Pular para o playerIr para o conteúdo principal
  • há 5 semanas
Cristina Lemos, 66 anos, é servidora pública em Igarapé-Miri e mora em Ananindeua, na Grande Belém. Há oito anos, sua vida virou de cabeça para baixo com o desaparecimento do filho do meio, Thiago Lemos da Silva, então com 32 anos. Desde o dia 3 de novembro de 2017, data em que ele saiu de casa e não retornou, Cristina percorre delegacias, hospitais, redes sociais e até cidades distantes na esperança de encontrá-lo. Hoje, Thiago teria 40 anos.

REPORTAGEM: FERNANDO ASSUNÇÃO
IMAGENS: CRISTINO MARTINS

Categoria

🗞
Notícias
Transcrição
00:00O Thiago foi um menino normal, uma criança normal, brincava tudo.
00:05Quando ele fez nove anos, o pai dele faleceu no acidente.
00:09Ele sentiu muito.
00:11A partir daí, ele ficou muito calado.
00:15A gente percebeu, com alguns meses, que ele tinha alguma coisa.
00:22Aí a gente providenciou o psicólogo e tudo.
00:25O trauma para ele foi muito grande.
00:27Aí tá, passou, a gente ficou sempre dando atenção a isso, né?
00:33E com 14 anos, 15 anos, ele começou a dar problema, né?
00:42Ele começou a beber.
00:44Aí eu troquei ele de escola.
00:47Uma série de coisas que eu percebi que não estava bem.
00:51Aí ele pegou e, com 16 anos, eu descobri que ele estava fumando maconha.
00:59E nessa época, não demorou, ele passou no vestibular, fez faculdade, se formou, né?
01:04E no dia da população dele, chegou aos 4 anos, no curso dele, ele teve o primeiro surto, né?
01:14Aí eu levei ao médico, o médico diagnosticou ele com esquizofrenia, com esquizofrenia.
01:20E a gente começou a tratar tudo, mas ele sempre muito estranho, né?
01:25E começou a nossa luta naquele momento, porque, além dele querer usar droga, ele já estava diagnosticado.
01:35Não dá certo, a pessoa já tem a mente, né?
01:39Completamente perturbada e, por mais, ingerindo qualquer tipo de droga, é mais complicado.
01:46Aí ele teve primeiro a internação, dois anos depois a segunda internação, mas ele conseguiu terminar o curso dele, ele ainda fez pós-graduação.
01:58Ele terminou o curso, ele terminou o período de inglês, ele fala inglês fluente, né?
02:04E ele foi, e a gente sempre pelejando.
02:07Quando ele se formou, eu montei um escritório de contabilidade para ele, ele não conseguiu trabalhar.
02:13E aí a gente ficou, ele ficou só em casa, só em casa, só querendo usar droga, a gente não deixava.
02:20Quando foi na terceira internação, ele disse pra mim que ele...
02:27Eu disse pra ele, olha, tu não tem mais como usar droga, então, tu não vai mais usar droga, eu falei pra ele.
02:34Ele fugia, às vezes, ia ali na esquina, ia ali no líder.
02:37Aqui em casa sempre foi muito monitorado, era por causa dele também, né?
02:41E, como eu trabalho pro interior, eu sempre tive esse cuidado.
02:46Quando foi um dia, quando ele, com 22 anos, ele terminou o curso dele, ele nem teve a festa, ia ter a festa.
02:55Aí ele teve o primeiro surto, ele foi internado 15 dias.
02:58Esses 15 dias, quando ele saiu, não aceitava medicação, foi aí que começou a nossa luta, né?
03:04Então, o Tiago não aceitava a doença dele.
03:10Aí, passaram-se dois anos, ele teve o segundo surto.
03:16Aí a gente tratando, pelejando, tentando dar medicação oral, aí não conseguia.
03:22E aí, conseguimos, né, o psiquiatra aqui em Belém, é um remédio de ponta, na época, oito anos atrás,
03:30que era uma medicação aí de ponta.
03:34A gente começou a dar um injetável pra ele, não adiantou nada.
03:38Tipo assim, era o remédio que era a nossa esperança, né?
03:41Quando foi, passaram-se mais uns dois ou três anos, ele teve o terceiro surto.
03:48Eu não entendi de novo.
03:49Aí eu disse pra ele, tu não vai mais usar droga.
03:54Porque cada ano ele piorava, cada momento ele tava piorando, né?
03:58O remédio não adiantava, ele querendo sair, fugir, pra usar droga, a gente não deixava, enfim.
04:04Quando ele saiu da terceira internação, eu mandei ele direto pra uma clínica de...
04:13Pra recuperação de drogado, né?
04:15Ele passou seis meses lá, internado.
04:19Porque uma internação dessa, ela é compulsória.
04:22Aliás, ela deveria ser, mas não é permitido que seja compulsória.
04:26Só se a lei mandar.
