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  • 26/06/2025
Cientista político venezuelano Moisés Naím fala sobre a recepção de Lula a Nicolás Maduro, as ambições internacionais do brasileiro e o processo de paz na Venezuela

Para além da desastrosa declaração negacionista sobre as violações aos direitos humanos na Venezuela, a agenda de Lula com Nicolás Maduro em Brasília nesta semana serviria ao projeto do petista de projeção internacional.
A reaproximação com a ditadura venezuelana começou ainda em janeiro, com o envio de uma missão para reabrir a embaixada do Brasil em Caracas. Além disso, o motivo oficial da visita foi a reunião da recém-reestruturada União das Nações Sul-Americanas (Unasul), cúpula criada por Hugo Chávez e envolvendo todos os países do continente.
“Lula tem alguma esperança de ser visto como aquele que restituiu a prosperidade, a estabilidade e a democracia em um país que não tem nada. Ele sabe que o problema da Venezuela vai muito além de ‘uma narrativa’”, afirma Moisés Naím, cientista político do Instituto Carnegie para a Paz Internacional.
Mas o presidente não tende a ser bem sucedido nessa empreitada. “Os governos podem ser fortes na diplomacia se tiverem respaldo na política doméstica. E, neste momento, Lula não é forte no Brasil”, explica Naím, que é autor do condecorado livro “O Fim do Poder”, no qual trata da fragmentação e efemeridade do poder na contemporaneidade.
Ex-editor-chefe da revista Foreign Policy por mais de uma década, Naím ainda fala sobre a situação na Venezuela e as dificuldades nos processos de paz na Venezuela e de integração na América Latina.

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Transcrição
00:00Bom, sejam todos bem-vindos a mais uma edição do Cruzoé Entrevistas, meu nome é Caio Matos,
00:12eu sou repórter da revista Cruzoé e o nosso entrevistado de hoje é o Moisés Naim, cientista
00:17político venezuelano, foi editor da celebrada revista Foreign Policy por mais de uma década
00:24e hoje trabalha para o Instituto Carnegie para a Paz Internacional. Tudo bem, Moisés?
00:30Tudo bem, encantado de estar conversando contigo, Caio.
00:34Ah, eu digo o mesmo. Bom, o nosso tema é o tema da semana em questão de política internacional
00:40aqui no Brasil, que foi a visita surpresa do ditador venezuelano Nicolás Maduro ao Palácio do Planalto.
00:48Bom, ele pousou aqui no domingo à noite, teve uma visita surpresa com o presidente Lula
00:56que foi anunciada só na manhã da segunda, ele teve uma agenda com os três eventos, se
01:01não me engano, no Palácio do Planalto e hoje, terça-feira, que nós estamos gravando essa
01:06entrevista, ele vai participar da reunião da Unasul, da recém-reencarnada Unasul, que
01:15é a União das Nações Sul-americanas, que é uma entidade internacional, nós vamos
01:19comentar sobre ela ao longo dessa entrevista.
01:23Então, bom, para começar, eu queria saber, Moisés, o que o senhor achou de, em visão
01:29geral, sobre essa visita surpresa de Nicolás Maduro ao Palácio do Planalto?
01:34O presidente da segunda democracia mais grande do mundo, Brasil, Lula da Silva, se reúne
01:41com um ditador tirano que tortura a gente, seu governo, todos os dias, todo o tempo, onde
01:49a tortura é um instrumento de política pública e o presidente do Brasil não tem
01:57que dizer que ele fala de uma narrativa construída e que essa é a culpa, a razão por qual
02:06venezuela está como está. Hace falta ser muito cego para não saber o que está
02:10acontecendo em Venezuela. Os milhões de venezuelanos que têm que caminhar
02:14em as condições mais terríveis para chegar a outro país com tal de escapar
02:19da pesadinha que construíram Hugo Chávez e Nicolás Maduro em seu momento. E que o
02:26presidente do Brasil não tenha nada que dizer a respeito. As Nações Unidas
02:31têm documentado isso, a Corte Criminal Internacional, temos casos concretos com
02:37nomes, com situações, com testigos de como a tortura é um instrumento normal de Estado
02:42por parte do governo de Maduro. E o presidente de uma democracia como o Brasil não tem
02:48que dizer que há uma narrativa construída. Quem sabe a que estará pensando, mas o
02:56certo é que não está pensando em os assassinos que tem dentro do seu governo que estão
03:01torturando a gente.
