- anteontem
Com uma perspectiva histórica, o capítulo visita a formação do Brasil e o modo como ela foi marcada menos pelo planejamento racional e organizado do que pelo improviso e pela lógica da viração. Primeiro, os brasileiros tiveram que se virar pela falta de Estado. Depois, tiveram que se virar para driblar um Estado espoliador.
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DiversãoTranscrição
00:00Transcrição e Legendas Pedro Negri
00:30Legendas Pedro Negri
01:00Legendas Pedro Negri
01:30Legendas Pedro Negri
02:00Legendas Pedro Negri
02:30Legendas Pedro Negri
03:00A CIDADE NO BRASIL
03:30Os portugueses são um povo de marujos e tem que fazer travessias de meses.
03:39E tem tempestade, os mastros quebram, as velas se arrebentam,
03:43eles têm que saber improvisar dentro de um naviozinho que é desse tamaninho.
03:46Quando a gente vai lá no museu em Lisboa, a gente fica impressionado.
03:51Tem que improvisar dentro do navio, quer dizer...
03:53É uma população de pescadores que está sempre tendo que sair do território,
03:57que tem a lida com os mouros, evidentemente, mistura com os mouros do norte da África
04:03e que tem uma relação diferente, não digo que é melhor nem pior,
04:09diferente com os povos onde chegam.
04:11É difícil pensar no que foi e no que é o Brasil sem se referir à escala.
04:26É um território gigantesco, quer dizer, nós moramos num continente.
04:30Então, dar conta da ocupação e do povoamento de um território desses
04:37implica em formas de vida inusitadas.
04:40Inicialmente, o que se tem é uma integração de pessoas que ficam,
04:47seja por acidentes, naufrágios, degredos,
04:52mas que se integram, de fato, a uma situação onde eles estão sozinhos
04:58e têm que se virar.
05:00Essa viração, de fato, é um fenômeno que continua pelos próximos 500 anos.
05:05Nós temos, desde o início, ou seja, desde esses primeiros anos,
05:09uma presença enorme de pequenos povoados e de gente que vem de toda parte.
05:14Não são só portugueses, são franceses que estão aqui,
05:17são holandeses que estão de passagem, são ingleses, são italianos,
05:21são marinheiros que vão, de alguma maneira, ativar essa costa.
05:25Em muito pouco tempo, com ou sem donatários, ou seja,
05:29pessoas que têm a posse da terra, não são proprietários da terra,
05:32mas têm a posse, o que nós vamos ter é um litoral
05:35onde as pequenas povoações começam a surgir justamente da areia,
05:40são pedras juntadas e cal cobertas de palha,
05:44pequenos negócios sendo feitos.
05:46Inicialmente, é escambo de pau-brasil,
05:49mas, rapidamente, depois, são produtos,
05:51são utensílios para trabalhar a terra.
05:54Então, é sempre bom lembrar que esse início,
05:56esse primórdio não pertence ao Estado,
05:58pertence a pessoas que vão com muito custo,
06:01muita engenhosidade,
06:03uma sinergia incrível de culturas,
06:06porque é sempre bom lembrar que esses brancos estão aprendendo com os índios,
06:10como é que é adentrar a mata,
06:11como é seguir os piabirus,
06:13que eram aqueles caminhos secretos ali,
06:16pelo meio das árvores,
06:17como tirar mel, como aproveitar a mandioca,
06:19onde como pescar, onde é que tinha água,
06:22tudo isso que era uma ciência entre os cacicados indígenas
06:26é, nesse momento, absorvida por essa pleia de homens
06:30que estão aqui indo para baixo, para cima,
06:32e já operosos, e já trabalhando.
06:36Mas a colonização implica uma série de variáveis,
06:40quer dizer, recriar um novo mundo,
06:42segundo determinados parâmetros,
06:45fazer com que as pessoas que ali estão
06:48obedeçam a uma determinada ordem,
06:52que, muitas vezes, é alheia.