04:28Mas eu consegui que ele não saísse de lá.
04:31Então ele ficou seis meses lá, internado, entendeu?
04:34E ele saiu bem.
04:37Tranquilo, dizendo que não queria mais saber.
04:39Aceitou o tratamento e tudo.
04:41Quando passaram-se dois anos, a gente já tava vivendo mais ou menos tranquilo, né?
04:54Em relação a ele, a doença dele e ao problema dele.
04:57Foi quando ele inventou que ele queria usar droga de novo.
05:01Dois anos depois.
05:03Aí eu disse, não, tu não vai mais.
05:04Porque a gente não merece isso.
05:07Nem nós, nem você.
05:09Depois de tudo que nós fizemos, de todo o sofrimento, não.
05:12Aí eu peguei e disse que não, que não ia mesmo, né?
05:17Aí a casa aqui, na Fortaleza, ele não saía.
05:21Realmente, a gente não podia permitir que o Thiago saísse.
05:25Porque ele saía pra procurar droga.
05:28Entendeu?
05:30Quando foi um dia, né?
05:32A gente sempre, tudo que ele queria, a gente fazia.
05:34Eu quero isso, a gente trazia.
05:36Eu quero aquilo, tá.
05:37E foi um dia, eu saí, isso aconteceu em outubro de 2017.
05:45Ele disse que ele ia usar droga de novo.
05:47Eu disse que não, que ele não ia usar droga de novo.
05:50Ele virou pra mim um dia, ele falou, é, um dia eu vou sair daqui e eu vou morrer por aí, ele falou.
06:02Aí eu disse, não, tu não vai.
06:03E eu fiz o que eu pude, sabe?
06:08Eu fiz o que eu pude.
06:10Quando foi, foi em outubro.
06:12Quando foi em novembro.
06:16Eu fui ali no supermercado.
06:18Quando eu voltei, ele não tava.
06:23Ele pegou dois pares de roupa, né?
06:26Dois pares de roupa.
06:29Uma carteira de cigarro, que a gente fumava muito naquela época.
06:32E saiu.
06:34Eu imaginei que ele tinha ido pro líder atrás de bebida.
06:38Esperei 20 minutos.
06:42E ele pegou e ele não voltou.
06:44Quando ele não voltou, eu peguei o meu carro e saí atrás.
06:46Não fui pro líder, não encontrei.
06:48Aí eu comecei a andar.
06:49A partir daí, nunca mais nós soubemos dele.
06:54Nunca mais.
06:54Todos os recursos que a gente tinha, oito anos atrás, né?
06:58Que a internet, acho que era, devia ser mais lenta, alguma coisa assim.
07:02Nós fizemos.
07:04No segundo dia que ele tinha sumido, ele tinha saído.
07:09Eu, a gente pegou muitos amigos, que nós temos bem amigos, né?
07:12Cada um entrou num carro.
07:14Nós reviramos a cidade de cabeça pra baixo.
07:16Nós falamos com o pessoal da polícia, botamos a foto dele nas viaturas, né?
07:24Mas nunca ninguém viu ele, nunca.
07:26Eu não sei como ele saiu daqui e desapareceu.
07:31Simplesmente ele desapareceu, ele não sei.
07:33Até hoje eu me pergunto como, meu Deus.
07:37Porque alguém tem que ter visto alguém.
07:39A única coisa que eu sei te dizer é que a câmera viu ele saindo daqui e, na época,
07:46era uma safra ali na esquina.
07:48Ele passou na frente da câmera da maçafra.
07:52Aí pegou ele todo arrumado, ele usava dread, né?
07:55Cabelo bem arrumadinho, camisa por dentro e uma de fora, tênis.
08:03E ele passou pra lá, pro lado do entroncamento, né?
08:07E aí a gente não sabe se ele pegou o ônibus pra ir pra lá ou se ele atravessou a passarela
08:17e pegou o ônibus pra ir pra lá, pra Marituba, né?
08:20E a partir daí a gente começou, eu passei assim dois anos mesmo andando, andando, andei
08:28em praia, fui pra Salvador, porque ele tinha uma fixação por Salvador.
08:33Foi na época que começou a... logo depois da Covid, essa viagem que eu tinha pra lá
08:39não pôde ser feita, porque ninguém podia viajar.
08:42E assim que ele beirou eu fui.
08:44Fui pro IML de lá, fui pra rádio.
08:48Fiz um monte de reportagem, passei uns 10 dias em Salvador e nunca ninguém me deu uma notícia dele lá.
08:54Lá eu tenho contato até hoje do pessoal de lá, do pessoal da polícia, mas nunca.
09:02Não sei, eu não sei te explicar como foi isso, entendeu?
09:05Porque a pessoa, não sei, não desaparece assim, né?
09:09Assim, simplesmente, não sei.
09:11Ele com o problema que ele tem, ele é esquizofrênico, um nível bem severo, né?
