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PessoasTranscrição
00:00Você tá brincando comigo, né? É sério.
00:01Não, vem, vem pra ver, vem.
00:03Tá bom.
00:07É chique. O que é isso?
00:09Um banheiro, não tá vendo?
00:11Ah, tá. Olha, no meu bairro não tem nada assim.
00:14Pera, pera. Onde é que tem uma água assim bem quentinha?
00:17Já vai ver.
00:22Olha.
00:25Prontinho, entra.
00:26Não acredito.
00:27Não acredito.
00:28Vamos, entra.
00:30Peraí, calma.
00:31Sim, claro.
00:33Não vou me queimar?
00:34Não, não, minha filha.
00:36Ai, que delícia, quentinha.
00:40Olha.
00:41Lá no bairro tem um cano que a gente pega água pra todo mundo e que sai água fria, sabe?
00:46E às vezes bem suja.
00:48Ai, aqui até dá gosto da gente se molhar, né?
00:51É muito legal molhar aqui as mãos.
00:54Olha, toma banho, Maria. Anda.
00:56Já vai?
00:57Como é que você se chama?
01:01Lupe, não é?
01:02Sim, Vaga Lupe.
01:04Ah, como a virgem.
01:08Mas você é assim comigo, como a virgem.
01:11Assim como era minha madrinha Cacilda.
01:14Que descansa em paz.
01:15Ela não era como as outras dessa casa que me olhavam assim como se eu fosse doente.
01:19Deixa eu tomar banho que elas vão ver.
01:20Podemos educá-la, ensinar modos, refiná-la.
01:24Por favor, por mais que refinem.
01:26Quando a rasfarem um pouco, sai o cobre.
01:30Pelo menos poderemos fazer dela uma mocinha digna.
01:33Entende?
01:34Não, não entendo.
01:35Isso não está muito claro.
01:37Nossa, estava muito gostosa essa água.
01:42Vem cá, não tem uma roupa assim toda preta?
01:46Sim, mas a dona Vitória ordenou que te desse uma azul.
01:49E essa roupa se chama uniforme.
01:51Ah, é que eu estou de luto.
01:56É que minha madrinha já morreu faz pouquinho tempo.
01:58Essa cor também serve de luto, filha.
02:01É sério.
02:02Bom, se você diz, deve saber mais do que eu.
02:05Olha, e nessa casa não tem garoto, não?
02:07Os donos não tiveram nenhum filho, não?
02:09Tem filhos, mas já são grandes.
02:11E por onde andam?
02:12Eu não vi nenhum aqui.
02:13Só aquela chata alta assim, que dizem que é a sobrinha da dona Vitória.
02:17Dois estão viajando e chegarão na sexta-feira.
02:20E a caçula, a única mulher, deve estar na aula.
02:23Nossa, se for igual a dona Vitória e a sobrinha...
02:26Ou como aquela outra lá, que me olhou muito sem graça.
02:28Eu vou passar um aperto.
02:30Vanessa é muito inquieta, mas é uma boa menina.
02:33Já o Vladimir é um amor.
02:36O único que não tem um bom comportamento é o seu Luiz Fernando.
02:39O que é ele?
02:40Ele é muito bonito, muito simpático?
02:42Não, ele era muito simpático e brincalhão.
02:45Mas teve muitos problemas e se tornou muito revoltado.
02:49Mas que cara mais complicado.
02:52É, o Luiz Fernando é o único com quem você pode ter problemas.
02:55Por isso, tome muito cuidado.
02:58Olha, Lupe, não.
03:00Para falar a verdade, eu não tenho vontade de ficar nessa casa.
03:03Olha, eu não vou segurar a língua.
03:05Se me expulsarem, que me expulsem.
03:07Tudo bem?
03:08Volto para o meu trabalho, não vou morrer de fome.
03:11Mas não vou aguentar a grosseria de ninguém.
03:13E muito menos desse nojento do Luiz Fernando que você falou.