06:53Então, como é que uma população que se torna crescentemente mestiça
06:57e que fala a língua geral até o século XIX,
07:00como é que ela vai obedecer diretrizes metropolitanas?
07:04Então, na raiz do Brasil,
07:05o Sérgio Buarque de Holanda tem uma nota enorme
07:07sobre a língua geral, que é uma beleza.
07:09Ele fala, as atas de São Paulo,
07:11da Câmara Municipal, no século XVI, XVII,
07:13frequentemente, elas estão escritas
07:15em uma mistura de português e em Angatu.
07:17Então, e depois, a relação desigual que se estabelece
07:23entre colônia e metrópole gera sempre uma sensação
07:29do imediatismo e da transitoriedade.
07:33Imediatismo, você tem que obter tudo rapidamente,
07:37porque você não vai ficar aqui.
07:39Então, em princípio, um português que se desloca lá do Minho,
07:44porque não tem como sobreviver, em geral,
07:47a família manda o filho que é alfabetizado,
07:50que é mais apto para se virar,
07:52já tem alguns parentes aqui que vão receber,
07:54o menino vem para fazer a América, literalmente.
07:57Mandar dinheiro para Portugal,
07:58voltar e ir lá fazer uma quinta ou abrir um negócio.
08:02Ele não quer ficar no Brasil.
08:03Mas a situação dos seres humanos
08:06que foram colocados aqui,
08:08da dispersão absoluta, da ausência de cidades,
08:12um mundo sem linguagem,
08:13um mundo sem associações,
08:14por oposição à experiência europeia,
08:17que é o mundo do localismo,
08:19da cultura cívica,
08:21da participação direta do cidadão dos negócios públicos.
08:24Ou seja, a ideia de que a crença de pertencimento europeia,
08:28que é cívica e política,
08:29ela não teria se rebatido no cenário brasileiro.
08:33Teria gerado essa imensa dispersão
08:35e, sobretudo, a ideia de que as relações,
08:38quando elas se dão,
08:40elas são pautadas pela violência,
08:43pela força,
08:44sem a mediação,
08:46sem a mediação de referências de ordem mais geral.
08:50Então, essa cultura insolidária,
08:51ao mesmo tempo em que ela é dispersiva,
08:54quando ela produz alguma interação,
08:57essa interação é de natureza privada,
08:59de natureza familística,
09:01quer dizer, a cultura do clã,
09:03e de natureza belicosa,
09:04que não se reconhece uma outra coisa,
09:07uma esfera pública,
09:08uma esfera mais abrangente,
09:10que é de natureza abstrata.
09:12Essa comunidade rural que se forma,
09:15tanto na área do açúcar,
09:18quanto na área pecuarista,
09:19essa comunidade rural,
09:21ela é um mundo em si próprio.
09:23Tanto na família patriarcal,
09:26que o Gilberto Freire escudou,
09:28do açúcar,
09:29ou na família do grande proprietário pecuarista,
09:34você desenvolve uma estrutura patriarcal
09:39que é muito moldante do que aconteceu no Brasil.
09:45E são essas famílias com paterfamília,
09:48com os agregados,
09:49com os filhos das sucessivas mulheres
09:51que vão morrendo de parto,
09:52que não param de ter filho,
09:54e com os índios que, nesse momento,
09:56já estão ali completamente absorvidos
09:59e essas famílias são profundamente hostis
10:03ao controle do Estado ou da Igreja.
10:05Então, vai se criando,
10:07e tanto o Gilberto quanto o Sérgio
10:09mostram isso muito bem,
10:10uma espécie de não Estado,
10:12mas de gente que vai povoando,
10:14de gente que vai produzindo,
10:16de gente que vai sobrevivendo.
10:17Quer dizer, o Brasil é longe de Portugal
10:20e é longe do Brasil.
10:22O Brasil é longe daqui.