03:04E eu queria te perguntar em que medida essa visita te surpreendeu? Porque nós
03:08sabemos que o Lula passa pano para a ditadura venezuelana, mesmo no período das
03:13eleições ele passou pano. E desde o começo do governo, lá em janeiro, já começou
03:18o processo de reabertura da Embaixada Brasileira em Caracas, o reconhecimento do
03:26regime como autoridade representante da Venezuela. Então, em que medida essa
03:31visita te surpreende? Ou já dá para dizer que ela era...
03:33Que Maduro tenha tratado de lograr isso. Recibir a Maduro é o que ele precisa para ser legítimo
03:42internacionalmente, para que a comunidade internacional o reconheça como o presidente
03:47de Venezuela. E isso não acontece, salvo agora com o Brasil. Uma das consequências que vai
03:52ter esta é que agora outros países vão pensar que é legítimo, que é válido, que é aceitar como se fosse um
04:00demócrata, a um tirano, que claramente não o é.
04:07Então, o senhor não acredita? Ou em que medida? Porque o objetivo do Lula, com essa visita e essa agenda
04:14que dura ainda por hoje, do Maduro no Brasil, o objetivo do Lula é reintroduzi-lo ao cenário
04:22internacional. Em que medida o senhor acha que isso é possível?
04:25Os países podem ser fortes afuera, se são fortes adentro. E nesses momentos Lula não é forte
04:34em Brasil. Em Brasil há um grande rechazo por os partidos políticos, por o partido do
04:40presidente, que ganou por umas eleições muito competitivas e ganou por um pequeno margem.
04:49Mas o Brasil tem uma longa tarefa de problemas inmediatos que tem que atender.
04:56A gana de participar internacionalmente, com a conhecemos. Lula se propuso a si mesmo e a Brasil como um
05:02mediador na crise do Medio Oriente. Se propuso também como ser um dos propulsores da transformação
05:10econômica de África. Se oferece como mediador do conflito da Ucrânia, o assassinato, a invasão
05:21assassina na Ucrânia. Então, Lula também está buscando uma presença, um protagonismo internacional
05:32que, em estes momentos, o elude.
05:35Mas, então, voltando aqui para questões concretas da agenda do Maduro aqui no Brasil. O Maduro
05:43veio por conta principalmente da reunião da UNASUR, que é a União das Nações Sul-americanas,
05:49que é uma entidade internacional que promove integração política na América do Sul, envolve
05:55praticamente todos os países da América do Sul. Ela surgiu durante os primeiros mandatos
06:01do governo Lula, uma iniciativa de Lula com o ex-ditador venezuelano Hugo Chávez. E aí, quando acontece
06:09a onda conservadora na América do Sul, na década de 2010, essa entidade é esvaziada, os países começam
06:20a retirar. Primeiro saiu Colômbia, depois saiu Brasil, seguido Argentina e vários outros. E agora Lula
06:25tenta ressuscitar essa entidade. Então, eu queria ver, na sua opinião, qual a perspectiva
06:33para a UNASUR agora nessa atual onda rosa?
06:36Temos uma larga lista de organizações multilaterais latino-americanas
06:43diseñadas para promover a integração. O que não temos é integração. Todos os presidentes,
06:50históricamente, desde hace cientos de anos, dizem que o futuro da América Latina é uma
06:54América unida, uma América Latina que pode funcionar como um bloco. Isso, mientras mais discursos
07:00acontecem, menos acontece. Há coisas muito concretas que se podem fazer e que não
07:05conseguem, neste momento, os governos que estão a cargo. Uma das coisas que não se sabe
07:09se reir ou chorar foi que o tirano Maduro disse a Lula, em seu discurso público, que podia
07:17colaborar e a Venezuela podia dar electricidade a Brasil. Este é um país onde não há
07:25energia. A Venezuela, a energia não é garantizada, não ocorre. A gente se surpreende com que não
07:31se vai mais frequentemente a energia. O que a Venezuela tem uma crise de energia gravíssima.