09:17Ele precisa da medicação.
09:20Se ele sem medicação, eu não sei como ele consegue isso.
09:27Não sei.
09:29Eu já disse que eu não desisto.
09:31Hoje, eu já fiz aquele exame de DNA nacional, já viajei pra onde eu achei que ele poderia.
09:38Eu não posso estar em cada lugar, porque é meramente meio impossível pra mim, né?
09:44Mas todos os recursos, ele tá em site de desaparecido do Brasil.
09:52Eu só não botei, acho que no exterior, porque ele saiu sem documento daqui.
09:56Ele não levou nada, nada.
09:59Ele saiu com dois pares de roupa, carteira de cigarro só.
10:02Nem o computador dele levou, entendeu?
10:05Então, eu não acredito que ele tenha ido longe, assim.
10:08A gente fez buscas, eu já falei daquele pessoal que procura desaparecido, com o Paulo.
10:14Enfim, eu não sei mais.
10:17Tipo assim, se tiver outro recurso que eu puder fazer, eu vou fazer.
10:21Eu tenho esperança, assim.
10:23O psiquiatra dele, dois anos depois eu estive lá com ele, ele me falou que o grau da esquizofrenia dele, que é severa, né?
10:34Que ele ia esquecer da gente.
10:37Eu não acredito.
10:38Eu não, eu não, eu tipo assim, como é que eu não acredito?
10:41Eu não aceito muito isso.
10:43Eu acho que a gente não apaga uma memória de uma vida, né?
10:46E eu acredito que ele deva lembrar.
10:50Ele pode até não lembrar.
10:52Agora, só com a tecnologia hoje, se ele, por exemplo, estiver no presídio, não souber quem é a família dele,
11:00acredito que eu fui informada, não sei se eu estou certa ou não,
11:03de que vão colher o DNA para procurar.
11:08A minha esperança é o DNA, porque o DNA não é só para encontrar que Deus o livre tenha falecido por aí, não, sem identificação.
11:17Mas é dele estar sem identificação, não saber quem ele é.
11:20Eu acredito que funcione aí.
11:22E tipo, eu acho que a tecnologia pode fazer isso.
11:26Eu não sei se é feito.
11:28Para me ajudar, eu tenho cartaz espalhado, assim, no meu, eu tenho em Facebook, né?
11:35O meu nome é Cristina Lemos, no Facebook.
11:38Está lá todas as informações.
11:40Ou então, ir na delegacia de desaparecido, aquela de São Brás, que o caso está lá, o delegado sabe.
11:46De todo, todo o caso, de vez em quando eu vou lá com ele, perguntar se tem alguma novidade, alguma coisa.
11:53É, se não chegar a nós, pode chegar na delegacia.
11:57Ou então, na televisão, ou ligar para a liberal, para qualquer lugar, qualquer meio de comunicação.
12:02Quem está com ele, se ele estiver com alguém, eu acho muito difícil o Tiago estar em Belém, porque...
12:10É, tipo assim, ele tem umas características que não tem como confundir o Tiago.
12:15O Tiago, ele tem uma tatuagem na mão, escrito o nome do pai dele, que é falecido.
12:21Ele mandou tatuar quatro letras, L, I, T, O.
12:24Aqui.
12:25Lito.
12:26Lito, o nome do pai, o apelido do pai dele, o nome do pai dele era Manuel.
12:31Então, o apelido do pai dele, desde criancinha, era Lito.
12:34Então, ele tatuou.
12:36E a costa do Tiago é toda tatuada, com imagens de paisagem, entendeu?
12:41E eu sempre coloquei isso, toda vez que eu fui procurar os órgãos, fui fazer alguma entrevista,
12:47eu sempre frisei muito essa situação.
12:49Então, não dá para a pessoa se enganar.
12:51Ele pode estar diferente.
12:53Ele saiu daqui com 32 anos, ele tem 40 agora.
12:58Ele pode estar de cabelo cortado, eu não sei como é que o meu filho pode estar.
13:01Mas, a mão dele vai dizer quem ele é, porque ele não vai apagar uma tatuagem.
13:08Nem a costa dele, a costa dele não tem como apagar.
13:13Essa dor é, eu digo assim, Deus escolhe as pessoas que aguentam.
13:25Porque quando vai, está perto de Deus, a gente sabe onde está.
13:35A noite, a gente deita, a gente diz, cadê o meu filho?
13:40Todo o Senhor, cadê o meu filho?
13:43Mas, eu tenho muita fé, sabe?
13:46Que acho que não chegou o momento.
13:50O momento de Deus, acho que não chegou.
13:53Porque senão, ele já teria me respondido.
13:55Porque, olha, eu peço muito.
13:57Eu estou aguardando.
13:58Eu sei que, em algum momento, isso vai chegar, vai acontecer.
14:05Entendeu?
Seja a primeira pessoa a comentar
Adicionar seu comentário

Recomendado