10:23O problema da distância
10:25implica em que haja,
10:28haja necessidade de tomar decisões,
10:31às vezes, rapidamente,
10:33por parte dos governantes que estão aqui,
10:36sem conseguir consultar a coroa.
10:41O espaço geográfico que representa o Brasil
10:44espanta o europeu.
10:46Eu acho que eles se dão conta
10:47de que é um mundo tão vasto
10:50e tão complexo
10:52que não há a possibilidade
10:55de você controlar isso
10:57sem força,
11:00sem uma força poderosa
11:02que traga a sua unidade.
11:06acho que o Marquês de Pombal
11:08é a figura que realmente imprime
11:10ao Brasil
11:12essa necessidade
11:14de uma submissão mais forte
11:17à coroa portuguesa
11:19e que traz uma concepção
11:20extremamente autoritária
11:22de Estado,
11:23de governo,
11:23de política.
11:25Então,
11:25o Marquês de Pombal
11:26proíbe o uso no Brasil
11:28das línguas indígenas,
11:30inclusive do Nhangatu,
11:31que era a língua falada
11:32por todo mundo,
11:33inclusive para os bandeirantes.
11:34falavam o Nhangatu.
11:36Aí o Marquês de Pombal
11:37proíbe o Nhangatu
11:38e obriga
11:39que só se use
11:40a língua portuguesa.
11:42Eu acho que aí
11:43é o momento
11:43em que o Brasil
11:44então começa a se enquadrar
11:45mais fortemente
11:46como colônia de Portugal
11:49e aí você começa
11:51a ter uma política
11:52mais planejada
11:57de presença
11:58desse Estado português aqui
12:00e, portanto,
12:01a necessidade do brasileiro
12:03de burlar um pouco
12:05a presença desse Estado.
12:06Vamos tentar
12:07encaixar um pouco
12:09o Pombal
12:09no século XVIII.
12:12O conceito
12:13de polícia
12:14no século XVIII,
12:15na França,
12:16na Alemanha,
12:17onde ele ficou,
12:17foi mais forte,
12:19era a ideia
12:20de polícia
12:22um pouco
12:22no sentido inglês,
12:24de policy
12:24e politics,
12:25de você ter
12:28um planejamento,
12:32uma planificação,
12:33uma organização
12:35administrativa
12:36do Estado.
12:37A polícia,
12:38no sentido policial,
12:40repressor,
12:41mantenedor da ordem,
12:42coisa parecida,
12:43era um aspecto disso.
12:45Mas a ideia
12:46de polícia
12:46envolvia você
12:48atribuir
12:49ao Estado
12:49um papel
12:50que nenhum monarca
12:51absoluto anterior
12:52tinha pensado,
12:53isto é,
12:54um papel
12:55diretor
12:55da sociedade.
12:57O vice-reinado
12:58do Brasil,
12:58etc.,
12:59começou um projeto
13:00que vem até
13:01a vinda
13:01da família real
13:02portuguesa
13:03de 1908
13:03para o Brasil.
13:04Acho que aí
13:04começa um projeto
13:05em que começa
13:06a se constituir
13:07essa nação
13:09e essa nacionalidade
13:10um pouco diferente
13:11desse momento anterior,
13:13que era o momento
13:14em que havia
13:15um hibridismo maior
13:16e havia uma integração
13:17cultural maior.
13:19Acho que aí
13:19se dá uma guinada.
13:20Na hora que a gente
13:21deveria ter,
13:22normalmente,
13:23feito uma revolução
13:27que não teria sido
13:28nem tão complicada
13:29para ganhar
13:30a nossa independência,
13:32a corte de Portugal
13:33foge e vem.
13:35Tom João VI,
13:37ele passa
13:38para uma determinada
13:39visão da história
13:40do Brasil
13:40como um personagem
13:41bobão,
13:43um personagem bobo,
13:44um personagem fraco.
