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  • 19/07/2025
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, em maio de 2025, pela primeira vez, a possibilidade de retificar o registro civil para que nele conste gênero neutro. Ou seja, o sexo não será identificado nem como feminino nem como masculino. A decisão reacende o debate sobre os direitos e o reconhecimento de pessoas não binárias, aquelas cuja identidade de gênero não se encaixa nas categorias tradicionais de homem ou mulher. No dia a dia, essas pessoas enfrentam barreiras burocráticas e desafios cotidianos para existir em uma sociedade que ainda enxerga o mundo sob uma lógica binária.

⁠Leia a íntegra da reportagem⁠⁠ https://www.em.com.br/diversidade/2025/06/7188029-pessoas-nao-binarias-expoem-os-desafios-do-reconhecimento-formal-em-minas.html

O⁠ ⁠⁠⁠⁠⁠⁠⁠⁠⁠Notícia em áudio⁠⁠⁠⁠⁠⁠ é um podcast do⁠ jornal ⁠Estado de Minas⁠⁠ ⁠⁠⁠⁠que lê, aos sábados e domingos, uma grande reportagem para você ouvir no seu tempo. Sem deixar que a pressa do dia a dia atrapalhe a imersão no tema. Afinal, uma boa história merece ser contada e recontada muitas vezes. E em vários formatos.

Reportagem: Maria Antônia Rebouças
Locução: Maria Antônia Rebouças
Arte sobre foto de Alexandre Guzanshe
Coordenação: Rafael Alves

