casa, pra que a minha esposa e os meus pais me ajudassem.
14:57Nós não podemos ser acusados de nada.
14:59Nós temos os álibis perfeitos.
15:01Menos no caso daquela chacina de estudantes.
15:03O caso não vazou pra imprensa, não houve testemunhas.
15:06Uma mulher sobreviveu.
15:08Ela é quem me preocupa.
15:09Uma negra.
15:10É só a gente descobrir quem é e acaba com ela.
15:14Ai, meu Deus.
15:15Crianças tão lindas e tão assustadas.
15:17Dá pena.
15:18É.
15:18Foram deixadas no quartel.
15:20Eu também fiquei com pena, mãe.
15:21Olha, eu e Olivia vamos tomar conta delas hoje.
15:25Mas o que aconteceu com os pais?
15:27Eu não sei direito, mãe.
15:30Filhinho, tu diga a verdade.
15:31Vocês não tem nada a ver com o desaparecimento dos pais dessas meninas, não é?
15:37Eu não estou sabendo de nada.
15:39É.
15:40Nem eu também, mãe.
15:41Pelo que há de mais sagrado, vocês não estão se envolvendo em nada ilegal, não é?
15:45Lana, faça-me o favor.
15:46Quem decide o que é legal aqui sou eu.
15:49Ei, meus companheiros de farda.
15:51Por favor, faça essas crianças pararem de chorar.
15:54Faça qualquer coisa.
15:55Leva para o quarto, entope a boca delas de comida, porque eu não suporto choro de criança.
16:00Faça alguma coisa.
16:01Maria, o que você vai fazer com esse cachorrinho?
16:09Vou levar para casa.
16:11Eu acho que seus pais não vão gostar muito da ideia, não.
16:13A gente se salvou juntos de um incêndio.
16:15Nossos destinos estão ligados agora.
16:18Pois é.
16:20Os nossos também.
16:22Hã?
16:23Eu nunca vou esquecer dessa tarde em que eu te conheci.
16:27Nem eu.
16:29Me dá seu telefone.
16:31Para quê?
16:33Para a gente se falar mais.
16:35Falar o quê, exatamente?
16:36Não sei.
16:38Marcar uma entrevista, talvez.
16:41Não sei se eu acho uma boa ideia.
16:43Ah, mas por que não?
16:45Mora em São Paulo.
16:47Melhor ainda.
16:48Super conhecidente, eu também moro lá.
16:49Peraí, peraí, peraí, peraí.
16:51Como é que você mora lá em São Paulo se o Correio da Manhã fica aqui, no Rio?
16:56É uma sucursal.
16:58Eu mando matérias de lá.
16:59Você sabe, São Paulo, a maior cidade do país.
17:03Muita coisa acontece lá também.
17:04Não dá o telefone para ele não, Maria.
17:06Por que não?
17:08Ah, por que não?
17:10Como é que a gente vai saber se ele não é um militar?
17:13Um S2.
17:14Um setor de inteligência do exército infiltrado para pegar informações da gente.
17:18O prédio da Uni ardeu em chamas, hein?
17:24E o Mário tinha ido para lá?
17:26Eu sei, mas calma, não houve nenhuma morte nesse incêndio.
17:28Ai, graças a Deus.
17:29Estela, fala a verdade.
17:31Você gosta dele, não é?
17:32O que é, João?
17:34Por que você está falando isso?
17:35Pela sua reação.
17:37Está na cara que você gosta do Mário.
17:38Não posso ser amiga dele?
17:40Eu acho que o João está com ciúmes do Mário.
17:42De quê?
17:42Fala, Miriam.
17:44Estou com ciúmes de quem?
17:45Você está com ciúmes da Estela com o Mário.
17:49Eu acho que não estou entendendo o que você quer dizer.
17:51Bom, aos possíveis interessados, eu quero deixar bem claro que eu sou uma mulher independente,
17:56livre, liberada.
18:00Eu também.
18:01Depois que eu li o segundo sexo de Simone de Beauvoir, a minha vida mudou.
18:05A vida das mulheres mudou para sempre, desde a invenção da pílula anticoncepcional.
18:09É, mas algumas nem foram apresentadas.
18:13É, mas eles estavam dizendo que eu vou começar a dar pílula para a pobre parar de fazer filho.
18:17Olha, o importante é que a pílula liberou o sexo do compromisso conjugal, da procriação.
18:22Esse é um ponto interessante.
18:24Porque o sexo, agora mais do que nunca, é só para o prazer.
18:28É, quem sabe esse não é o ato mais revolucionário do ser humano até agora.
18:33Gente, eu sei que vocês adoram, aliás, a gente adora discutir as questões do coração,
18:38dos relacionamentos, das novas práticas, né?
18:41Do efeito da pílula e da camisa de Vênus sobre o comportamento das pessoas.
18:46Mas hoje não, pessoal.
18:48Hoje os militares assumiram o poder nesse país.
18:51O que que isso vai significar para nós, artistas?