13:46Eu discutiria isso,
13:48porque,
13:49se você for ler
13:51as memórias
13:52do Napoleão Bonaparte,
13:53que ele escreve
13:54já na ilha
13:56de Santa Helena,
13:57se não me engano,
13:58Napoleão vai dizer
13:59o seguinte,
13:59o único rei europeu
14:01que me enganou
14:02foi Dom João VI.
14:04A ideia de vir
14:05para o Brasil
14:06não é uma ideia
14:07que aparece
14:08naquele momento,
14:09ela é anterior.
14:09No final do século XVIII,
14:11você começa
14:12a ter personagens,
14:13tanto no Brasil
14:14quanto no exterior,
14:15que vão dizer,
14:15ó,
14:16a ideia de um império
14:17luso-brasileiro
14:19é uma boa solução
14:21para o poderio português
14:22e para o Atlântico.
14:24A vinda
14:26de Dom João VI
14:27significa,
14:29é uma decisão radical
14:32e,
14:33se a gente pensar
14:34no contexto da época,
14:35inédita.
14:36Quer dizer,
14:37você transferir
14:38uma corte para o Brasil
14:39não é pouca coisa,
14:40nunca tinha sido
14:42tentada na história.
14:43Toda corte,
14:44todo aparato
14:45vem com Dom João,
14:47seus ministros,
14:49os principais da igreja,
14:51a personalidade do exército,
14:53todo acompanha,
14:54o aparelho de Estado,
14:55se transfere para o Brasil.
14:58É isso que vai ser
14:59a essência
15:00do processo de independência.
15:02Por quê?
15:02O Rio tornado metrópole,
15:04Lisboa tornado colônia.
15:06Isso nunca os portugueses
15:07vão aceitar.
15:09Então,
15:09quando Dom João vem,
15:10estabelece aqui
15:11seus ministros,
15:12estabelece aqui o tesouro,
15:14cria logo
15:15uma escola militar,
15:17depois cursos de medicina,
15:19as embaixadas
15:20começam a vir para o Rio,
15:22os embaixadores
15:22têm suas representações.
15:24O Rio se torna
15:26cosmopolita
15:27em pouco tempo.
15:28Quando Dom João sai
15:29em 1821,
15:32as comarcas
15:33pularam
15:33de 21 para 28
15:35e o Juizado de Fora
15:38de 13 para 51.
15:39Então, você tem um crescimento
15:43da burocracia.
15:43Essa burocracia,
15:45ela é bastante atuante,
15:49bastante propositiva.
15:52Isto é,
15:53eu percebi claramente
15:55que, em muitos casos,
15:57os burocratas
15:58pressionam
15:59para a criação de cargos.
16:01Os senhores de engenho
16:02que enriquecem,
16:04eles vão buscar casamento
16:05para as suas filhas
16:06junto a esses oficiais
16:08e funcionários.
16:09Ter um casamento
16:10com um funcionário
16:11era uma forma
16:13inelutável
16:14de agrading,
16:15de dignificar
16:16uma família.
16:18Quando os funcionários
16:19são dos judiciários,
16:22facilitava tudo,
16:23porque se o senhor
16:23de engenho
16:24tinha algum empenho,
16:26ou se ele tinha
16:26algum débito,
16:27ou se ele tinha
16:28alguma dívida,
16:28ou se ele tinha
16:29algum processo,
16:30esse funcionário,
16:31futuro gerro,
16:32ia tratar
16:33de diluir
16:34todos esses problemas.
16:35Então, você tem
16:36aí já
16:37essas caras
16:40diversas
16:41que esse funcionalismo
16:43vai acabar tendo
16:44no Brasil.
16:45Eu acho que essa é a forma
16:46como o Estado brasileiro
16:46funciona.
16:48Então, você tem
16:49essa viração
16:50acontecendo na margem.
16:51Eu acho que ela não é a margem,
16:52eu acho que ela é constitutiva,
16:53porque o Estado nacional
16:54aparece em momentos
16:56mais agudos,
16:59digamos assim.