03:17Não, muito menos dele.
03:18Fernando, você esqueceu que nossos filhos chegam na sexta.
03:21E o que tem isso?
03:22Você acha que eles vão gostar de chegar em casa e encontrar uma menina como essa,
03:26sendo tratada como afilhada, recolhida por caridade?
03:29Com Vladimir não terá problema.
03:30E com Vanessa, muito menos.
03:31Mas terá com Luiz Fernando?
03:33Se ele não gostar, azar dele.
03:34Você vai aborrecê-lo mais do que ele já está.
03:37Ele está tão metido em si mesmo que certamente nem vai reparar nela.
03:41É que assim que Luiz Fernando a vir, irá embora de novo.
03:44Pois, ele que vá.
03:45Fernando, por favor.
03:46Toda vez ele vai.
03:47O que importa é sua presença física.
03:49Se ele nem fala conosco, nós existimos para ele.
03:52É o problema dele, Fernando.
03:53Compreenda.
03:54Mas agora vai se agravar, porque nesta casa haverá uma mudança,
03:57mesmo que se torne insuportável, Vitória.
03:58Eu garanto.
04:00Eu fiquei de boca aberta quando a vi.
04:03E ela é bonita?
04:05É uma gata.
04:06Mas como essa ralé pode ser bonita?
04:08Como é que o senhor tem a coragem de trazer essa menina para essa casa?
04:11Bem, e em que ela vai trabalhar?
04:13Já tem muitos empregados.
04:15A dona Soraya deu a entender, assim como quem não quer nada,
04:18que o seu Fernando deve ter tido seus motivos para trazer essa menina.
04:23Bem, e você, se pensa, o que você pensa, Carlota?
04:27Eu já trabalhei em muitas casas.
04:29Quando os patrões tiveram filhas fora do lar, e de repente...
04:33Chega, chega, chega.
04:34Será que vocês não sabem fazer outra coisa além de denegrir a humanidade?
04:37Você, decomida sua filha.
04:39E você vai servir a mesa, porque os patrões já estão sentados.
04:43Sim.
04:46Bem.
04:46Estou cheirosinha, banho entomado.
04:57Com licença.
05:00E esse uniforme, por quê?
05:02Eu mandei que ela colocasse.
05:03Pois que eu tire agora mesmo e ponha uma das roupas que eu trouxe.
05:06Mas, Fernando...
05:06Faça o que eu digo, Lupe.
05:08Peraí, peraí, seu louro.
05:09Comigo não se preocupa, não.
05:10Se eu tiver que usar o uniforme, eu vou usar, porque eu sou empregada.
05:13Não, não vai trabalhar de empregada.
05:15Não?
05:16De quê?
05:17Simplesmente será nessa casa como uma hóspede.
05:20Sabe o que é isso?
05:21Para falar a verdade, não.
05:24Mas se para trabalhar de hóspede eu tenho que usar o uniforme, tudo bem.
05:27Eu ponho o uniforme, tudo bem.
05:29Ser hóspede é ser como um visitante.
05:32Vai ser como o da família.
05:33Vai se educar, irá a uma escola, aprenderá a se comportar como pessoa normal e depois...
05:38Depois Deus dirá.
05:40Não gostou da ideia?
05:42É que, assim como o senhor está falando, parece muito estranho, muito doido.
05:45Porque se a madama aí não me quer como empregada, então muito menos vai me querer na família, né?
05:50Você não se preocupe, deixe isso comigo.
05:52Lupe, leve-a para trocar de roupa e traga de novo.
05:56Faça o que o senhor disse.
06:01Urbano, põe um lugar na mesa para a menina.
06:04Pare de brincadeira, Fernando.
06:05Faça o que eu disse, Urbano.
06:08Fernando, eu não vou tolerar essa humilhação.
06:10Se quiser, pode se levantar.
06:11Mas isso não é possível.