18:54O que que você quer?
18:55Que a gente saia para a rua, peguem armas e tente derrubar o exército brasileiro, as forças armadas?
19:00Mas é isso que a gente precisa fazer.
19:02Tô com você, Nino.
19:03Eu acredito na democracia.
19:09Acredito que a revolução militar de 1964
19:12veio para restaurar a democracia brasileira
19:16que estava ameaçada por esquerdistas corruptos.
19:21Acredito que nós, militares,
19:24representamos o movimento da sociedade brasileira
19:26que rejeita as ideias de socialismo e comunismo do Brasil.
19:33Como sou um democrata,
19:35acredito que o papel das forças armadas
19:37é respeitar as instituições políticas e o Congresso.
19:43Viemos, sim,
19:45para impedir as ditaduras
19:46que foram implantadas em países comunistas.
19:49nos países democráticos,
19:52capitalistas do mundo livre ocidental,
19:56todos têm prosperado
19:57pelo livre comércio,
20:00sem perda da liberdade.
20:03E aí?
20:03Onde é que você tirou que eu seria um...
20:06agente infiltrado do exército?
20:09É isso que você falou?
20:09É isso mesmo, é isso mesmo.
20:10O seu corte de cabelo é de militar.
20:12É isso, cara.
20:13Um monte de gente hoje, esse corte.
20:15Maria, vai por mim.
20:16Vou me dar o telefone para quem você não conhece.
20:18José Mariano.
20:21Você disse que trabalha para o Correio da Manhã.
20:23Sim.
20:24Você não tem cartão?
20:25Não, os meus cartões acabaram.
20:28Mas eu gostaria muito de te ver de novo.
20:30Mas você é insistente, hein, meu?
20:32Vem cá, você é namorado dela?
20:33Não.
20:34Então, por favor, dá licença de eu falar.
20:36Gente, o caso é o seguinte, eu vou para o centro.
20:38Vou dar uma passada na Cinelândia.
20:40Não faça isso, Maria.
20:41As ruas do centro estão muito perigosas.
20:43O melhor é procurar um refúgio.
20:44Eu não vou me esconder.
20:45Eu vou para a faculdade de Direito procurar meu pessoal.
20:48Não é possível que ninguém esteja resistindo a esse maldito golpe.
20:52Tá bom, tá bom.
20:53E se você vai, me dá seu telefone, não vai?
20:56É melhor não.
20:58Me dá o seu.
21:00Tá.
21:01Eu vou anotar.
21:03Anota aqui, ó.
21:05Obrigado.
21:06Você por acaso também teria uma caneta?
21:07Poesias?
21:13Sim.
21:13Nas horas vagas também sou poeta.
21:16Que gracinha.
21:17Parabéns.
21:23Liga para mim.
21:25Vou pensar.
21:26Liga sim.
21:28Quero muito te conhecer melhor.
21:31Bem, foi um prazer.
21:31E obrigado por ter ajudado a gente no meu ensino de novo.
21:35Não é de quê?
21:39Felicidades para você também.
21:42Para você também.
21:48Tenho quase certeza que esse cara é um militar infiltrado.
21:52Será?
21:53Claro.
21:54Esse jeitão dele, ele me engana.
21:55Você ainda quer falar alguma coisa com ele?
22:01Outra hora.
22:03Vamos.
22:18E essa mulher que morreu em frente ao clube militar?
22:20Não é a Maria, Tiago.
22:22Mas como é que a gente pode saber?
22:23O que é que diz a reportagem que te mandaram do Rio?
22:26Espera aí.
22:27O sangue correu.
22:28O povo agitado tentou invadir a sede do clube militar na Cinelândia.
22:32Soldados guardavam a porta.
22:34O povo vaiava os soldados.
22:36Uma tropa de choque do exército se aproximou e dispersou os manifestantes com tiros.
22:41Vários ficaram feridos.
22:42Uma mulher morreu no hospital.
22:44Que mulher?
22:44Qual o nome dela?
22:45Não é Maria?
22:46Não, não.
22:47É um nome árabe.
22:48Eu anotei.
22:50Labíber era o nome dela.
22:51Tinha 65 anos.
22:52Era casada e tinha quatro filhos.
22:54Coitada.
22:55Quando ela podia pensar ontem que hoje ia morrer por causa desse golpe militar?
22:59Como é a vida, né?
23:00É horrível admitir isso, mas eu senti um alívio por não ter sido a minha filha.
23:04Imagina a dor que não deve ter sentido essa família.
23:06Tiago, eu tô preocupada com você.
23:07Tem chegado várias notícias de perseguições, prisões de comunistas mais conhecidos, os chamados comunistas históricos.
23:14E você é um deles.
23:15É, eu já estou desligado do partido faz tempo.
23:18Mesmo assim, acho que é bom você não ir pra casa hoje.
23:21Fica aqui no jornal.
23:22Ou se quiser, você pode ir lá pra casa.
23:25Eu tenho que falar com a minha esposa, Lúcia.