17:00Ele não se faz presente.
17:01claro que depois você tem
17:03em alguns casos,
17:05cada vez mais,
17:05na verdade,
17:06a partir do século XIX,
17:07uma burocratização
17:08de tudo,
17:08porque você tem
17:09mais papéis,
17:10você tem mais gente
17:12para gerenciar
17:13esse Estado,
17:16mas, de fato,
17:17você tem
17:17um Estado nacional,
17:19herdeiro de uma colônia,
17:22que o espaço
17:23para o arranjo
17:24é muito maior.
17:25Tem essa grande
17:26ambiguidade
17:26na nossa independência,
17:28que foi um momento
17:30de independência,
17:31de reivindicar
17:32a nossa nacionalidade,
17:33mas feita
17:34pelo príncipe português.
17:36Então, você,
17:37talvez não tivesse
17:38outro jeito
17:38naquele momento,
17:39tinha que aproveitar
17:40a presença
17:40de Dom Pedro,
17:41de alguma forma,
17:42mas ela é
17:43um projeto frustrado também.
17:45O príncipe,
17:46era príncipe
17:47antes da nação,
17:48não foi a nação
17:49que se constituiu,
17:51que se organizou,
17:52definiu seus rumos
17:53e produziu
17:53um governo adequado
17:55ao que ela gostaria
17:56de ser.
17:57Em comparação
17:58com a convenção
18:00da Filadélfia,
18:01quase que inevitável,
18:02com a convenção
18:02francesa,
18:03depois de 89,
18:04a nação reunida
18:05em seus representantes,
18:08produz uma certa
18:08ideia de sociedade
18:09e essa ideia
18:10de sociedade
18:11produz uma certa
18:12forma política.
18:13No nosso caso,
18:14a forma política
18:14antecede
18:15e a vida como ela é,
18:17para usar essa
18:17magnífica expressão
18:19sociológica
18:20do Nelson Rodrigues,
18:21ela é tocada
18:23como sempre foi,
18:24quer dizer,
18:25no século XIX,
18:27quer dizer,
18:27a vida não era
18:28a vida dos tribunais
18:30e do Estado,
18:31a vida era a vida
18:31do chamado
18:33poder privado,
18:34por uma razão
18:35muito simples,
18:36o Estado não tinha
18:36meios práticos
18:38de ser aquilo
18:40que ele acha
18:41que deveria ser
18:41centralizado,
18:43onipotente
18:44e onipresente,
18:46pela Constituição,
18:47pelo poder moderador,
18:49papel do imperador,
18:50do governo,
18:51pela letra,
18:52by the book,
18:53centralizado.
18:53Na vida prática,
18:55ela é embaixo
18:56que as coisas
18:56se resolvem.
18:57Os potentados locais,
18:59os senhores de engenho,
19:00grandes proprietários,
19:00de terra,
19:01de escravos,
19:02passam a fazer,
19:03na verdade,
19:03às vezes,
19:04do poder político
19:05e público
19:05nessas regiões.
19:08A cultura do coronelismo
19:09vem daí.
19:10A própria ideia
19:11de guarda nacional
19:12tem a ver
19:12com potentados locais,
19:13privados,
19:14que assumem funções públicas.
19:16Passam a ser a polícia,
19:17passam a ser o juiz,
19:18passam a dirimir pendências
19:20fundadas no poder privado.
19:22E a independência
19:23é feita aqui,
19:24mas ela é provocada lá,
19:26pelos liberais portugueses
19:28que não avaliaram
19:29bem o prejuízo
19:32que era a perda do Brasil.
19:33Houve quem disse,
19:34ah,
19:35adeus, Brasil,
19:36fique por lá,
19:37vocês vão virar um Haiti
19:38com os escravos
19:39matando os brancos,
19:40etc.