#STJ #lgbtqiapn+ #pronomeneutro #naobinario

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Notícias
Transcrição
00:00Olá, eu sou Maria Antônia Rebouças e esse é o Notícia em Áudio, um podcast do jornal
00:08Estado de Minas, que lê, aos sábados e domingos, uma grande reportagem para você ouvir no
00:13seu tempo.
00:14O texto de hoje é de minha autoria.
00:16Pessoas não binárias expõem os desafios do reconhecimento formal em Minas Gerais.
00:22O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, em maio de 2025, pela primeira vez, a possibilidade
00:28de retificar o registro civil para que nele conste gênero neutro.
00:33Ou seja, o sexo não será identificado nem como feminino, nem como masculino.
00:38A decisão reacende o debate sobre os direitos e o reconhecimento de pessoas não binárias,
00:43aquelas cuja identidade de gênero não se encaixa nas categorias tradicionais de homem ou mulher.
00:49No dia a dia, essas pessoas enfrentam barreiras burocráticas e desafios cotidianos para existirem
00:55em uma sociedade que ainda enxerga o mundo sob uma lógica binária.
00:58Para compreender o tema, é preciso entender a diferença entre sexo e gênero.
01:03Sexo é determinado por características biológicas, como genitais e cromossomos.
01:08Já o gênero é uma construção social relacionada à forma como a pessoa se percebe e se expressa
01:14no mundo.
01:14É o que explica Aidan Marx, pessoa não binária de 30 anos que mora em Niterói, no Rio de
01:20Janeiro.
01:20O sexo geralmente é determinado por noções biológicas do corpo físico.
01:26O gênero é a identidade expressada por aquele corpo.
01:29Resume.
01:30Aos 23 anos, Aidan se identificava como homem trans.
01:34Fez mastectomia e utilizou hormônios por 7 anos.
01:37Até perceber que esse caminho já não refletia sua identidade e atualmente Aidan é uma pessoa
01:42não binária.
01:43Todos nós, o tempo todo, estamos tentando entender quem somos.
01:47Se eu tomei hormônios por 7 anos, é porque fez sentido por aqueles 7 anos.
01:51Mas chegou um momento em que não fazia mais sentido.
01:54E eu parei.
01:54Relata.
01:55Hoje, Aidan tenta alterar seus documentos, que foram retificados anteriormente como masculinos,
02:01para gênero neutro.
02:02Como estudante acadêmico, também desenvolveu uma dissertação sobre a sujeição não binária
02:07no Brasil.
02:08O interessante é que os corpos não precisam ser exatos.
02:12E isso tira um peso enorme.
02:13Afirma.
02:14Aidan acredita que a experiência não binária rompe com a ideia de que as pessoas precisam
02:19ser constantes, lineares e imutáveis.
02:22Se nada na sociedade é constante, por que a identidade de gênero precisa ser?
02:27Questiono.
02:28Comecei a dar nome e a compreender racionalmente meu gênero aos 34 anos.
02:33Mas eu sempre fui uma pessoa não binária, desde criança.
02:36Eu só não sabia dar nome para o que eu sentia.
02:38Conto o jornalista e artista Zaira Magalhães, de 38 anos, morador da região nordeste de Belo
02:44Horizonte.
02:44Zaira é uma pessoa não binária transmasculina.
02:47Ou seja, foi designada do sexo feminino ao nascer, se identifica com o gênero masculino,
02:53mas não de forma exclusiva.
02:55Zaira explica que, por muito tempo, tentou pertencer às opções binárias.
03:00Depois que eu passei da adolescência, acabei me confortando com o título de mulher por
03:04conta do meu contato com o feminismo negro.
03:07Aquilo fazia sentido, talvez por ter sido a minha primeira sensação de pertencimento.
03:11Ainda assim, a sensação de desconforto permanecia.
03:15O conceito binário não dava conta de explicar o que era o meu gênero para mim.
03:19Explica.
03:20À medida que foi conhecendo outras pessoas não binárias, Zaira foi desenvolvendo sua
03:24auto-percepção.
03:25Minha aparência hoje está bem ambígua.
03:27Se eu uso roupas largas, as pessoas não percebem meus seios e me leem como homem.
03:31Mas eu também uso decote quando quero.
03:33Conta.
03:34Se fizer sentido para mim, eu continuo usando, seja saia, seja batom, o que for.
03:38O maquiador Luke Loureiro, de 19 anos, morador da região oeste de BH, também viveu um processo
03:44semelhante.
03:45Ele se identifica como pessoa não binária a gênero.
03:49Não se identifica com gênero nenhum.
03:51Eu fui uma criança feminina, gostava de rosa e de boneca, mas nunca me vi como mulher
03:55e não me identificava com o que era ser mulher.
03:58Demorei uns três anos para entender o que eu era.
04:00Relata.
04:01Esse processo, segundo Luke, foi marcado por angústias, inseguranças e microagressões
04:06diárias.
04:06Na internet, eu me declarava pessoa não binária, mas na vida real, eu tinha medo.
04:12Sempre me escondia muito.
04:13Às vezes, dizia que Luke era apelido ou nome artístico.
04:16Luke explica que, até hoje, lida com alguns preconceitos quando usa vestido, por exemplo.
04:21Isso porque, segundo o maquiador, existe uma expectativa de que uma pessoa não binária
04:26se vista de maneira andrógina, ou seja, apresentando simultaneamente características
04:30do gênero masculino e feminino.
04:33Mas a gente não tem obrigação de entregar essa androginia, justamente porque não queremos