23:27Leva ela com você, não tem problema nenhum.
23:29O que eu não quero é que você seja preso.
23:31O jornal precisa de você, hein?
23:33Eu achei que estava preocupada comigo, e não com o jornal.
23:36Eu tô preocupada com os dois. O futuro e o incógnita.
23:39Bom, eu vou ligar pra minha esposa, vou falar com ela.
23:41De qualquer forma, muito obrigado, dona Marina.
23:44Escuta, Tiago.
23:45Não precisa me chamar de dona.
23:48Mas a senhora é a dona.
23:49Nós somos companheiros de trabalho, Tiago.
23:52Acho que podemos abolir essas formalidades entre nós.
23:55Como quiser, Marina.
23:57Assim é melhor.
23:59Obrigado mais uma vez. Com licença.
24:03Posso fazer uma pergunta indiscreta?
24:06Pode. Só uma.
24:08Você sente alguma coisa por ele?
24:10Ele é casado, Marcela.
24:12Aí daí, se não fosse.
24:14Ele é bonito, inteligente, boa pessoa.
24:19Mas é casado.
24:20E eu não me envolvo com homens casados.
24:22É questão de ética.
24:27Tá bom, pessoal. Pode trocar.
24:30Bom, gente, eu já entendi uma coisa.
24:31Agora eu quero saber outra.
24:33Como é que a gente vai derrotar a aeronáutica, a marinha?
24:36Alguém me explica?
24:37Com a ajuda dos soldados, dos cabos, dos sargentos, dos marinheiros, dos fuzileiros navais.
24:42E esse pessoalzinho todo que estava apoiando o Jango vai ser todo mundo preso e expulso.
24:47Depois ainda duvido que sejam anistiados.
24:49Ué, como é que você sabe disso?
24:50Eu sou uma pessoa bem relacionada.
24:52Eu tenho um tio na cúpula do exército.
24:56Pois eu acho que partir pra guerrilha pode ser uma solução.
24:59Só o povo armado é capaz de derrubar a ditadura.
25:01Não, Nina.
25:02Só o povo organizado pode derrubar a ditadura.
25:06Eu tô com a Nina.
25:07Eu acho que só a luta armada tira esses milicos do poder.
25:10Não, eu sou da paz, gente.
25:11Não contem comigo pra pegar em armas.
25:13Já eu estaria disposta a morrer, a dar minha vida pela liberdade.
25:17Eu tô com o pessoal do partidão.
25:19Tem que se organizar o povo e não partir pra um confronto suicida com os milicos.
25:23É, o meu pai vive dizendo isso.
25:25Agora a minha irmã não.
25:26A minha irmã já foi pra lá pra cair pra porrada.
25:2860 mil pessoas.
25:30E é só uma estimativa da quantidade de gente que tem no PCB.
25:33Agora você imagina se todo esse povo resolve se unir e lutar agora pra resistir ao avanço
25:38da linha dura, a esse golpe do primeiro de abril.
25:41O partidão não quer partir pro confronto.
25:43Gente, será que a ditadura vai durar até a gente morrer?
25:46Ah, vire essa boca pra lá.
25:49Isso tem que acabar e rápido.
25:50Isso não pode durar.
25:52Não vai durar.
25:53Esse golpe foi só um acidente de percurso.
25:55Foi um golpe dado por medo do Jango virar a mesa com o apoio das esquerdas.
25:59Só isso.
26:00Eu não acredito que os militares vão ficar no poder muito tempo, não.
26:02Tomara que marquem as eleições logo.
26:05Tô louca pra votar.
26:07Mire.
26:20Essa é a cadeira do dragão.
26:25O que é isso?
26:27Vocês...
26:28Vocês vão dar choque nele?
26:30De 100 volts com uma corrente elétrica bem forte de 10 amperes.
26:34Vamos se electrocutar.
26:36Frita, liga a pimentinha.
26:38Carla, dívida.
26:44Essa é a última chance que você tem pra falar tudo sobre o movimento revolucionário.
26:50Eu morro.
26:53Mas eu não falo.
26:59Então aplica.
27:00É pra já.
27:01Elas estão mais calmas?
27:21Mais ou menos.
27:22Bom, param de chorar.
27:23Ah, mas quando choram, choram baixinho.
27:25É, muito triste.
27:26Crianças chorando o dia inteiro dentro de casa.
27:29Eu quero ver meu pai e minha mãe.
27:30Por favor, por favor.
27:32Elas não comeram nada?
27:33Nada, desde que chegaram.
27:34Eu não quero comer.
27:35Eu quero ver meus pais.
27:36Como é que chamam seus pais?
27:38Meu pai chama Carla.
27:39E minha mãe é Odete.
27:41E o sobrenome?
27:42É...
27:43Não lembro.
27:44Não sei.
27:45Mas com o primeiro nome, a polícia já deve conseguir descobrir alguma coisa?
27:49É, vamos ver.
27:50Seria bem mais fácil com o sobrenome.