19:41então havia da parte
19:43de uma elite portuguesa
19:44um sentimento
19:46de que nós passaremos
19:47muito bem sem vocês.
19:48Houve uma independência,
19:50houve uma independência,
19:51inicialmente comprometida
19:53com acomodações,
19:56tanto que a Casa Real
19:58era a mesma.
20:00Tanto que começou a surgir
20:02uma pendenga,
20:04uma guerra de facções,
20:06os brasileiros
20:07e os portugueses,
20:07porque os portugueses
20:08ainda tinham muitas posições
20:11e os brasileiros,
20:12ficou muito essa tensão.
20:17Isso levou até a abdicação
20:18do imperador,
20:20porque se dizia
20:21que ele resguardava
20:23o interesse dos portugueses,
20:24residentes,
20:26mas até isso se acomodou,
20:27porque as elites se entenderam.
20:30As elites entenderam,
20:32porque era um momento
20:34de expansão da carficultura,
20:36essa que veio assim.
20:37se é do café,
20:39uma época de tráfico,
20:41era preciso fazer o tráfico,
20:43enganar os ingleses
20:44ou assinar tratados
20:45para o inglês vir.
20:46O Estado Nacional Brasileiro,
20:49a partir de 1822,
20:50por opção,
20:51isso é uma opção,
20:52então tem alguns trabalhos
20:53que mostram os debates
20:54feitos entre os deputados
20:56que estão pensando o Brasil,
20:57que estão formando o Brasil
20:59do ponto de vista político,
21:00e na sua imensa maioria
21:01de senhores de escravos,
21:03como eles apostam na escravidão
21:05e numa escravidão que está
21:06num ritmo muito mais próximo
21:08do capitalismo
21:09do que do mercantilismo.
21:11Então,
21:12o número de africanos escravizados
21:13que chega no Brasil
21:14a partir da década de 20
21:17é muito maior
21:18do que o que chegava até então.
21:20Eu acho que a questão ali
21:22que definiu a independência também,
21:28me parece,
21:31é o medo da abolição,
21:34porque a pressão começa a aumentar
21:36em 1807,
21:37quando a Inglaterra abole o tráfico,
21:40tem que abolir, tem que abolir,
21:41mas o ponto de viragem
21:43é a elevação do Brasil ao reino,
21:44que é em 1815,
21:45porque aí os portugueses
21:47ficam loucos da vida,
21:48porque, teoricamente,
21:50se o Brasil é reino,
21:51o rei pode continuar aqui.
21:54Do lado dos brasileiros,
21:56se empoderaram,
21:57como se diz hoje em dia.
22:00Então, essa geração
22:01começa a falar já que é reino,
22:02por que não ser um reino independente?
22:04Eu tenho a impressão que,
22:05a meu ver,
22:06é ali que o negócio
22:07começa a mudar.
22:09E a pressão continuou enorme
22:11sobre a abolição do tráfico.
22:13Então, não,
22:14em 17 a gente abole,
22:16depois foi em 1831,
22:18vamos abolir,
22:18e não aboliram.
22:21Aí sim que eu acho
22:22que é o interesse das elites
22:23de que é impossível abolir o tráfico.
22:26A gente também tende
22:27a naturalizar as permanências
22:28na história.
22:30Então,
22:30em 1822,
22:32o Brasil fez uma independência
22:34um pouco tranquila,
22:36como é ensinado,
22:37que não foi também tão tranquila assim,
22:38mas, enfim,
22:39porque não teve uma grande revolução,
22:40e a escravidão se manteve.
22:42Isso não pode ser naturalizado.
22:44A pressão que Dom Pedro II
22:46sofreu com relação à abolição,
22:49ela é mantida,
22:51esse sistema é mantido,
22:54porque é uma força econômica
22:55muito forte,
22:56que está representada no parlamento,
22:59no sentido de manter o status quo.
23:01E o status quo é escravocrado.