04:37nos encaixar em nenhuma dessas caixinhas.
04:39Explica.
04:40Essa desconstrução também faz parte da trajetória de Luisa Cantini, designer de 23
04:45anos, que mora na região da Pampulha.
04:47Luisa se identifica como pessoa não binária, embora nunca tenha sentido desconforto com
04:52seu corpo ou com seu nome.
04:53Para muita gente, é mais fácil enxergar o mundo em duas caixinhas, mas até o próprio
04:58conceito de ser homem ou de ser mulher é flexível.
05:01Reflete.
05:02No caso de Luisa, o incômodo se manifestava na forma como a sociedade impunha expectativas
05:07sobre roupas, comportamentos e papéis.
05:10Não é que meu corpo me causasse desconforto, mas a maneira como eu era lida socialmente.
05:15Usar vestido, por exemplo, me causava uma sensação estranha, assim como usar uma bermuda
05:20e tentar performar uma masculinidade que não fazia sentido para mim.
05:24Explica.
05:24Para além das vivências individuais, há um obstáculo estrutural.
05:28Eidan Marx chama a atenção para a dificuldade do Estado brasileiro em lidar com identidades
05:33fora do binário.
05:34Se o SUS não comporta, se a Receita Federal não comporta, se a aposentadoria não comporta,
05:39a mudança fica só no papel.
05:41O Estado é binarista e precisa atualizar essa sua leitura.
05:44Conclui.
05:45A reportagem procurou o coletivo não binário de Minas Gerais para pedir dados.
05:49Em nota, o coletivo afirmou.
05:51Na atualidade, não existem dados.
05:53E sabemos que a ausência de dados é considerada um dado em si, já que denota que toda uma
05:57população está excluída das políticas públicas e sequer é reconhecida, quanto
06:02menos assistida.
06:04O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística também não tem dados específicos sobre
06:08pessoas não binárias no Brasil.
06:10Diferentemente de outros estados brasileiros, onde a retificação para pessoas não binárias
06:14podem ser feitas diretamente em cartórios, em Minas Gerais o caminho ainda é burocrático.
06:19A única possibilidade é pela via judicial, com acompanhamento da defensoria pública ou
06:24de um advogado particular.
06:26As pessoas transbinárias conseguem retificar nome e gênero diretamente no cartório.
06:31Já as pessoas não binárias, como não há regulamentação legal específica, precisam
06:36entrar com uma ação judicial e esperar uma sentença do juiz.
06:39Explica Vladimir de Souza Rodrigues, defensor público estadual de direitos humanos.
06:45Ele lembra que o Brasil tem um sistema jurídico e estatal profundamente binário.
06:50Padrão de gênero do estado ainda é homem ou mulher.
06:53Como uma série de direitos estão atrelados à categoria de sexo, como aposentadoria,
06:57concurso, serviço militar, a justiça entende que esses casos exigem julgamento.
07:03Completa.
07:03A falta de legislação específica faz com que cada pessoa não binária precise brigar
07:08individualmente por sua identidade, seja no registro civil, seja em outras esferas
07:13da vida.
07:14Paixão CCM Andê, de 35 anos, pessoa não binária que realizou a retificação do documento
07:20em Belo Horizonte, viveu na pele os entraves do sistema de 2023 a 2025.
07:27Durante o processo de retificação, ele conta que sofreu preconceito de um juiz que chegou
07:32a exigir extratos bancários como critério para avaliar o seu pedido.
07:36Hoje, usa o nome Paixão, que não delimita gênero, e CCM Andê, nome que veio do candomblé
07:42e significa cobra d'água em quimbundo, uma língua de origem angolana.
07:47Explica.
07:47Do lado dos cartórios, a situação também é desafiadora.
07:51Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão Nacional de Registros Públicos, admite que
07:56O registro civil tem sido cada vez mais provocado a se adaptar às demandas da diversidade, mas
08:02ainda opera dentro dos limites da lei.
08:04Se os documentos trazem constrangimento, a alteração deles é fundamental.
08:08Mas fora da binariedade, hoje, o caminho jurídico ainda é limitado.
08:12A legislação e os sistemas públicos ainda estão se adaptando a isso, afirma.
08:17A busca pela retificação de documentos com gênero neutro cresceu significativamente nos
08:22últimos anos em Belo Horizonte.
08:24Segundo o defensor público Vladimir Souza, há cerca de dois anos, a defensoria decidiu
08:29organizar um mutirão para medir a demanda desse público.
08:32A demanda foi muito elevada, em torno de 200 pessoas só em BH.
08:37E se houvesse a possibilidade de fazer a retificação diretamente em cartório, esse número seria,
08:42com certeza, ainda maior, afirma.
08:45Vladimir explica que atualmente, para realizar a troca de documentos, basta procurar a Defensoria
08:49Pública de Minas Gerais.
08:51A medida de duração do processo em BH, atualmente, é de cerca de seis meses.
08:56A íntegra dessa reportagem foi publicada no jornal Estado de Minas, em 30 de junho
09:01de 2025.
09:02Acompanhe as notícias mais importantes para o seu dia a dia em nosso site, em.com.br,
09:08e siga a gente no WhatsApp, para atualizações urgentes.
09:11Até a próxima notícia em áudio.
09:12E aí

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