27:52Mas enquanto isso, nós vamos cuidar de vocês.
28:00Lúcia, estão prendendo muita gente.
28:06É melhor você sair daí agora.
28:08Tem alguém batendo na porta.
28:10Quem é?
28:10Eu não sei, eu não sei.
28:11Eu vou olhar pelo olho mágico.
28:13Cuidado.
28:14Se você não souber quem é, não atende.
28:16Se suspeitar que é a polícia, não deixe entrar.
28:18Me espera na linha.
28:19Pode ser o pessoal do DOPS, ou do Exército, ou da Marinha, ou da Aeronáutica.
28:23Tem gente de todas as Forças Armadas envolvida nesse golpe.
28:25Não atende a essa porta.
28:28Espera, Tiago.
28:29Calma.
28:29Eu vou olhar pelo olho mágico.
28:36Acredito.
28:41Ai, minha amiga.
28:44Que saudade de você.
28:46Ai, meu Deus.
28:47E aí, tudo bem?
28:49Ai, minha...
28:50Meio assustada com essa loucura do golpe militar, mas...
28:53Vamos indo.
28:54Foi uma emergência, minha amiga.
28:55Eu fui uma emergência.
28:56O Tiago está aí?
28:57Ah, estou com o Tiago no telefone.
29:00Entra, gente, por favor.
29:01Fique à vontade.
29:02Entra.
29:03Ai, meu Deus.
29:05Alô?
29:06Quem era?
29:07Dira e Batitelli.
29:08Eles não podem ficar aí.
29:10É muito perigoso.
29:11Para eles e para a gente.
29:12Deixa eu falar com ele.
29:13Tá bom, eu vou passar para ele.
29:15Batitelli, o Tiago quer falar com você.
29:19Obrigado.
29:21Tudo bem, Tiago?
29:22Tudo péssimo para nós, comunistas.
29:23Eu sei.
29:25Já vieram atrás de mim da Jandira com uma violência brutal.
29:28Conseguimos fugir, mas fugimos sem documento, sem dinheiro, sem nada.
29:31A gente não tinha quem recorrer.
29:33Por isso que a gente veio para cá, Lúcia.
29:34Vai mais.
29:35Pode mais.
29:36Pasta de mim esse cálice que vem o vento de sangue.
29:50Como é difícil acordar calado.
29:54Pá, ele está morrendo.
29:56Ele está morrendo.
29:57Está respirando, doutor?
30:11Sirene da cadeira.
30:13Como uma, não pode morrer sem falar.
30:16Salve ele.
30:17Por favor, pelo amor que vocês têm na vida, salve o Carlos.
30:19Pá, Lagoa, pai, afasta de mim esse cálice.
30:25Pá, afasta de mim esse cálice.
30:26Batistelli, nós somos amigos há muitos anos.
30:29E nem somos mais do mesmo partido.
30:31Eu abandonei a luta política, o partidão.
30:33Eu sei, companheiro, mas tudo que eu estou precisando agora é um pouco de dinheiro
30:36para fugir com a dinheiro para a cidade do interior.
30:38Depois a gente volta para restabelecer contato com o pessoal do movimento.
30:41Eu estou no jornal, ainda fechando a edição de amanhã de manhã.
30:43Eu não tenho como te ajudar agora.
30:44Olha, eu diria tudo o que eu tenho no momento.
30:46Muito obrigada, Lúcio. Muito obrigada.
30:48Olha, Thiago, a Lúcia arranjou um dinheiro aqui, acho que vai dar.
30:51Obrigado por tudo, hein?
30:52Deixa eu falar com ela.
30:53Se cuida. Fique tranquilo, vai dar tudo certo.
30:56Lúcio, ele vai falar com você de novo.
30:59Alô?
31:00Você pegou o dinheiro do mercado e deu para o Batistelli e para a Jandira?
31:04Eu já fiz o mercado, fica tranquilo.
31:05Mas como?
31:07Eles estão sendo procurados, a polícia pode bater aí.
31:09Podem te prender, podem te torturar, podem te matar.
31:12Como é que você quer que eu fique tranquilo?
31:13Nada disso vai acontecer.
31:15Mas está acontecendo no país inteiro.
31:17Tira eles daí e vem você para cá para o jornal.
31:19Aqui a gente vai estar mais seguro.
31:20Tá bom, tá bom, deixa comigo.
31:22Eu vou fazer isso em seguida, tá?
31:24Beijo.
31:26Thiago está preocupado.
31:27Acho que a polícia pode bater aqui a qualquer momento.
31:29É possível.
31:33Será que são eles?
31:34Se for, eu não vou me entregar.
31:36Eu não quero ser torturado nem morto pelas forças da repressão.
31:38É tudo verdade.
31:47Os militares conseguiram.
31:49Militares de direita.
31:50Tem muitos militares ao lado da legalidade.
31:53É uma minoria.
31:53Maria, eu preciso te fazer uma pergunta.
32:00Faz.
32:02Você ficou interessada naquele cara que ajudou a gente a sair do incêndio?