23:03A régua de aferição
23:06do que precisa ser protegido
23:08dentro de uma sociedade
23:10que viveu um projeto colonial
23:12de base escravocrata
23:14é um sujeito que é branco,
23:15um sujeito masculino,
23:16um sujeito de origem europeia,
23:18um sujeito que é cristão,
23:19um sujeito que é proprietário,
23:21um sujeito que é heteronormativo,
23:25um sujeito que é sem deficiência.
23:27E é a partir daí
23:28que o direito vai se construir,
23:31vai criar ferramentas de proteção.
23:33Todas aquelas pessoas
23:35e todos aqueles perfis
23:37que escaparem dessa régua
23:39evidentemente não estarão
23:41sob a tutela do Estado.
23:42E a formação do Estado brasileiro
23:44está diretamente relacionada a isso.
23:46Está diretamente relacionada
23:47a essa impossibilidade
23:49que corpos não brancos
23:51vivam em liberdade,
23:53que corpos não brancos
23:55vivam em humanidade,
23:57equivalente a corpos brancos.
23:59Eu acho que aí começa um pouco
24:01com a independência
24:02que não foi bem uma independência.
24:04Então, você vai...
24:06É necessário esperar.
24:09Isso aí vai vir depois.
24:11Isso foi necessário,
24:12esse arranjo aqui
24:13para garantir a independência,
24:15mas o projeto de criar um país mesmo
24:17vai mais adiante.
24:18A ideia da viração
24:20é que eu acho que existe,
24:21de fato,
24:21e isso tem a ver
24:22com a mesma discussão
24:23que eu tenho aqui,
24:24com a falta de crença e confiança
24:30na institucionalidade.
24:31Esse é um traço muito forte
24:34da sociedade brasileira,
24:35é a ideia de que as instituições
24:37não funcionam
24:38e a gente desconfia delas.
24:40Ele é um país em construção.
24:45Curiosamente,
24:45é um país que já começou
24:48sendo um projeto
24:50que nunca se efetuou de fato,
24:52ele nunca se realizou plenamente.
24:55Por um lado,
24:56isso é um defeito,
24:58por outro lado,
24:59isso é uma virtude.
25:01O fato dele estar em movimento,
25:03dele não ser um país
25:04ainda consolidado,
25:06abre inúmeras possibilidades
25:07para o povo que aqui habita.
25:09Os povos originários
25:11que conhecem a terra
25:12souberam muito bem
25:13se virar aqui
25:13e é por isso que até hoje
25:14o Brasil tem mais de
25:15325 povos indígenas,
25:17alguns que ainda
25:18continuam em isolamento voluntário
25:20e alguns que estão ali
25:25resistindo desde o primeiro contato
25:27em Coroa Vermelha,
25:28em todo o Nordeste,
25:29no litoral sul do país,
25:32no meio da cidade,
25:35porque nós somos
25:36povos originários dessa terra.
25:37Nesses 500 anos,
25:39esses povos que antigamente
25:41podiam ter as suas diferenças
25:43entre clãs e tudo mais,
25:45hoje os povos indígenas do mundo
25:47se reconhecem e aceitam
25:49a sua diversidade,
25:50se tratam como parentes,
25:51como irmãos
25:52e encontram uma união
25:54dentro da sua diversidade
25:56de origens,
25:56de línguas,
25:57de coisas
25:57para lutar por uma coisa.
26:00Aliás,
26:01arrisco dizer por três,
26:03pela dignidade,
26:03pela autonomia
26:04e pela liberdade.
26:05A CIDADE NO BRASIL
26:08A CIDADE NO BRASIL
26:12A CIDADE NO BRASIL
26:14A CIDADE NO BRASIL
26:14A CIDADE NO BRASIL
26:15A CIDADE NO BRASIL
26:16A CIDADE NO BRASIL
26:16A CIDADE NO BRASIL
26:17A CIDADE NO BRASIL
26:18A CIDADE NO BRASIL
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