06:14Deixe-nos a sós, Urbano.
06:18O que está pretendendo?
06:20Que me compreenda.
06:21Quando faço caridade, eu faço completa.
06:24Se eu quisesse uma empregada, eu teria pedido a uma agência.
06:26E ela não é uma empregada.
06:28Eu não te amo mais.
06:30Eu amo muito.
06:34Eu vou me vingar.
06:36A primeira que atravessar o meu caminho.
06:39Eu vou me vingar.
06:40Mudei de roupa, seu louro.
06:46Muito bem.
06:47Acha que está melhor?
06:48Você vai se encarregar de comprar roupa.
06:50Sente-se, Maria.
06:51Quer que eu sente?
06:52Para o quê?
06:53Para você comer.
06:54Deve estar com fome.
06:55Oi, eu estou morrendo de fome, meu irmão.
06:58Estou com um pouquinho de fome.
06:59Minhas lombrigas estão reclamando, sabe?
07:01Mas como é que eu vou sentar aqui com vocês?
07:03Sentando.
07:04Senta.
07:04Ah, mas é que...
07:05Eu não sei como é que essas coisas chiques assim...
07:08Será que não percebe?
07:09A menina tem mais consciência que você.
07:11Aprende que é o que eu quero.
07:12Eu trouxe você para ensinar a ser uma moça indicada.
07:14E hoje mesmo começaremos com as aulas.
07:17Vamos, sente-se.
07:19Não, não, olha, seu louro, é que...
07:21Se a madama não me deixar, eu não me sinto.
07:23Depois ela fica com raiva dela.
07:25E as madama é que manda nas casas, né?
07:27Aqui acho que são os homens.
07:29Vitória, me agrade.
07:30Comece a tratá-la como eu quero.
07:32Diga ela para se sentar, sim?
07:33Por favor, Vitória.
07:35Está bem, menina, sente-se.
07:37Ih, aí, gostei.
07:39Agora sim.
07:40Eu já avisei que eu não sei como é chique.
07:42Vocês vão ter que duetar, hein?
07:44Podem ser bem.
07:44Gente, mas por aqui tanta coisa...
07:47Por aqui tanto copo, louro?
07:49Ô, bigode.
07:53Não briga.
07:54São as barcos.
07:55Não, isso é não briga.
07:56Fique com ela, Lupe, para ajudá-la.
07:59Sim, senhor.
08:01Desculpe.
08:02Eu me atrasei um pouquinho.
08:05Temos convidados?
08:07Aham.
08:08Fique sabendo que trouxe uma empregada nova, papai.
08:11Você entendeu mal, Vanessa.
08:12Ela não é uma empregada.
08:13É uma menina órfã que eu quero ajudar.
08:15Se chama Maria.
08:17E espero que para você seja como uma irmã.
08:27Vai chegar bêbado em casa.
08:28Não se meta.
08:30Não é problema, senhor.
08:31Aceita mais um pouco?
08:40Puxa.
08:41Eu acho que nessa casona...
08:42Eu vou passar muito aperto.
08:44Vai acontecer como aconteceu com a menininha da história.
08:47Que a minha madrinha Cacilda me contava.
08:52Tem que lavar o chão de toda a casa.
08:54Lavar todas as paredes.
08:56Lave minha roupa.
08:57Passe minha roupa.
08:58Costure minha roupa.
08:59Guarde minha roupa.
09:00De agora em diante.
09:01Você terá que fazer todo o meu trabalho.
09:02Entendido?
09:03Vai ser nossa escrava.
09:07Vocês não se metam comigo.
09:09Porque eu faço que vocês sumirem.
09:12Malvadas.
09:12Se o papai e a mamãe começarem com as irmãs, eu volto para a Europa.
09:28Ô Greco, vamos combinar uma coisa?
09:30Você para de sacudir, tá?
09:31Porque não dá.
09:32Não dá para te ensabuar.
09:33Não dá para te ensabar.
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