32:06Por que você está perguntando isso?
32:08Porque eu achei que você olhou muito para ele.
32:11Ah, Mari, plena década de 60, você querer controlar meu olhar é demais, né?
32:15Tá, tá.
32:16Então eu vou te falar, eu liguei para o correio da manhã.
32:19E?
32:19Não tem nenhum José Mariano lá.
32:24Como é que é?
32:26Ele está usando um nome falso.
32:29Não tem ninguém com esse nome trabalhando lá.
32:32Ele mentiu para você, Maria.
32:34Aquele cara não trabalha no correio da manhã.
32:46Então você acha mesmo que...
32:49Ele é...
32:53Um militar infiltrado.
33:00Pode ser.
33:01Mas, Tessou.
33:02Se alguma coisa acontecer em alguma hora,
33:05se separarem a gente...
33:07Não pensa nisso agora.
33:08É o João, meu filho.
33:10Ai, João.
33:11Desculpa, mãe.
33:12Que susto.
33:14Ai, meu Deus.
33:15Eu pensei que fosse a polícia.
33:16Quase com o pai, né?
33:17Oi, eu não sabia que tinha visita em casa.
33:21Garoto, tudo bem, João?
33:22Tudo.
33:23Tia Gira.
33:25Cada dia mais lindo, João.
33:27Meu Deus, amor.
33:28A polícia veio atrás da gente.
33:32E a gente está precisando de um lugar para se esconder.
33:35O Tiago acha que aqui não é um lugar seguro.
33:38É, todo mundo sabe que o pai do Partidão desistiu do Getúlio Vargas, né?
33:41A polícia pode mesmo bater aqui.
33:43E aí, você não vai falar nada?
33:49Estou pensando aqui.
33:51O cara é um espião?
33:53Um agente da repressão infiltrado.
33:55Estava lá, no meio dos estudantes, para sondar.
33:58Mara, ele estava no incêndio, junto com a gente.
34:00Estava.
34:01Ele estava lá na UNE, infiltrado, no meio dos estudantes, à vontade.
34:04Foi pego de surpresa pelo incêndio.
34:06Ele me salvou.
34:07É claro.
34:08É claro que ele te salvou.
34:09Ele precisa conquistar a sua confiança.
34:10Isso é imaginação sua, coisa de autor de teatro.
34:13Não é, não é.
34:15Que outra razão ele teria para mentir que trabalha num jornal ao qual ele não trabalha?
34:19Vai ver, houve alguma confusão, algum mal entendido.
34:21Que mal entendido?
34:22Mara, ele pode ser de outra cidade, pode ter começado a trabalhar num jornal agora.
34:26Ele está jogando o verde para colher maduro, Maria.
34:29Falou do movimento revolucionário.
34:31Ele está inventando essa história que quer uma entrevista, mas sabe o que ele quer?
34:34Ele quer informações dessa galera, dessa dissidência do Partido Comunista,
34:38que está partindo para a luta armada para fazer a revolução aqui no Brasil.
34:41Se você tiver com a razão, vai ser uma decepção, viu?
34:45Fui com a cara dele.
34:48E aí?
34:49O que a gente vai fazer agora?
34:52Não sei.
34:54Minha vontade é de ir para a rua, tentar parar os tanques que estão chegando agora no Rio.
34:58Já chegaram.
34:59Sem disparar um tiro.
35:01Eu fiquei sabendo quando eu fui ao banheiro.
35:03Impressionante.
35:03Os gorilas deram o golpe e não houve uma batalha, um confronto armado.
35:08É, tem alguma resistência em algumas cidades, alguns mortos.
35:13Os bairros de classe média estão jogando papel picado pelas janelas,
35:16comemorando a queda do Jango e a vitória dos milíricos.
35:19Como é que pode comemorarem a queda de um presidente eleito pelo povo por um golpe militar?
35:24Há menos de 20 anos que acabou a ditadura Vargas e já está começando uma nova ditadura no Brasil.
35:29A ditadura militar.
35:33Bota piano!
35:36O presidente João Dular deixou a Granja do Torto sem passar do Palácio do Planalto
35:41e voou com mulher e filha do povo...
35:43Será que vão tentar resistir lá no Sul?
35:45Escuta.
35:46O presidente do Senado declarou vaga à presidência da República.
35:49Quero ver quem vai assumir.
35:51O presidente da Câmara, Ranieri Masili, assumiu interinamente a presidência da República.
35:55Mais notícias daqui a pouco, depois do intervalo comercial.
35:58Chegaram alguns telecos de Brasília.
36:01Dizem que o Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil do governo João Goulart,
36:05chamou o comandante da região militar de Brasília de macaco traidor.
36:10E dizem que ele falou que já estava vendo os pelos crescerem no corpo do general.
36:15Foi preso?
36:16Não, falou isso e fugiu.
36:18Foi talvez o último do governo Jango a deixar o Palácio do Planalto.
36:21Está para incluir uma página extra na edição da manhã.