07:37E, sem embargo, está Maduro com Lula prometendo que vai dar energia que não tem. É toda uma
07:44charada, é todo teatro, é toda uma farsa para disfraçar o que realmente está sucedendo. Um governo
07:52fracasado, onde 7 milhões de venezolanos han tenido que caminhar a frontera, a buscar refugio
07:58de seu próprio governo. O senhor comentou um negócio que acho interessante. Eu queria que o senhor
08:03elaborasse. É de entidades de integração na América Latina, né? Já temos muitas. Mas não houve
08:15integração. Por quê?
08:19Bom, há muitos interesses. E a integração muitas vezes requere
08:22fazer compromissos, fazer concessões, requere de ter, em corto prazo, pode ter
08:29custos inconvenientes, mas a longo prazo é indispensável. O que acontece é que tanto
08:33os políticos e muitos empresários também, na América Latina funcionam a muito
08:37curto prazo. E então, essa é a razão. Para pensar em grande, para pensar em uma
08:43integração da América Latina, tem que pensar em longo prazo. E estar disposto a levar
08:49adelante os custos da operação de integração a curto prazo.
08:56E voltando agora à reunião da Unasul que acontece nesta terça, nós estamos gravando
09:01essa entrevista na terça-feira, dia 30 de maio. Se discute na imprensa como pode acontecer
09:09uma situação um pouco de constrangimento com a vinda do Maduro. Porque nós sabemos que
09:14o presidente do Chile, o Gabriel Boric, que representa essa nova esquerda que veio com
09:20essa atual onda rosa, ele é crítico da ditadura venezuelana. O presidente do Uruguai,
09:27o Luiz Akagipo, já comentou que achou surpresa, que ele surpreendeu com a visita do Maduro
09:33negativamente. Então, como a chegada do Maduro nessa reunião da Unasul pode constranger um pouco
09:42a diplomacia no continente e comprometer a Unasul?
09:46O que está buscando Lula e os outros que promovem Unasul é simplesmente a possibilidade de ser tomados
09:54em conta no mercado internacional e na política internacional. Isso não é só um intento de teatro
10:02que não tem substância realmente.
10:05Bom, nós estamos falando aqui com Moisés Naim, cientista político, foi editor da celebrada
10:15revista Foreign Policy por mais de uma década e hoje trabalha para o Instituto Carnegie para a paz
10:21internacional. Bom, Moisés, então eu gostaria de perguntar o que é a pergunta mais talvez simples e importante
10:30sobre a visita do Maduro aqui no Brasil. O que o Lula tem a ganhar com isso?
10:40Bom, ele tem a esperança de que, de alguma maneira, ele pode ser visto como o que restituiu a prosperidade,
10:46a estabilidade, a democracia, a liberdade, a justiça em um país que não tem nada disso.
10:53Ele sabe que em Venezuela há um problema que vai muito mais além do que ele chama uma narrativa construída,
11:00que é como se, como uma história falsa. E o único falso que há em estes momentos em Venezuela
11:08é a ideia de que Maduro pensa em os venezolanos. Maduro o que está pensando é como estar,
11:14quedar fora da cárcel se cambia o governo.
11:17Então, em que medida essa reaproximação do Brasil com o regime de Nicolás Maduro
11:24pode servir de uma alternativa eficaz para as negociações de paz na Venezuela,
11:30considerando que elas estão travadas lá desde que o México assumiu o protagonismo na década passada.
11:37Seria uma surpresa que isso ocorriera, uma surpresa bem-vinda.
11:41Todos queremos que haja um cambio em Venezuela.
11:45A vida diária dos venezolanos é uma pesadinha que queremos que se termine.
11:51E se as negocições podem produzir com a ajuda do Brasil seria uma grande surpresa positiva.
11:58Até agora, cada vez que há habido uma negociação,
12:01onde o governo está disposto a sentar-se com líderes da oposição,
12:04ha terminado sirviendo para posponer qualquer atividade
12:09e para engañar, para concentrar o poder mais ou mais em Maduro e sua gente.
