O governo da Catalunha pretende avançar no dia 9 de novembro com uma consulta popular sobre o afastamento de Espanha. Madrid considera a iniciativa ilegal. Na comparação com o caso da Escócia falta o compromisso que havia entre Edimburgo e Londres para a realização de um referendo. Barcelona e Madrid mergulharam num braço de ferro que torna todo este processo ainda mais complexo.
Passando do debate na esfera política para o que se passa efetivamente nas ruas, fomos até a alguns bairros populares de Barcelona onde a maioria dos habitantes não é de origem catalã. Um desses bairros chama-se Carmel. Muitos dos residentes têm raízes na Andaluzia, no sul de Espanha.
José Ángel Rodríguez é sindicalista da UGT. Nasceu em Carmel. Foi até há pouco tempo militante do PSOE, o partido socialista espanhol. Mas decidiu romper para abraçar a causa da independência: “Há um independentismo que é identitário, baseado nos princípios da língua, da cultura, do contexto pessoal. Mas há um outro independentismo que não é identitário. Eu posso dizer que sou espanhol, que me sinto espanhol, e ao mesmo tempo ser independentista. Posso defender as duas coisas. Não é uma questão de identidade, mas sim um modelo de convivência. Em 1978, a Espanha construiu-se entre uma direita franquista, uma direita democrática e uma esquerda democrática. Em 2014, queremos construir uma Catalunha também com a direita democrática. É um grande erro integrar só gente de esquerda. Uma nova sociedade tem de incluir todos: imigrantes, burgueses, os de esquerda, os de direita, os pobres e os ricos.”
Junto à capital da Catalunha situa-se a cidade de Badalona. A câmara local é dominada pelo Partido Popular, o mesmo do presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy. O voto na consulta é acessível aos maiores de 16 anos. Aritz Bel tem 17 e defende a independência: “Normalmente, uma pessoa sente que pertence a um Estado que a valoriza. Eu acho que nas últimas décadas o Estado espanhol não fez mais nada a não ser maltratar-nos. Tanto económica, como socialmente. Mesmo que não falemos catalão, parece-me injusto que o Estado espanhol maltrate a língua. Pode não ser a nossa língua, mas é uma injustiça e não gostamos. Para muitos, como eu, estas são as primeiras eleições em que podemos participar. Ainda por cima, é uma possibilidade que durante muito tempo não existiu. Vamos decidir sobre o nosso futuro imediato e sobre o futuro de muitas gerações.”
Num dos dias de filmagem decorreu o dérbi Real Madrid-Barcelona. Fomos até uma associação de adeptos dos madrilenos em Badalona. Um dos fundadores vive agora em Salamanca e dá-nos uma perspetiva com distância quilométrica. “Na maior parte dos sítios estão a acabar com as fronteiras. Aqui estão a tentar fazer uma coisa que, para mim, não tem pés nem cabeça. Querem ficar fora da Europa, sem moeda… Eu não estou nem a favor, nem contra o 9 de novembro. Se querem fazê-lo, que o façam. Mas têm de votar todos. Vamos ver se todos os catalães, se todos os que vivem na Catalunha querem a independência. Eu acho que há muitos que não querem”, afirma Blas Martinez.
Regressamos ao centro de Barcelona, ao bairro de Eixample, onde encontramos a socióloga Marina Subirats, que já foi a responsável municipal pelo setor da Educação e já dirigiu o Instituto da Mulher em Madrid. Esteve também à frente dos destinos de um dos bairros mais populares de Barcelona, o Nou Barris. “Na minha perspetiva, o nacionalismo seria um aprofundamento da cultura e tradições catalãs. Mas não é isso que lhes interessa! O que lhes interessa é a possibilidade de fazer algo de novo no futuro, mesmo que não seja tão novo assim, ou que se possa ressentir dos problemas de sempre. Eu costumo perguntar: ‘independentes de quê?’ Nós somos mais dependentes do que nunca. Já não somos dependentes apenas do Estado espanhol do qual nos estamos a tentar afastar. Somos muito dependentes da União Europeia e da economia mundial. Hoje a independência é mais utópica do que nunca”, considera Subirats.
José Rodríguez, o pai de José Ángel, nasceu há 67 anos em Tetuan, em Marrocos. Cresceu em Granada, mas há mais de 40 anos que vive no bairro de Carmel. Pai e filho têm visões diferentes. “É claro que me custa isto que se está a passar na Catalunha. Não sabemos o que vai acontecer. Nós o que somos, os que viemos de fora? Somos catalães, somos espanhóis? Se houver independência, vão dar-nos um passaporte? Não sei. Acho que o governo catalão devia explicar-nos as coisas. Não aos catalães, porque esses votam na independência de certeza. Mas aos que vivem aqui há muitos anos – 40, 45, 50. O que será de nós?”, pergunta José Rodríguez.
O facto de o governo central não reconhecer a consulta popular trava a organização de campanhas. Muitos clamam o desaire de Artur Mas, o presidente do governo local que não conseguiu impor o referendo. Fala-se em eleições municipais antecipadas para radicalizar a luta pela independência. José Ángel reuniu um grupo de amigos para fazer um ponto da situação. “