36:24Vamos fazer melhor que isso.
36:25Vamos parar as rotativas.
36:27Isso tem que ser manchete na primeira página.
36:29Jango deposto.
36:30Boa providência é isso.
36:32Obrigada, Tiago.
36:33Toda vez que você e o Tiago se olham, eu sinto alguma coisa.
36:39O quê?
36:40Sei lá.
36:41Um brilho diferente no olhar.
36:43Já te disse que eu não me envolvo com homens comprometidos, Marcela.
36:47Outra coisa.
36:49Você parece bem mais tranquila que o Tiago com essa história toda de golpe militar?
36:53Claro.
36:53O Tiago é comunista desde a época do Getúlio.
36:56Foi torturado quando jovem.
36:58Está com medo que isso aconteça novamente.
36:59Eu nem sou comunista.
37:01Tem um lado meu que acha até bom que o Jango caiu.
37:03Eu entendo você.
37:05Eu também estava bem assustada com o rumo que as coisas estavam tomando.
37:08Bom, eu espero que os militares convoquem eleições para presidente ainda este ano, no segundo semestre.
37:15Tomara.
37:15Filho, eu vou me encontrar com o seu pai lá no jornal.
37:20Tá.
37:21E eu vou lá para a cantina do Beto, no Bexiga.
37:23É, melhor a gente sair mesmo.
37:27Gente, obrigado pelas roupas e pelo banho.
37:30É, foi um banho rápido, mas muito gostoso.
37:33É, deve ser difícil, né?
37:35Você é cheiroso, você é um guerrilheiro.
37:36Ah, é verdade, João.
37:37Olha, mas não tem nada mais delicioso do que o cheiro da mulher amada,
37:41da companheira nos braços da gente, mesmo que seja lá no meio do mato.
37:45Uau!
37:47O Batistelli sempre é assim, um poeta além de um revolucionário.
37:51Foi um prazer ver vocês, viu?
37:53Mas a gente precisa ir andando.
37:54O Thiago tem razão.
37:55A gente ficar aqui corre risco de vida e ainda coloca vocês em perigo.
37:58É, eu acho que a gente já ficou tempo demais.
38:00Vamos, Batistelli?
38:01Vamos.
38:01Vamos também, mãe?
38:02Vamos.
38:02Olha, deixa a gente sair na frente.
38:04Por quê?
38:04Porque nós podemos ter sido seguidos e se a gente sair pode ter um tiroteio.
38:09Tá, mas vocês sabem para onde é que vocês vão?
38:11Nós temos um ponto no interior para onde a gente está indo.
38:14Então, boa sorte a vocês.
38:17Que consigam fugir dos militares, da polícia.
38:21Ah, e que tenham muito sucesso nos planos e nos torres.
38:26É, eu também admiro muito a coragem que vocês têm, sabe, gente?
38:28Mas é que eu acho que é uma furada vocês quererem combater o exército brasileiro assim,
38:32desse jeito, sem muito apoio.
38:33João, entenda uma coisa.
38:34Existe uma força muito maior do que as forças armadas.
38:36Sabe qual é?
38:37Qual é?
38:37A força do povo.
38:39Vai ser o povo brasileiro que vai derrubar essa ditadura militar.
38:42Você vai ver.
38:43É, exatamente como o povo derrubou Batista lá em Cuba.
38:47E os soldados passaram a marchar ao lado das tropas de Fidel.
38:51Isso.
38:51E Fidel se transformou num grande comandante.
38:54É, e até hoje não fez nenhuma eleição para presidente.
38:56Cuba trocou um ditador por outro.
38:58Ah, João.
38:59O Fidel é um desafio comunista a poucos quilômetros dos Estados Unidos.
39:02É importante que ele se mantenha no poder.
39:04Ele tá respirando, doutor?
39:13Tá.
39:14O coração ainda tá batendo.
39:15Ai, graças a Deus.
39:17Comunista e na hora H reza e dá graças a Deus.
39:21A pulsação tá fraca.
39:23A pressão caiu muito.
39:25Ele vai morrer?
39:26Salva ele.
39:27Salva ele, pelo amor de Deus.
39:29Pelo amor de Deus, pela sua família.
39:30Salva o Carlos.
39:31Vem calar a boca dessa mulher.
39:33Calar a boca.
39:34Ou você vai levar um tiro.
39:36Eu gosto de ver mulher gritando, mas tudo tem sua hora.
39:39O negócio é o seguinte.
39:41Se ficar aqui, ele vai morrer.
39:42Pra viver, ele tem que ir pro hospital.
39:44O ideal é que o senhor costurasse ele aqui mesmo e deixasse pronto pra uma nova sessão.
39:48Não, não, não.
39:48Ele precisa de um tempo.
39:50Se não tem outro jeito, pode levar, não é, tenente?
39:53Pode, pode.
39:54Esse bicho comuna não pode morrer.
39:56Ele sabe de muita coisa.
39:58Ele ainda não abriu a boca.
39:59O cabra é macho.