12:16Bom, eu te perguntei agora há pouco sobre o que o Lula teria a ganhar
12:21com a reaproximação com Maduro e tentando reintroduzi-lo ao cenário internacional.
12:28Ele está tratando de construir um currículo invité de hacedor de paz no mundo.
12:32Ele quer ser visto como um jogador no mundo.
12:36Por isso é que as reuniões com Xi Jinping em China,
12:39por isso as conversações com Putin, o de Venezuela...
12:46Lula quer ser visto como um jogador de talla internacional.
12:50Sem embargo, ele tem circunstâncias internas
12:53que podem fazer que seja difícil que ele o logre.
12:58Sim, a minha pergunta agora, na verdade, é justamente o raciocínio inverso.
13:04Porque o que Lula tem a perder no cenário internacional?
13:08Porque nós vemos, por exemplo, que recentemente os Estados Unidos
13:11têm cada vez menos dado importância à questão venezuelana
13:16e tem até com a guerra na Ucrânia e a escassez de petróleo
13:22decorrente no mercado internacional, decorrente da guerra,
13:26os Estados Unidos têm começado a fazer concessões ao regime de Nicolás Maduro,
13:31já permitiu que a Chevron voltasse a explorar petróleo lá na Venezuela.
13:36Então, em que medida o Lula não tem que se preocupar
13:40com o rechaço na comunidade internacional?
13:42Bom, depende de qual é a comunidade internacional.
13:46Se é a comunidade internacional de os tiranos ou dos presidentes das três P's,
13:51é uma coisa, não?
13:52Há uma comunidade internacional, por o presidente Lukashenko de Bielorrusia,
13:58por o presidente da Hungria, por Vladimir Putin,
14:03por Petro em Colômbia, por López Obrador.
14:09Ou seja, aí há uma aliança, há uma rede de governos iliberais
14:14que já está funcionando.
14:19Mas falando especificamente sobre os Estados Unidos,
14:22que era o país mais relevante e preocupado com a Venezuela,
14:26de anos para cá tem cada vez preocupado menos.
14:29A política do presidente Biden sobre a América Latina
14:36é patética e desastrosa.
14:38O equipo que ele tem para a América Latina não é competente,
14:43não deu resultados,
14:45e todos esses eventos que se falam de flexibilização,
14:50de as sanciones,
14:52todos os permisos especiales para empresas petroleras americanas,
14:58tudo isso não forma parte da nossa estratégia,
15:00forma parte do oportunismo de alguns empresários
15:05bem relacionados com a administração Biden.
15:10Então, mas a minha pergunta é,
15:12o senhor acredita que essa reaproximação do Brasil com a Venezuela
15:16pode acabar não sendo tão nociva para a imagem do Brasil internacionalmente,
15:21considerando que os próprios Estados Unidos,
15:23pelo menos o governo Biden,
15:24e provavelmente deve suceder assim se via a Associação Democrata.
15:29Todo isso é impossível pronosticar nada do que has mencionado,
15:35porque a situação está completamente em fluxo,
15:38há mudanças importantes a muitos niveis,
15:41e o fator comum é que todos os governos do Unasur,
15:45que se estão reunindo agora,
15:46agora têm países com uma estabilidade muito frágil,
15:53e com desafios importantes que têm que emprender.
15:56Todos os países que estão convidados,
15:59salvo duas ou três excepções, como já disse,
16:01notablemente Uruguai e a República Dominicana,
16:07e talvez Panamá.
16:08O resto dos países estão enfrentando situações realmente difíceis,
16:12que fazem difícil que o governo tenha êxito.
16:15E se não tem êxito dentro, é difícil que o tenha fora.
16:18Então, muito obrigado, senhor Nain.
16:23O senhor gostaria de comentar mais alguma coisa?
16:26Não, graças, Caio.
16:27Ha sido muito interessante conversar contigo.
16:29Graças pela invitação.
16:31Ok, muito obrigado.
16:32Tchau, tchau.
16:32Tchau, tchau.

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