40:00Eu posso dar entrada com ele no hospital, se vocês da polícia levarem.
40:04Mas vão dizer o quê?
40:05Vão dizer que é ladrão, que já encontramos assim, todo arrebentado.
40:08E vão dar o nome dele lá?
40:09Nome desconhecido.
40:11Tem que evitar, aparente procurando notícia, imprensa.
40:15Quanto mais anônimo ele estiver lá, melhor será.
40:17Ele está entrando em convulsão.
40:19E aí, Estela?
40:37Oi, boa noite.
40:38Com licença.
40:40Gente, isso aqui é a Estela.
40:41Ela é lá do meu grupo de teatro.
40:43Ela veio aqui pra gente ir junto na cantina do Beto.
40:45Estela, essa aqui é minha mãe, Lúcia.
40:46Oi, como vai, Estela?
40:47E esses aqui são os mentiros.
40:49Eu sou o Marco e ela é Leila.
40:50Leila.
40:51Oi.
40:53Mas você é o Batistelli, líder comunista.
40:57Você me falou seu codinome, não foi?
40:59Codinome?
40:59É, nome falso, nome de guerra.
41:01Mas o verdadeiro nome é Rubens Batistelli.
41:04Eu sei quem você é.
41:05Mas tio, não se preocupa que a Estela é uma grande fã de vocês.
41:08Admiradora, mais do que fã.
41:10Nossa, João, você nunca me falou que era sobrinho do Batistelli.
41:13É, sobrinho é mó de dizer, né?
41:14Na verdade, ele é meu padrinho.
41:15É, a Batistelli é amiga do meu marido há muitos anos.
41:18E eu da Dira.
41:19E a Estela compartilha da mesma opinião que você sobre a luta armada.
41:22Na verdade, eu já estou em contato com os companheiros do movimento revolucionário.
41:26Ótimo.
41:27Então você sabe da importância de não dizer que nos viu aqui.
41:30Não, claro.
41:30Imagina.
41:31Olha, tá maior confusão lá na rua, viu?
41:34Tem gente comemorando a queda do Jango, jogando papel picado do alto dos prédios.
41:38É, mas também tem gente protestando contra o golpe militar.
41:40É, seu pai recebeu notícia de que várias pessoas estão sendo presas.
41:44Outras estão fugindo, né?
41:45Como nós dois.
41:46Mas às vezes é preciso recuar para poder avançar mais à frente.
41:49E eu acho impressionante essa coragem que vocês têm de arriscar a vida por uma causa.
41:52É, é admirável.
41:54Lindo mesmo.
41:55É, eu já não posso fazer o mesmo porque a minha vida é totalmente dedicada à minha família.
42:00Meu marido, meus filhos.
42:02Bom, e também minha profissão, né?
42:04Minhas aulas, meus alunos.
42:06Eu entendo, Lúcia.
42:07É, mas educar também é uma forma de fazer a revolução.
42:11Eu também não tenho vocação para ser guerreiro.
42:13Eu sou artista.
42:14Eu acredito mais na força das palavras do que das armas.
42:17João, todo mundo pode entrar nesta luta.
42:19Cada qual do seu jeito.
42:20É, mas nessa ditadura, a gente tem que derrubar é com luta armada.
42:25É, eu também não vejo outra solução nesse momento.
42:28Se bem que eu nem nunca vi uma arma de perto.
42:30Ah, minha amiga, boa sorte, Diego.
42:35Tio, boa sorte.
42:38Se cuida, garoto, eu continuo sendo um bom artista.
42:41Um artista popular.
42:42Daqueles que vai onde o povo está.
42:44Com certeza, tio.
42:44Eu estou muito afim disso mesmo.
42:46Todo mundo lá no teatro, o autor, o diretor, o elenco.
42:49A gente está querendo falar de liberdade.
42:51Isso.
42:52Falando coisas do povo.
42:53Para o povo.
42:54Não é isso mesmo, João.
42:55A revolução também pode ser feita através da arte.
42:57E cada qual lutando com a sua arma.
42:59Pelo mundo melhor.
43:00É, viva a liberdade.
43:02Eu também procuro a liberdade, só que eu acho que é mais fácil através de paz do que de guerra.
43:06João, às vezes é preciso lutar pela liberdade.
43:09Vamos, vamos com Deus, gente.
43:12Prazer.
43:15Se cuida, garoto.
43:19Tchau.
43:22Obrigado.
43:23Os militares deram o golpe.
43:40O presidente Jango foi deposto, mas nós não podemos deixar de resistir.
43:46Nós, estudantes do Brasil, não podemos nos conformar com essa ditadura, com a falta de liberdade, com uma sociedade injusta.
43:58A polícia está chegando aí.
44:08A polícia está chegando aí.
44:08Eles estão batendo.
44:09Vamos fugir.
44:10Vem, vem, vem.
44:13Vem, vem, vem.
44:16Espera.
44:16Eu vou pegar o cachorrinho.
44:17Deixa esse cachorro pra lá.
44:19Tu vai ser cristal de novo.
44:20Não fica esse cachorro.
44:20Vem.
44:21Vem.
44:21E aí, parado!
44:39A língua dele tá enrolando. Me ajudem aqui. Coloquem ele na mesa.
44:45Você vai? Depressa.
44:46Segura esse maluco que ele vai se bater todo.
44:47Vamos, vamos. Pra que eu na mesa aqui? Vem.
44:49Em caso de convulsão, o procedimento correto é não tentar segurar e conter a pessoa que tá convulsionando.
44:56O que a gente faz nessa hora, então, doutor?
44:58É virar ele de lado e esperar.
44:59Vai.
45:00Eu participo de uma organização que chamada Mármo e Mediação Revolucionária.
45:22E no Rio de Janeiro sou preso.
45:26Então, eu apanhei durante três dias e três noites pra dar conta da Luciana.
45:31Era uma sala de tortura que eles chamavam de boate, lá no doicote.
45:36Por que boate?
45:37Eles botavam três eletrolas, porque no fundo era a fábrica da Brama, na Tijuca.
45:44E pros operários não escrutarem os nossos gritos nas torturas, eles botavam as três eletrolas em volume máximo.
45:53Aí, depois de três dias, chegam aqueles torturadores que me torturaram dia e noite, essas três equipes se revezando,
46:02pra eu dar conta da Luciana.
46:04E falou, você quer saber como você conhece essa Luciana?
46:09Você tá resistindo aí?
46:10Tá há três dias, eu já tô cansado de brincar com você?
46:16Aí botaram uma música que era a Evinha, no festival, cantando Luciana, Luciana.
46:24Só pra demonstrar o tanto de sadismo, de coisa doentia dessa gente.
46:29Eu apanhei três dias pra dar conta de uma Luciana, que não existia Luciana nessa militância.
46:36Era apenas o exercício do sadismo dos torturadores.
46:40Eu fui torturado com jacaré, porque quando eles foram ao Amazonas a prender um ladrão de bancos,
46:51um marginal chamado Krause, eles trouxeram mais ou menos uns dez jacarés de um metro e vinte.
46:58Então, eu fui torturado com jacaré, com cobra.
47:01A gente ficava nu e algemado e o jacaré, aquele fedia carne podre, andando frio em cima da gente.
47:09E com tortura sexual.
47:12E essa tortura sexual, terrível, porque eu não vou citar nome de pessoas,
47:20mas eu assisti, a gente era torturado junto.
47:25E vocês, as mulheres têm asco de insetos,
47:29então uma mulher no pau de arara botar uma barata viva na vagina de uma mulher.
47:34Então, essas torturas na PR.
47:40Eu sofri, botou éter no meu ânus.
47:43A sensação do éter no ânus é que ele vai secando as mucosas
47:47e eu tinha a impressão que a minha língua está do tamanho da língua de uma vaca,
47:52que eu ia ter uma edema de glote.
47:54Inventou me afogar com conta-gotas.
47:58O centro de gravidade do corpo no pau de arara é a cabeça.
48:03Então, eles arrancaram meu bigode e minha barba com alicate,
48:07botaram esparadrapo na minha boca e vinha o torturador e me afogava com conta-gotas.
48:13Isso dizendo uma porção de coisas.
48:16Eu fui, sofri vários experimentos, meu corpo foi usado para aula de tortura.
48:26Estava na Barão de Mesquita e tinha uma tortura sexual.
48:31Eles pegavam uma guilhotina de cortar papel, pegavam a bolsa escrotal da gente,
48:36davam um pique, a gente via o sangue sair, a dor.
48:41Vinha um torturador, pegava a cabeça da gente e remetia para trás.
48:45E um outro torturador, lá na ponta da mesa, dava um murro.
48:50E um desses companheiros, que eu não vou falar o nome,
48:53ele desmaiou e depois foi levado para o xadrez em que eu estava.
49:00Ele tentou se matar.
49:02Eu impedi que ele se matasse.
49:05E sabe o que aconteceu com ele?
49:07Ele ficou com um desvio de coprofagia.
49:10Ele ficou louco e eu tinha que segurá-lo porque ele comia fezes.
49:17Ficou louco na tortura.
49:19Comia fezes.
49:20Eu não vou citar o nome dele porque eu não sei se ele recuperou.
49:25Então vocês imaginem o que a gente sofreu.
49:27Eu fui militante da luta armada.
49:30Não havia opção para a minha geração.
49:32Todas as liberdades desse país foram cerceadas.
49:37Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu.
49:43A gente estancou de repente.
49:47Ou foi o mundo então que cresceu.
49:50A gente quer ter voz ativa.
49:53O nosso destino mandar.
49:56Mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá.
50:04No rio da estante, roda moinho, roda violão.
50:09O tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração.
50:16A gente vai contra a corrente, até não poder desistir.
50:22Na volta do barro é que sente o quanto deixou de cumprir.
50:29Faz tempo.
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